processo n° 2013-0.288.068-0
INTERESSADO: Secretaria Municipal de Finanças
ASSUNTO: Minuta de projeto de emenda à Lei Orgânica do Município.
Informação n° 118/14-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhora Procuradora Assessora Chefe
Trata-se de minuta de projeto de emenda à Lei Orgânica do Município elaborada com o objetivo de acrescentar um novo inciso ao artigo 112, § 1°, do mencionado diploma legal, dispensando a autorização legislativa para a vendá de bens imóveis incorporados ao patrimônio público por força de herança vacante, desde que não afetados a uma finalidade pública (fls. 05).
De acordo com a respectiva exposição de motivos, tais bens, quando não afetados ao uso público, devem necessariamente ser alienados, uma vez que não compete ao Poder Público administrar imóveis que não tenham relação com suas atividades precípuas (fls. 02/04).
De fato, a questão ganhou relevância em razão do advento da Lei Federal n° 8.049/90, que alterou o antigo Código Civil, atribuindo aos Municípios, e não mais aos Estados, os bens arrecadados em suas respectivas circunscrições, após a declaração da vacância da herança. A regra foi mantida no novo Código Civil.
Em linhas gerais, quando alguém falece sem deixar testamento ou herdeiro legítimo conhecido, os bens da herança são arrecadados, ficando sob a guarda e administração de um curador. Depois de um certo tempo, se não for localizado qualquer herdeiro, a herança é declarada vacante,1 com a consequente transferência do domínio dos bens para o Município ou Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, ou para a União, quando situados em território federal (art. 1.819 e seguintes).
Ocorre que, nesses casos, normalmente são incorporados ao domínio da Municipalidade imóveis residenciais - casas e apartamentos - que não apresentam qualquer utilidade pública, gerando apenas despesas para a sua administração, circunstância que recomenda a imediata alienação desses bens. No entanto, a Lei Orgânica do Município de São Paulo exige, para tanto, (a) a demonstração da existência de interesse público na medida (art. 112, caput), (b) a realização de prévia avaliação dos bens, (c) autorização ieqislativa e (d) a realização de licitação (art. 112, §1°).
Com efeito, o atual Código Civil, do mesmo modo que o diploma legal anterior, classifica os bens públicos em bens de uso comum do povo, como os rios, mares, estradas, ruas e praças, bens de uso especial, como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da Administração, e bens dominicais ou dominiais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público (art. 99).
Verifica-se, assim, que tanto os bens de uso comum do povo como os bens de uso especial têm sempre uma destinação própria.
Com efeito, uma via pública (bem de uso comum) deve ser utilizada para a circulação de pessoas e veículos. Já um hospital público (bem de uso especial) deve ser utilizado para o tratamento de pessoas que necessitam de cuidados médicos.
Essa destinação de um bem a um determinado fim de uso comum ou especial é chamada de afetação.
A propósito, a seguinte lição de José Cretella Júnior:
"Afetação é destinação, consagração. Afetar é destinar, consagrar algo a determinado fim." 2
Mais:
"Afetação é a manifestação solene de vontade do poder público em virtude da qual uma coisa fica incorporada ao uso e gozo da comunidade. 'Afetação' é a sujeição de uma propriedade ao regime especial do domínio público, pela utilidade a que essa coisa se destina. É o ato que consagra a coisa à produção efetiva da utilidade pública. Afetação é o fato ou o ato que determina a utilização da coisa a um fim público."3
Mas o contrário também pode acontecer, isto é, os bens de uso comum do povo e de uso especial também podem mudar de categoria. Para tanto, deve ser retirada desses bens a destinação que lhes foi atribuída, o que é feito por meio da desafetação. Assim, ocorre a desafetação quando, mediante lei, é retirada do bem a sua destinação' de uso comum ou especial. Nesse sentido, a seguinte lição de José Cretella Júnior:
"Admitamos, ao contrário, que o Estado queira vender via pública ou edifício. É necessário haver, inicialmente, uma operação de desafetação, isto é, de desdestinação. Não será mais utilizada no interesse público. Foi abandonada, por exemplo, a estrada, ou o prédio deixou de ser usado. Já possuía 'desafetação' de fato, por um desuso, e passa a ter uma desafetação de direito, mas só o ato solene da desafetação é que vai subtrair o bem do regime jurídico de direito público para integrá-lo rio regime jurídico de direito privado." 4
Portanto, embora a afetação possa decorrer de um ato ou de um fato, a desafetação depende sempre de um ato solene, que, no Município de São Paulo, é uma lei de iniciativa do prefeito, nos termos do artigo 37, § 2°, inciso V, da LOM.
Assim, também por essa razão, a proposta em exame, acertadamente, exclui da dispensa de autorização legislativa os imóveis que, embora incorporados ao domínio público por força de herança vacante, estejam afetados ao uso público, como, per exemplo, um terreno vago que tenha sido ajardinado, transformando-se em uma praça pública.
A propósito, na esfera federal, a Lei n° 8.666/93 admite a alienação, por ato da autoridade competente, de bens imóveis da administração pública cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento (art. 19). Contudo, por não se tratar de norma gerai, o dispositivo não alcança a esfera municipal. Parece-me, porém, que tal fórmula não poderá se reproduzida no âmbito do Município dè São Paulo, pois a norma da lei federal de licitações encontra-se em . consonância com a legislação que disciplina a alienação de imóveis da União, que não exige autorização legislativa para tanto, conforme disposto na Lei Federal n° 9.636/98.5
Ademais, a expressão cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais é excessivamente ampla, podendo abarcar, por exemplo, imóveis desapropriados ou cujo domínio público tenha sido em sede de ação reivindicatória, situações que se afastam dos objetivos da proposta em exame.
A própria inclusão da dação em pagamento na proposta não me parece viável, pois, nos termos da lei Municipal n° 13.259/2001, que disciplina a matéria, quando da apreciação da conveniência e da oportunidade da aceitação do imóvel oferecido pelo devedor deverão ser considerados diversos fatores, como a utilidade do bem para os órgãos da Administração direta e o interesse na utilização do bem por parte de órgãos da Administração indireta (art. 6°, § 1°). Portanto, para a concretização da dação em pagamento deve existir interesse no imóvel para alguma finalidade pública. Caso contrário, a execução deve ter normal andamento.
De resto, parece-me que a proposta em exame atende ao interesse público, por agilizar a alienação de imóveis cuja permanência no patrimônio municipal, além de gerar despesas, não apresenta qualquer utilidade, podendo a situação ser equiparada aos demais casos de dispensa de autorização legislativa, em que o bem não pode receber quaiquer outra destinação dé interesse público.
Diante de todo o exposto, parece-me que o dispostivo poderá se redigido nos seguintes termos: "III - Independe de autorização legislativa a venda de imóvel não afetado ao uso público, cuja aquisição tenha resultado de declaração de vacância de herança, quando não se justificar a permanência do bem no patrimônio do Município."
Desse modo, acrescentada a regra em um novo inciso do § 1° do artigo 112 da LOM, ficará dispensada apenas a autorização legisiativa, devendo ser observados, porém, os demais requisitos para a alienação de imóveis municipais, ou seja, demonstração da existência de interesse público (art. 112, caput), avaliação prévia e licitação (art. 112, § 1°).
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São Paulo, 23/01/2014.
RICARDO GAUCHE DE MATOS
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 89.438
PGM
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De acordo.
São Paulo, 23/01/2014.
CECÍLIA MARCELINO REINA
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE SUBSTITUTA- AJC
OAB/SP 81.408
PGM
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processo n° 2013-0.288.068-0
INTERESSADO: Secretaria Municipal de Finanças
ASSUNTO: Minuta de projeto de emenda à Lei Orgânica do Município.
Cont. da Informação n° 118/2014-PGM.AJC
SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho estes autos a Vossa Excelência, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da Procuradoria Gerai do Município, que acompanho.
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São Paulo, 23/01/2014.
ANTONIO MIGUEL AITH NETO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO SUBSTITUTO
OAB/SP n° 88.619
PGM
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processo n° 2013-0.288.068-0
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE FINANÇAS E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ASSUNTO: Minuta de Projeto de Emenda à Lei Orgânica do Município. Alteração do art. 112. Alienação de bens imóveis arrecadados em caso de herança vacante.
Informação n.° 196/2013-SNJ.G.
SNJ.G
Senhor Secretário
O presente expediente foi instaurado por SF, com minuta de proposta de inclusão, por emenda, de um novo inciso ao § Io do art. 112 da Lei Orgânica do Município, a fim de dispensar de autorização legislativa a venda de bens imóveis municipais oriundos de herança vacante, desde que não afetados a finalidade pública.
A PGM, em cuidadoso estudo das hipóteses de alienaçao previstas na Lei Orgânica, bem como das respectivas exigências de lei autorizativa, posicionou-se favoravelmente ao afastamento de tal autorização nas hipóteses de bens oriundos herança vacante que ainda não estejam afetados a uso público, apresentando proposta alternativa de redação. Observou, contudo, que não seria possível a adoção de redação semelhante a do art. 19 da Lei n° 8.666/93, que se refere a bens oriundos de procedimentos judiciais, uma vez que tal norma, no plano federal, é compatível com o regime ali vigente, o que não se dá no Município. Além disso, a remissão a procedimentos judiciais seria excessivamente ampla, alcançando imóveis desapropriados ou cujo domínio tenha sido reconhecido em ação reivindicatória. Já a referência à dação em pagamento não seria viável, pois, de acordo com a Lei n. 13.259/01, a dação já é precedida da avaliação da utilidade do bem pela Administração, de rrrouo que o bem recebido sempre terá uma finalidade pública (fls. 14/22).
É o breve relato.
Parece assistir razão à PGM no que tange à alteração proposta para os bens oriundos de herança vacante, ressaltada a pertinência da menção ao fundamento das hipóteses em que é dispensada a autorização legislativa e da referência à necessidade de que o bem a ser alienado não esteja afetado. Não parece possível .acompanhar a Procuradoria Geral, contudo, em relação aos eventuais impedimentos para uma modificação mais abrangente, que viesse a aproximar a Municipalidade do regime previsto no art. 19 da Lei n. 8.666/93, tanto no que se refere aos bens oriundos de procedimentos judiciais quanto em relação aos bens recebidos na forma de dação em pagamento.
Antes de tudo, convém ressaltar que a presente análise teín por foco apenas os eventuais impedimentos jurídicos de uma proposta legislativa referente à matéria, não podendo alcançar os diversos aspectos da discricionariedade legislativa envolvida. Nessa seara, é importante ressaltar que cabe à Câmara Municipal, em sua competência para a revisão da Lei Orgânica do Município, definir as hipóteses de autorização legislativa para o exercício de competências tais como a alienação de bens, tradicionalmente sujeita a controle pelo Poder Legislativo.
A propósito, vale notar que a dispensa de autorização legislativa não se encontra condicionada expressamente por normas jurídicas superiores à Lei Orgânica, de modo que é ampla a discricionariedade do legislador. Vale mencionar, como limite, a já apontada impossibilidade de alienação de áreas afetadas ao uso público, possivelmente decorrente do princípio da finalidade e que, por certo, não enseja maiores discussões.
No mais, não parece possível encontrar limites jurídicos que fizessem recomendar a alteração da Lei Orgânica apenas para a alienação de bens oriundos de herança vacante. Assim, por exemplo, não haveria óbice à adoção, no plano municipal, de regra semelhante àquela contida no art. 19 da Lei Federal n. 8.666/93.
Não se sustentam, a esse respeito, os impedimentos apontados pela PGM. Com efeito, não é possível afirmar que o afastamento da autorização legislativa não seria adequado em razão de sua incompatibilidade com o ordenamento municipal, pois o que se discute é, justamente, a alteração do regime vigente no Município, por meio da modificação de sua mais importante lei.
Por outro lado, a maior ou menor amplitude de eventual dispensa de autorização legislativa é matéria situada inteiramente na esfera da discricionariedade legislativa, estando imune a um juízo de valor sob o ponto de vista jurídico-formal. No que tange às hipóteses levantadas, cabe considerar que a alienação de imóveis desapropriados, quando não afetados ao uso público, decerto não constituiria algo problemático. A alienação dos bens expropriados já está limitada pela vedação à tredestinação, razão pela qual só poderia ocorrer em hipóteses muito específicas, como a alienação de remanescentes inicialmente inaproveitáveis isoladamente, que venham a ser unificados, ou nos casos em que a finalidade da desapropriação seja justamente a alienação a terceiro, como se dá nos planos de urbanização. No tocante às ações reivindicatórias, não há dúvida do caráter declaratório da decisão de mérito ali proferida, de modo que não é possível afirmar que o domínio do imóvel se tenha originado de procedimento judicial, a fim de fundamentar a dispensa de autorização legislativa para uma hipotética alienação.
Quanto à dação em pagamento, igualmente não se discute a compatibilidade de eventual novel texto da Lei Orgânica com a Lei n. 13.259/01 e sim a mudança do regime jurídico pertinente, que atingiria até mesmo a própria lei ordinária. Aliás, é até possível imaginar que a dação em pagamento esteja hoje condicionada a uma utilidade efetiva do imóvel a ser recebido justamente em razão das consideráveis dificuldades procedimentais para uma subsequente venda. Caso a Lei Orgânica fosse alterada para simplificar a alienação dos imóveis recebidos em dação, a Municipalidade teria mais flexibilidade em suas execuções, podendo receber em pagamento bens que não lhe fossem imediatamente úteis, mas que pudessem ser alienados a terceiros. Em caso de modificação da Lei Orgânica, portanto, seria o caso de rever a legislação municipal ordinária, não podendo esta última servir como um limite à alteração da primeira.
Assim sendo, nada obstante não haja mácula jurídica alguma na proposta apresentada pela PGM - como, aliás, tampouco havia na minuta inaugural, encaminhada por SF - vale apontar que seria possível a adoção de um texto mais amplo, na linha do art. 19 da Lei Federal n. 8.666/93, nos seguintes termos: "III - independe de autorização legislativa a alienação de bens imóveis incorporados ao patrimônio público por força de procedimentos judiciais ou dação em pagamento, que não estejam afetados ao uso público, desde que comprovada a necessidade ou utilidade de tal alienação".
Registre-se, uma vez mais, que não parece possível esgotar, sob o prisma jurídico, as variadas alternativas que estão disponíveis em relação ao assunto, considerando que se trata de tema situado na esfera de discricionariedade do legislador, valendo notar, tao somente, a impossil|ppade de admitir a alienação de bens destinados ao uso público previamente à sua desafetação, conforme bem observado pela PGM.
Ante o exposto, sugere-se o retorno do presente a SF, com as propostas formuladas, para o devido prosseguimento, observada a inexistência de impedimentos jurídicos ao afastamento, por emenda à Lei Orgânica, da autorização legislativa para alienação de bens municipais que não estejam afetados a uso público.
É o parecer, que submeto à sua apreciação.
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São Paulo, 27/01/2014.
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
Procurador do Município
OAB/SP 173.027
SNJ.G.
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De acordo.
VINICIUS GOMES DOS SANTOS
Chefe da Assessoria Jurídica-Substituto
OAB/SP 221.793
SNJ.G
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo