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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.466 de 27 de Dezembro de 2009

EMENTA N° 11.466   
Administrativo. Projeto de Lei n° 577/09. Substitutivo. Altera a redação da Lei n° 13.473/02, que dispõe sobre a concessão de autorização para o funcionamento do comércio aos domingos e feriados.

Memorando n° 885/2009-ATL III (TID 5191072)

INTERESSADO: SGM/ATL

ASSUNTO: Projeto de lei n° 577/09

Informação n° 2.339/09-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDiCO-CONSULTIVA

Senhora Procuradora Assessora Chefe

Solicita SGM/ATL um pronunciamento desta Procuradoria Geral a respeito do substitutivo, da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa da Câmara Municipal, ao Projeto de Lei n° 577/09, que altera a redação da Lei n° 13.473/02.

O mencionado diploma legal, com as alterações introduzidas pela Lei n° 14.776/08, dispõe sobre a autorização de funcionamento do comércio em geral aos domingos e feriados, pretendendo o Legislativo com a propositura em exame, em síntese, submeter também os bares, restaurantes e similares à exigência de prévia permissão da PMSP para o funcionamento nesses dias. Daí o questionamento formulado pela ATL a respeito da abrangência dos apontados diplomas legais, bem como acerca da sujeição dos estabelecimentos em questão a outras normas.

Assim, antes demais nada, convém apresentar um panorama da situação.

A Lei Federal n° 10.101/2000, ao regulamentar a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas, autorizou também o trabalho aos domingos no comércio em geral. Nesse sentido, o artigo 6° do mencionado diploma legal, em sua redação primitiva, dispunha o seguinte:

"Art. 6° - Fica autorizado, a partir de 9 de novembro de 1997, o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, observado o artigo 30, inciso I, da Constituição.

Parágrafo único - O repouso semanal remunerado deverá coincidir, peio menos uma vez no período máximo de quatro semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras previstas em acordo ou convenção coletiva." (destaquei).

No entanto, por força da redação conferida pela Lei Federal n° 11.603/07, o dispositivo ficou com a seguinte redação:

Art. 6° - Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.

Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva. (destaquei)

Por outro lado, a Lei Federal n° 11.603/07 acrescentou o artigo 6°-A à Lei n° 10.101/2000, nos seguintes termos:

"Art. 6°-A. É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição."(destaquei).

Já no âmbito municipal, a Lei n° 13.473/02, condicionou o funcionamento do comércio varejista em geral aos domingos a uma autorização a ser expedida pela PMSP, devendo o interessado, para tanto, formular requerimento acompanhado de convenção coletiva ou acordo de trabalho.

Posteriormente, porém, a Lei n° 14.776/08 substitui a expressão comércio varejista em geral por comércio em geral, admitindo ainda o seu funcionamento também aos feriados.

Contudo, conforme já ressaltado por esta Procuradoria Geral em outras ocasiões (Ementa n° 10.665 e Ementa n° 11.236), a legislação federal e a legislação municipal tratam de coisas diferentes.

De fato, a lei federal, dentro da esfera de competência da União, limitou-se a autorizar o trabalho no comércio em geral aos domingos e feriados.

Já a fixação do horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, o que abrange os dias em que poderão funcionar, compete aos municípios, conforme já previsto na Súmula 419 do STF ("Os municípios têm competência para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas'), reforçada pela Súmula 645 da mesma Corte ("É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial'), tanto que a lei federal manda observar o disposto no artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, reconhecendo, assim, a autonomia municipal para legislar sobre os aspectos da matéria relativos ao interesse local, como o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais. Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme demonstra o seguinte trecho do voto do Ministro Eros Grau no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 622.405-1, interposto pelo Sindicato dos Empregados no Comércio de Teófilo Otoni (julgado de 22.05.2007):

"(...)

A jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que 'o Município é competente para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial' [Súmula 645/STF]. Trata-se de competência que, sob a ordem constitucional instituída pela Constituição de 1988, está reservada pelo seu artigo 30, inciso I, ao dispor que 'compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.

Corroborando esse entendimento, transcrevo este passo do acórdão recorrido [fls. 321]: "No caso em apreço, o ato administrativo combatido, na parte em que o mesmo faculta 'aos proprietários de supermercados do Município de Teófilo Otoni o funcionamento de seus estabelecimentos comerciais de segunda-feira aos domingos, inclusive feriados, das 08:00 às 22:00 horas' (art. 7°, Decreto n° 4.541/2002), nada tem de ilegal, mas ao contrário, está em sintonia com o que prescreve o art. 6°, caput, da Lei n° 10.101/00 que autoriza a partir de 9 de novembro de 1997, o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, observado o artigo, inciso I, da Constituição.

(...)"

Portanto, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n° 57.999, não se pode confundir a competência da União para legislar sobre Direito do Trabalho com a competência do Município para disciplinar o funcionamento dos estabelecimentos comerciais e industriais localizados dentro do respectivo território. A propósito, o seguinte trecho do voto do Ministro Luiz Gallotti:  

"(...)

Não há como confundir aqui a limitação administrativa imposta pelo Município para disciplinar o funcionamento dos estabelecimentos industriais na sua extensão territorial, com o direito do trabalho, que tem delegada a sua legislação à União. Inexiste conflito, no mesmo tema, porquanto - e a observação é da excelente sentença agravada - no direito do trabalho cuida-se de normas que disciplinam os contratos da atividade laborativa, no seu aspecto institucional; não poderia, no entanto, a mesma legislação, estabelecer horários de funcionamento de empresas comerciais ou industriais que, por seus efeitos e implicações externas, compete à Municipalidade, no reconhecido direito de exercer uma política administrativa conduzente às justas exigências do interesse público que lhe cabe assegurar.

De outro lado, os precedentes judiciários relativos à questão do horário de bancos não tem a mínima ressonância na hipótese; nesse capítulo, soube, também, a impetrada, no item 4 de sua contraminuta (fls. 61) focar com nítida juridicidade, a desvalia do argumento.

(...)"

No mesmo sentido, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.691-2.

Portanto, a legislação federal cuida apenas do aspecto trabalhista da questão.

A matéria, aliás, foi devidamente examinada em recente jul (20/08/2009) do Superior Tribunal de Justiça, do qual foi extraído o trecho a seguir transcrito do voto do Ministro Benedito Gonçalves:

"Inicialmente, colha-se, por fundamental, o seguinte excerto do voto condutor da apelação, in verbis (fls. 159-161):

Sem razão, contudo, o apelante.

Com efeito, o Decreto Municipal n° 3.069/96, que dispõe sobre o horário de funcionamento de shoppings centers, estabelece:

Art. 1°. Os Shoppings Center instalados no Município terão os seguintes horários de funcionamento:

De Segunda-Feira a Sábado, das 9:00 às 22:00 horas;

Aos Domingos e Feriados, das 10:00 às 20:00 horas."

Da mera leitura do indigitado dispositivo, verifica-se que o mesmo apenas regulamenta o horário de funcionamento dos estabelecimentos, ou seja, de abertura e fechamento de todo o complexo comercial, não dispondo em momento algum acerca da jornada de trabalho dos empregados.

Ora, ao contrário do que afirma o apelante, o decreto não prevê regras de regulamentação do trabalho, violando os artigos 69 e 70 da CLT, mas somente determina o período em que os shoppings do município deverão permanecer abertos ao público.

Como é cedido, a elaboração da jornada laboral dos empregados, com a fixação dos dias e horários a serem trabalhados nos estabelecimentos, é de atribuição dos respectivos empregadores, observando-se sempre as disposições da CLT e das demais normas trabalhistas.

Nesse sentido, bem andou o magistrado a quo ao afirmar:

(...) não há qualquer ofensa á CLT porque a jornada de trabalho dos empregados deve ser estabelecida pelo próprio empregador, de forma a obedecer a legislação pertinente, bem como a Constituição Federal.

Assim, compete a cada um dos empregadores estabelecer trabalhos em turnos de revezamento ou mesmo indenizar os funcionários corretamente, matéria estranha ao objetivo da norma editada.

Deste modo, revela-se descabida a tese suscitada pela apelante, no sentido de que o Decreto Municipal n° 3.069/96 contraria a legislação trabalhista, bem como a Constituição Federal, por aumentar a jornada de trabalho dos empregados. A bem da verdade, o Município de Assis apenas exerceu, nos estritos limites constitucionais, sua competência para regular o horário de funcionamento dos shoppings centers, observando aspectos como zoneamento, sossego, horário e adequação, nos termos do artigo 30, inciso I, da Carta Magna.

No mesmo diapasão, o Supremo Tribunal Federal, considerando o interesse de caráter local da matéria, já se posicionou favoravelmente à possibilidade dos municípios regularem o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, nos moldes da Súmula 645:

Súmula 645:

É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

Note-se que a municipalidade somente fixou os horários de funcionamentos dos shoppings centers, na esfera de sua competência, com o escopo de melhor atender ao interesse público e às necessidades da população, atentando-se a todos os requisitos de validade do ato administrativo.

[...]

Desta feita, não há falar em ilegalidade do decreto em comento, expedido nos ditames da legislação em vigor.

Verifica-se, da leitura do trecho acima, que a Corte estadual, ao contrário do alegado, deu correta interpretação aos arts 69 e 70 da legislação trabalhista, não merecendo reforma o julgado quanto ao ponto.

Ademais, não há falar em incompetência do município para legislar sobre a matéria, tendo em vista que a Súmula 419 da Corte Suprema estabelece que "os municípios têm competência para regular os horários de comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas".

Assim, diante desse quadro, embora a legislação federal não tenha feito qualquer distinção a respeito do ramo de atividade, parece-me que não cabe aqui definir o alcance da expressão comércio em geral na Lei n° 101/2000, devendo a controvérsia ser analisada à luz da legislação municipal.

Pois bem, conforme ensina Carlos Maximiliano, o juiz deve atribuir aos vocábulos o sentido resultante da linguagem vulgar, "porque se presume haver o legislador, ou escritor, usado expressões comuns", salvo quando se tratar de termos jurídicos.1

Parece-me, portanto, que a expressão comércio em geral foi empregada na legislação municipal no seu sentido comum, sem abranger bares, restaurantes e similares, reforçando tal convicção, além do próprio projeto de lei em exame, o fato de que existem leis específicas disciplinando o funcionamento de tais estabelecimentos.

Com efeito, a Lei n° 12.879/99 dispõe sobre o horário de funcionamento dos bares na cidade de São Paulo, enquanto a Lei n° 13.772/042 cuida dos restaurantes, lanchonetes, chopperias, churrascarias e pizzarias, sendo que, em ambos os casos, não há qualquer restrição acerca dos dias em que as atividades podem ser desenvolvidas, tampouco exigência de autorização especial para funcionamento aos domingos e feriados.

No entanto, se entrar em vigor o texto em exame, os bares e restaurantes também deverão se submeter à exigência de prévia autorização para o funcionamento aos domingos e feriados.

Vale lembrar, a propósito, que a Lei n° 13.473, de 26 de dezembro de 2002 foi promulgada pelo presidente da Câmara, pois o então prefeito em exercício vetou o texto aprovado, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.

De fato, entendeu o senhor prefeito em exercício, na ocasião, que o texto, por dispor sobre autorização a ser concedida pelo Executivo, estaria interferindo no serviço público, matéria de iniciativa privativa do prefeito (art. 37, § 2°, IV, da LOM), violando, assim, o princípio da harmonia e independência dos poderes. Ocorre que, em razão do advento da Emenda n° 28/06, a matéria deixou de ser de iniciativa privativa do chefe do Executivo.

Por outro lado, entendeu o senhor prefeito em exercício que a matéria já estava suficientemente disciplinada pela Lei Federal n° 10.101/00 e pelo Decreto Municipal 37.271/97, bem como que o exame dos requerimentos provocaria sobrecarga nos órgãos públicos, além do fato de que a proteção aos trabalhadores é atribuição dos órgãos federais e estaduais (v. Ementa n° 10.665).

Tendo em vista, porém, que a Lei n° 13.473/02 foi regulamentada pelo Decreto n° 45.750/05, que, por sua vez, foi recentemente alterado pelo Decreto n° 49.984/08, bem como que a Lei n° 14.776/08 foi promulgada pelo chefe do Executivo, parece-me que foram considerados superados eventuais vícios, cabendo ao senhor Prefeito, assim, examinar a oportunidade e conveniência da proposta ora em exame, tendo em vista que, por sua própria natureza, bares e restaurantes costumam funcionar aos domingos e feriados, já que tais estabelecimentos são voltados também ao lazer das pessoas, não cabendo ao município, ademais, fiscalizar relações de trabalho.

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São Paulo, 17/12/2009.

RICARDO GAUCHE DE MATOS

PROCURADOR ASSESSOR-AJC

OAB/SP 89.438

PGM

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De acordo.

SÃO PAULO, 17/12/2009.

LILIANA DE ALMEIDA F. DA S. MARÇAL

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE-SUBSTITUTA

OAB/SP 94.147

PGM

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1 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9° edição. rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 89.
2 Note-se que a lei é posterior à Lei n° 13.473/02.

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Memorando n° 885/2009-ATL III (TID 5191072)

INTERESSADO: SGM/ATL

ASSUNTO: Projeto de lei n° 577/09

Cont. da Informação n° 2.339/09-PGM.AJC

SECRETARIA DOS NEGOCIOS JURÍDICOS

Senhor Secretário

Encaminho o presente a Vossa Excelência, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho.

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São Paulo, 17/12/2009

CELSO AUGUSTO COCCARO FILHO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 98.071

PGM

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Memo n° 885/2009 - ATLIII (TID5191072)

INTERESSADO: Câmara Municipal de São Paulo.

ASSUNTO:  Substitutivo apresentado pela Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa referente ao PL n° 577/99.

Informação n.° 3944/2009-SNJ.G.

SGM/ATL

Senhora Assessora Especial

Restituímos o presente com a manifestação exarada pela Procuradoria Geral do Município, juntada às fls. 44/55, em atendimento à solicitação inicial.

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São Paulo, 22/12/2009.

ANTONIO CLARET MACIEL DOS SANTOS

Secretário Adjunto

SNJ

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo