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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 117 de 22 de Janeiro de 2016

Informação n° 117/2016- PGM.AJC
Apuração de débito. Desconto não efetuado tempestivamente, nos termos do Decreto n.° 52.192/2011. Análise sobre a repetibilidade dos valores recebidos, à luz dos precedentes judiciais e da orientação jurídica vigente no Município

Processo 2014-0.284.522-3

INTERESSADO: VERA LUCIA SUNDFELD SILVA

ASSUNTO: Apuração de débito. Desconto não efetuado tempestivamente, nos termos do Decreto n.° 52.192/2011. Análise sobre a repetibilidade dos valores recebidos, à luz dos precedentes judiciais e da orientação jurídica vigente no Município

Informação n° 117/2016-PGM.AJC

PGM

Sr. Procurador Geral,

Para evitar repetições desnecessárias, reportamo-nos integralmente ao minucioso relatório constante da manifestação de fls. 61 e ss., em que a Secretaria dos Negócios Jurídicos solicita parecer desta Procuradoria Geral sobre a questão.

Após aquela consulta, SMG prestou as informações e os esclarecimentos adicionais pertinentes, conforme fl. 68.

Passamos a nos manifestar.

Preliminarmente, há que se ressalvar ter sido necessário aguardar o desenrolar de dois processos que tratam de questões prejudiciais: a) o PA n.° 2012-0.030.242-3, por meio do qual se acompanha o mandado de segurança referido às fls. 61 e ss.; b) o PA 2015-0.024.441-0, em que se rediscutiu o parecer anexado em fls. 50 e ss.

A) Mandado de Segurança n.° 0001132-16.2012.8.26.0053 (PA n.° 2012-0.030.242-3)

Entendemos não haver óbice judicial ao prosseguimento das cobranças administrativas de valores que porventura tenham sido pagos aos servidores associados da Impetrante, além do limite remuneratório, após o julgamento (indeferimento) das respectivas defesas administrativas, conforme parecer exarado no processo n.° 2012-0.030.242-3 (cópia ora anexada) ou, então, após a deliberação administrativa de fl. 69, o que tiver ocorrido depois (consoante os fundamentos a seguir delineados).

B) A questão da repetibilidade dos valores recebidos indevidamente

As tormentosas questões relacionadas aos erros administrativos e às circunstâncias de fato que ensejam pagamentos indevidos, bem como o correlato dever de restituição, já foram fartamente discutidas e rediscutidas no âmbito administrativo municipal, à luz da legislação e da jurisprudência pertinentes, razão pela qual cumpre-nos, agora, simplesmente analisar o caso conforme o entendimento consolidado.

Dispõem os artigos 2.° e 3.° do Decreto n.° 48.138/2007:

Art. 2.° Deverão ser repostos os pagamentos indevidos de vencimentos, gratificações, adicionais e vantagens de qualquer natureza feitos aos servidores municipais em decorrência de erros de fato cometidos pela Administração.

§ 1o Os erros de fato compreendem tanto os derivados de cálculo que conduzam ao pagamento a maior de vantagens a que legalmente faça jus o servidor quanto os de apontamento e cadastramento de benefícios a que esse não faça jus.

§ 2o A reposição dos valores pagos em virtude de erro de fato deve ser feita independentemente da boa-fé do servidor que os tenha percebido.

§ 3o Constatada a má-fé do servidor, além da reposição devida, deverão ser tomadas providências objetivando a adoção das medidas disciplinares e judiciais cabíveis.

§ 4o O disposto neste artigo aplica-se aos pagamentos feitos em virtude de liminar judicial posteriormente revogada ou cassada.

Art. 3.° São irrepetíveis os valores recebidos de boa-fé pelos servidores em virtude de erros de direito cometidos pela Administração, até que sejam sanados.

§ 1o Os erros de direito compreendem os pagamentos indevidos feitos em decorrência da interpretação equivocada de norma legal, desde que razoável e fixada em caráter oficial pelo órgão competente da Administração.

§ 2o O disposto neste artigo aplica-se aos pagamentos feitos por força de decisão judicial, exceto quando se tratar de liminar ou tutela antecipada.

§ 3o As disposições deste artigo não se aplicam ao servidor que tenha agido de má-fé, devendo a reposição, nessa hipótese, ser efetivada independentemente da natureza do erro, sem prejuízo da observância do disposto no § 3° do artigo 2o deste decreto.

Tal norma deve, no entanto, ser interpretada conforme a orientação jurisprudencial vigente, que vem sendo objeto de aprofundados estudos no âmbito da PGM e de SNJ, os quais apontam, já há algum tempo, aliás, para a necessidade de alteração do referido decreto.

A Secretaria dos Negócios Jurídicos firmara o entendimento de que, "para efeito de futura alteração de tal decreto, dada a insuficiência da distinção atualmente adotada entre os referidos tipos de erro, deverá ser estabelecida, nos termos do entendimento da Assessoria Técnica e Jurídica desta Pasta, a repetibilidade dos valores recebidos pelos servidores municipais em decorrência de fatos administrativos ou erros materiais, como aqueles derivados de falhas do sistema, erros de cálculo, apontamento ou cadastramento de benefícios, independentemente da boa-fé do servidor. Por outro lado, desde que não haja evidência de má-fé, deverão ser considerados irrepetíveis os pagamentos recebidos em virtude de erro da Administração decorrente de ato administrativo regularmente expedido" (fl. 60).

Rediscutida a questão por solicitação da Secretaria Municipal de Educação, a Secretaria dos Negócios Jurídicos, embora mantendo a classificação anterior, parece ter flexibilizado o entendimento até então vigente, para admitir a repercussão da boa-fé do servidor na definição dos contornos da repetibilidade de valores recebidos indevidamente, mesmo se em decorrência de meros erros materiais ou fatos administrativos, citando precedente daquela Pasta (parecer anexado às fls. retro):

"Nesse sentido, acertado o parecer de fls. 13/35 quando ressalta que, de acordo com a jurisprudência pátria, a questão 'tem girado ao redor da existência de boa-fé ou da ausência de má-fé, pouco importando se se trata de erro de direito, erro de fato ou erro material'. 

Isso não afasta apenas, data vénia, a conclusão de que algo precisa ser instituído para tentar estabelecer, o tanto quanto objetivamente possível, o que seriam consideradas circunstâncias que denotariam boa-fé e o que seriam circunstâncias que denotariam má-fé".

Com relação ao caso concreto que se apresenta, vale ressaltar, preliminarmente, ter sido fixada orientação administrativa para reativação dos cortes remuneratórios dos servidores abrangidos pela decisão proferida no Mandado de Segurança aludido no item "1", a partir do julgamento das defesas administrativas formuladas nos termos do Decreto n.° 52.192/2011. Tal conclusão, adotada por SNJ em atenção às decisões proferidas nos autos da referida ação (fls. 610/612 e fls. 618 do PA 2012-0.030.242-3), conduziu à deliberação da então SEMPLA no mesmo sentido (fls. 619 do PA 2012-0.030.242-3 e fls. 69 deste processo).

Portanto, vencido o procedimento administrativo pertinente e indeferida a defesa apresentada, impõe-se a efetivação dos cortes das parcelas que excederem o teto remuneratório.

No tocante à interessada do presente processo, especificamente, esclareceu a Divisão de Gestão da Folha de Pagamento (fl. 68):

"De acordo com as orientações traçadas no Ofício 384/SEMPLA. G/2013 - TID 10954336 o desconto do teto constitucional deve ser efetuado a partir do mês de publicação de indeferimento de cada defesa.

Neste caso, o processo individual de defesa do servidor é o PA 2011-0.261.771-3 que teve seu indeferimento publicado no DOC de 24/05/2013.

Tal cadastro foi efetuado para a folha do mês de agosto/2013 com a devida retroatividade".

O débito ora discutido se originou, pois, do cadastramento tardio do corte remuneratório na folha de pagamento, não havendo qualquer manifestação de vontade de cunho decisório que apontasse para a não efetivação do corte. Aliás, houve, sim, decisão administrativa em sentido contrário1.

Por outro lado, a definição administrativa acerca do momento a ser retomada a possibilidade de corte remuneratório só se consumou no final do mês de junho de 2013, tendo sido publicada, efetivamente, no último dia útil desse mês (28/06/2013 - fl. 69).

Relevante notar, ainda, a indefinição jurídica que antecedeu referida decisão, sendo certo que esta Procuradoria Geral, acolhendo proposta do Departamento Judicial, concluíra pela suspensão do corte remuneratório até o encerramento da instância administrativa (ou o julgamento da apelação, o que ocorresse primeiro) e não até o julgamento da defesa, tese esta que, ao final, prevaleceu na Secretaria dos Negócios Jurídicos2, após dúvida suscitada pela então SEMPLA, Secretaria competente para promover os ditos cortes (cf. fls. 604/619 do PA 2012-0.030.242-3).

Entendemos, pois, insubsistente a tese da repetibilidade dos valores pagos até a definição administrativa a respeito da retomada dos cortes remuneratórios, diante da fundada controvérsia jurídica então instaurada3, da ausência de decisão administrativa a respeito até então e, ainda, da boa-fé da interessada, dos precedentes administrativos já referidos e da jurisprudência pertinente, sobretudo do Supremo Tribunal Federal.4

Já a partir do mês de julho/2013, a situação restou definida no âmbito administrativo, com determinação da autoridade competente para a retomada dos cortes de parcelas que superassem o teto remuneratório, a partir do indeferimento das defesas.

As circunstâncias objetivas do caso evidenciam, portanto, que a Interessada deveria conhecer o indeferimento de sua defesa e, ainda, a conclusão administrativa acerca dos efeitos da decisão judicial proferida no Mandado de Segurança impetrado pela Associação dos Procuradores do Município de São Paulo5.

Deveria, pois, ter plena ciência de que, a partir de então, sofreria cortes remuneratórios, caso se verificasse o excesso ao limite legal6.

Cabe, por fim, distinguir a presente hipótese daquela que foi objeto da decisão do Exmo. Sr. Prefeito anexada às fls. 23/24, na fase inicial de implantação e viabilização das condições para cumprimento do Decreto n.° 52.192/2011, ocasião em que os servidores atingidos não haviam sequer sido intimados do corte e de suas razões.7

Agora, como se viu, trata-se de mero atraso no cumprimento de decisão administrativa, após regular procedimento contraditório.

Por tais razões, à luz da legislação municipal vigente, dos precedentes administrativos pertinentes e da jurisprudência aplicável à hipótese, entendemos que são, em tese, repetíveis os valores recebidos pela interessada além do limite remuneratório a partir do indeferimento de sua defesa e da deliberação administrativa de fl. 69. Ou seja: são, em tese, repetíveis os valores que superaram o limite remuneratório no mês de referência Julho/2013, não havendo como sustentar, por outro lado, a cobrança referente ao mês de Junho/2013 (cabendo, evidentemente, às unidades competentes analisar os demais argumentos apresentados na defesa, observado o procedimento previsto no Decreto n.° 48.138/2007, o que não constitui objeto deste parecer).

 

São Paulo, 22 de janeiro de 2016

TIAGO ROSSI

PROCURADOR ASSESSOR CHEFE - AJC

OAB/SP 195.910

PGM

 

1 Segundo a classificação sugerida por SNJ, a origem do débito não seria, portanto, um ato, mas mero fato administrativo (o decurso do tempo sem que fossem efetuados os cadastros devidos, ou, ainda, a omissão administrativa em operacionalizar, tempestivamente, a decisão da autoridade competente). Na tipologia adotada pelo decreto vigente, poderia ser classificada como "erro de fato".
2 Devidamente referendada em juízo (cf. fl. 745 do PA 2012-0.030.242-3, aqui anexada em cópia).

3 A razoabilidade de tal controvérsia jurídica, aliás, vem bem ilustrada pela discussão judicial, ainda viva, agora no âmbito de incidente de execução provisória, e os debates por ela alimentados, no âmbito administrativo, conforme registra o PA 2012-0.030.242-3, a que se fez referência no item 1 desta manifestação (parecer ora anexado a este processo).
4 Cf., especialmente, RE 609.381 e RE 587.371. Considerando a tipologia do Decreto n.° 48.138/2007, tal controvérsia não se amolda às categorias de "erro" ali discriminadas, tratando-se, sim, de debate jurídico que antecedeu a necessária decisão. Estaria, quando muito, num esforço interpretativo (o que aqui admitimos apenas por hipótese de argumentação), jungida à regra do art. 3.° do referido decreto.
5 Eventual irresignação, até mesmo judicial, contra tal deliberação administrativa não infirma tal conclusão. Pelo contrário, confirma-a. 

6 Lembre-se que a aplicação pura e simples do art. 2.° do Decreto n.° 48.138/2007 dispensaria, até mesmo, reflexões de tal natureza, aqui consideradas, repita-se, em razão dos precedentes administrativos e da orientação jurisprudencial que vem predominando a respeito do assunto.

7 A questão foi abordada, oportunamente, pela SGM/AJ: "março a julho de 2011: período no qual a PMSP estava implantando o sistema da folha de pagamento, nos termos do Decreto n.° 52.192/11, e não procedeu aos cortes remuneratórios. Não há nenhuma razão para afastar a presunção de boa-fé da servidora que recebeu valores acima do limite constitucional, enquanto: a uma, o Poder Público adotava as medidas administrativas para iniciar o controle e corte das verbas salariais, a duas, e principalmente, a servidora não havia sequer sido intimada do corte" (fl. 22).

 

 

processo n.° 2014-0.284.522-3

INTERESSADO: VERA LUCIA SUNDFELD SILVA

ASSUNTO: Apuração de débito. Desconto não efetuado tempestivamente, nos termos do Decreto n.° 52.192/2011. Análise sobre a repetibilidade dos valores recebidos, à luz dos precedentes judiciais e da orientação jurídica vigente no Município

Cont. da Informação n° 117/2016-PGM.AJC

SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Sr. Secretário

Reportando-me à manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral às fls. retro, que acompanho, restituo o presente para deliberação conclusiva.

 

São Paulo, 02/02/2016

ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP n° 162.363

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo