CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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Razões do Veto (LEI Nº 17.481 de 30 de Setembro de 2020)

RAZÕES DE VETO

Projeto de Lei nº 539/19

Ofício ATL SEI nº 033657712

Ref.: Ofício SGP-23 nº 00915/2020

Senhor Presidente

Por meio do ofício em referência, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia do Projeto de Lei nº 539/19, de autoria dos Vereadores Eduardo Tuma, André Santos, Caio Miranda Carneiro, Edir Sales, Fernando Holiday, Janaína Lima, Quito Formiga, Rodrigo Goulart e Zé Turim, aprovado em sessão de 8 de setembro de do corrente ano, que objetiva dispor sobre a instituição da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, o estabelecimento de garantias de livre mercado, a análise de impacto regulatório e outras providências correlatas.

Contudo, embora reconhecendo o nobre intento de buscar aumentar a produtividade das empresas e seus colaboradores, diminuir a burocracia e dar celeridade operacional, tirando entraves que tanto atrapalham o cidadão e incentivar o ambiente de negócios paulistano, o fato é que, na conformidade das razões a seguir explicitadas, vejo-me compelido a não acolher integralmente a medida aprovada, pelo que lhe oponho veto parcial que atinge o inteiro teor de seus artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 13, 14, 15 e 16 e 19, nos termos do § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Com efeito, por primeiro, cumpre destacar que o contido nos artigos 2º, 3º, 4º, 8º, 9º e 10 aborda matéria relativa a licenciamento de atividades, de competência da Coordenadoria de Atividade Especial e Segurança de Uso – SEGUR, Secretaria Municipal de Licenciamento - SEGUR/SEL, conforme previsto nos artigos 14, 15 e 20 do Decreto nº 49.969, de 28 de agosto e 2008, e alterações posteriores, que regulamenta a expedição de Auto de Licença de Funcionamento, Alvará de Funcionamento, Alvará de Autorização para eventos públicos e temporários e Termo de Consulta de Funcionamento.

Alterações nos procedimentos administrativos para o licenciamento de atividades constam do artigo 2º da proposta, em que se determina que “para fins de licenciamento de atividades no Município de São Paulo, ficam estabelecidas regras que visem a maior celeridade nos procedimentos, com incentivo das ações declaratórias, exaltando o princípio da boa-fé dos requerentes”. Os §§ 1º e 2º desse artigo disciplinam, respectivamente, a emissão de comunicado ("comunique-se"), encaminhamento da “chamada para atendimento do comunicado”.

Essa modificação, provavelmente proposta com o intuito de facilitar as atividades exercidas pelos interessados, altera parcialmente o artigo 16 do citado Decreto nº 49.969, de 2008, basicamente ampliando prazos para atendimento de comunicados, consoante reza o § 2º do referido artigo, em especial, para os casos de “Alvará de Autorização para eventos públicos e temporários”, que passaria de 5 (cinco) para 30 (dias), além de substituir o texto do § 1º “transmitida por ‘fax’ ou mensagem eletrônica” por “transmitida com prioridade por mensagem eletrônica”.

De outra parte, a propositura, em seu artigo 3º, visa autorizar o início da atividade pretendida no caso de “decorridos 15 (quinze) dias contados da data do protocolo do pedido do Alvará caso o processo não tenha sido indeferido ou comunicado”, ressaltando que será “de inteira responsabilidade do proprietário ou possuidor e profissionais envolvidos a adequação da obra às posturas municipais”.

Ora, a flexibilização pretendida no licenciamento de algumas atividades conflita com o disposto no artigo 136 da Lei nº 16.402, de 22 de março de 2016, disciplina o parcelamento, o uso e a ocupação do solo no Município de São Paulo, de acordo com a Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 – Plano Diretor Estratégico (PDE) e no artigo 2º do mencionado Decreto nº 49.969/2008: “nenhuma atividade não residencial - nR poderá ser instalada sem a prévia emissão, pela Prefeitura, da licença correspondente, sem a qual será considerada em situação irregular”.

Nesse passo, é de se ressaltar que o § 1º do indigitado artigo 136 dispõe que “a licença a que se refere o ‘caput’ deste artigo deverá ser emitida preferentemente de modo eletrônico pelo sítio da Prefeitura na internet”.

Vale lembrar que a instalação de uma atividade no Município envolve diferentes aspectos e uma série de providências a serem tomadas previamente, dependendo do tipo de atividade e do imóvel em questão, não bastando o uso ser permitido no local, conquanto eventualmente podem ser necessárias obras de adequação que também demandam licenças.

A limitação da emissão de licenças “automáticas”, em alguns casos, visa preservar, entre outros, o patrimônio histórico e ambiental, além de garantir que a edificação esteja em situação regular e atenda a normas de segurança e acessibilidade, bem como condições de higiene habitabilidade, conforme se verifica nas disposições, por exemplo, dos artigos 25, 26 e 39, também do Decreto nº 49.969/2008, que exigem que a edificação onde será instalada a atividade esteja em situação regular, além do atendimento aos parâmetros de incomodidade e condições de instalação, a demonstração do atendimento às condições de segurança da edificação e a apresentação do Certificado de Acessibilidade ou outro documento comprobatório da acessibilidade do imóvel às pessoas com deficiência.

A seu turno, preconiza o artigo 4º da propositura “os procedimentos de licenciamento serão prioritariamente declaratórios, sendo que os órgãos municipais competentes pela análise do pedido somente poderão vistoriar o imóvel se ainda restarem dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos para a expedição da licença que não tenham sido dirimidas pelo atendimento do comunicado”. O artigo 10, de igual modo, aborda a questão do “licenciamento declaratório exclusivamente por meio digital”.

Enfim, em relação aos procedimentos declaratórios e ao licenciamento digital, que visam conferir agilidade e celeridade aos processos de licenciamento de atividades ou edilício, já fazem parte dos procedimentos previstos na legislação recentemente editada, como, por exemplo, o Código de Obras e Edificações – COE, Lei nº 16.642, de 9 de maior de 2017, cuja elaboração teve por objetivo a simplificação da legislação e dos procedimentos de licenciamento das edificações, tendo como diretriz a responsabilização dos profissionais habilitados.

As dificuldades ou limitações impostas pela legislação ou pelo desenvolvimento da tecnologia digital no Município vêm sendo superadas, como se verifica pela implantação dos diferentes sistemas de licenciamento, como o Sistema Eletrônico de Licenciamento de Construção – SLCe e Sistema Eletrônico de Informações (SEI), ambos correspondendo a sistemas de gestão de processos e documentos eletrônicos, utilizados por todos os órgãos da administração, com interface direta com o munícipe. Acredita-se que em curto prazo todos os procedimentos de licenciamento serão digitais.

No que se refere às vistorias nos imóveis, previamente à emissão de licenças, tratada nos artigos 4º e 9º da proposta em análise, está prevista no § 3º do artigo 16 do Decreto nº 49.996/2008 e determina que “os órgãos municipais competentes pela análise do pedido somente poderão vistoriar o imóvel se ainda restarem dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos para a expedição da licença que não tenham sido dirimidas pelo atendimento do comunicado”.

Já o artigo 8º do projeto de lei intenta alterar tanto o enquadramento de atividades, como procedimentos de licenciamento ao determinar que “as atividades colaborativas como coworking, incubadoras, coliving, colab, fablab e as que forem assim definidas, serão licenciadas como nR2 e terão apenas uma licença única para exercer a atividade, não sendo necessárias licenças individuais das empresas ali instaladas”. Todavia, o artigo 32 do Decreto nº 49.969/2008 já disciplina a matéria, autorizando o licenciamento de duas ou mais atividades em uma mesma edificação, sem prejuízo das demais condições nele estabelecidas, impondo, no entanto, as condições constantes de seus incisos I a V e parágrafos. Ainda, os artigos 33 e 34 dessa regulamentação cuidam, respectivamente, do licenciamento de atividades secundárias ou complementares e das atividades em condomínio.

No que respeita ao artigo 9º da mensagem vinda à sanção, propõe-se que “as atividades de produção e distribuição cultural que não envolvam locais de reunião, tais como teatros e cinemas, poderão ser licenciadas sem vistoria dos órgãos municipais e por procedimento declaratório digital, desde que não envolvam risco para si e para a vizinhança, bem assim que respeitem os limites sonoros e os parâmetros de incomodidade”.

Já se apontou acima sobre as vistorias e, nessa linha, o dispositivo em foco apresenta-se por demais vago quanto à discriminação das atividades envolvidas e também quanto aos parâmetros a serem observados, principalmente, na hipótese, cuidando-se de um procedimento declaratório.

Cabe ressaltar que as propostas apresentadas no presente projeto de lei visam alterar, principalmente, normas relativas à Legislação de Uso e Ocupação do Solo e Licenciamento de Atividades, basicamente disciplinadas pela Lei nº 16.402/2016 (LPUOS) e pelo Decreto nº 49.969/2008, entre outras normas posteriores que as alteram e regulamentam, não apontando, no entanto, quais os dispositivos que pretendem modificar, o que pode dificultar o entendimento e aplicação das disposições ali contidas, podendo, ainda, gerar conflitos, contradições e prejuízos, considerando, principalmente, que se propugna alterar o enquadramento de atividades e a forma como deverão ser licenciadas, matéria de competência de Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e da Secretaria Municipal das Subprefeituras.

As alterações propostas, no âmbito da legislação urbanística, merecem uma análise mais aprofundada quanto aos impactos que podem vir a causar sobre o ordenamento da cidade, estabelecido pelo Plano Diretor Estratégico, Lei nº 16.050, de 2014, e pela Lei de Parcelamento Uso e Ocupação do Solo – LPUOS, Lei nº 16.402, de 2016, que envolveram exaustivos estudos e ampla consulta aos órgãos técnicos e à sociedade civil.

No que pertine ao artigo 10, é de se observar que a redação do dispositivo em relevo cria um regramento mais restritivo do que o atualmente vigente, uma vez que, hoje, tanto empresas financeiras quanto estúdios fotográficos e de filmagens, já são atividades enquadradas como nR1-6, independentemente da área construída, daí a desnecessidade de nova regulamentação a seu respeito.

Como se verifica, mormente em face do contido no 16 da proposta apresentada, o texto ora aprovado interfere diretamente em procedimentos da Administração Municipal e, pois, em matéria privativa do Executivo, pelo que se mostra de todo conveniente a promoção de estudos que evidenciem os impactos a serem gerados, principalmente no que se refere à necessidade de eventual reorganização dos órgãos municipais para o atendimento do contido na nova norma.

O artigo 13 da propositura impõe ao fornecedor, no âmbito de relações de consumo inseridas em “contratos de serviço público, educacional e de plano e seguro privado de assistência à saúde”, a manutenção a disponibilização permanente de “serviço de atendimento ao consumidor para fim de mediação”.

Duas são as razões que afastam a sua juridicidade.

De um lado, vislumbra-se usurpação de competência da União para legislar sobre norma geral em matéria de direito do consumidor, consoante preconizado no artigo 24, inciso VIII, da Constituição Federal. Realmente, o regramento analisado, que impõe a determinadas categorias de fornecedores a implementação de um serviço de atendimento ao consumidor “para fim de mediação”, detém a estatura de prescrição geral, não se compatibilizando com o interesse local que legitima a competência legislativa municipal. Tanto assim que a imposição dos serviços de atendimento ao consumidor (SAC) fora disciplinada pelo Decreto federal 6.523/2008, o qual regulamentou o Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal 8.078/1990), diploma normativo com natureza de norma geral.

De outro lado, não parece adequada, tal como disciplinada na propositura, a utilização da mediação como instrumento de resolução de controvérsias. De fato, ela “é uma forma de solução de conflitos por meio da qual uma pessoa imparcial e sem poder decisório - o mediador - atua junto às partes auxiliando-as a identificar as causas do conflito e restabelecer um diálogo respeitoso voltado à tentativa de negociação a fim de que as próprias partes cheguem a uma solução/acordo para o seu caso.” Ora, considerando que a mediação estaria inserida em serviço de atendimento ao consumidor implantado pelo próprio fornecedor, o respectivo mediador, figura necessária do mecanismo de solução consensual, assume a potencial aptidão de estar ligado aos interesses da organização empresarial. Como se vê, faltaria-lhe a necessária imparcialidade que caracteriza a mediação, na forma prevista na Lei Federal nº 13.140, de 2015.

O artigo 14 estipula hipótese de prática abusiva relacionada à ausência de mecanismo de mediação.

De igual modo, duas são as incongruências identificadas. A utilização inadequada da mediação, conforme ponderado na análise do artigo 13, contamina todo o dispositivo. Além disso, lei municipal não pode instituir prática abusiva desvinculada das normas gerais contidas no Código de Defesa do Consumidor, que não prevê ilicitude parelha.

O artigo 15 dispõe que, “na hipótese de inobservância do disposto na nova lei, aplica-se o disposto na Lei nº 17.901, de 4 de junho de 2019.

O alcance do dispositivo mostra-se nebuloso. Uma forma de interpretá-lo seria a de que o desatendimento dos preceitos de toda a lei faz incidir a Lei municipal nº 17.901/2019 (Código Municipal de Defesa do Consumidor). No entanto, tal interpretação esbarra no fato de que nem todos os preceitos do projeto de lei versam sobre relação de consumo, o que não justificaria a aplicação in totum do código consumerista municipal. Por outro lado, caso aplicável somente sobre os preceitos que veiculam regime de tutela do consumidor (artigos 13 e 14), a mácula destes (cf. apontado acima) contamina o art. 15.

À luz das considerações tecidas, as prescrições contidas nos artigos 13, 14 e 15 não têm condições de prosperar.

Com relação ao previsto no artigo 16, ante toda a argumentação de mérito até aqui expendida, fica prejudicado, por arrastamento, o disposto no artigo do projeto de lei em referência, segundo o qual, para solucionar dúvidas de divergências desta lei com outras materialmente semelhantes, será usado o critério em favor do contribuinte, e não o mais restritivo e, de sobreposição desta lei sobre outras, excluindo-se os casos de legislação específica.

Por fim, quanto ao artigo 19, o veto é necessário para que se preserve o disposto no § 2º do artigo 2º da Lei nº 17.403, de 17 de julho de 2020, que trata de medidas a serem adotadas durante o período de vigência da situação de emergência em razão do novo coronavírus, o qual preconiza que, nas transações tributárias a que se refere o caput deste artigo e a Lei nº 17.324, de 2020, com causas de valor até 20 (vinte) salários mínimos federais, as partes comparecerão para realizar a transação, podendo ser assistidas por advogados, sendo que, nas causas de valor superior, a assistência é obrigatória. Portanto, não sendo ainda conveniente a redução do limite, de 20 (vinte) para 10 (dez) salários mínimos, para que haja a obrigatoriedade de assistência por advogado, melhor manter, ainda, a regra atualmente vigente (20 salários mínimos).

Nessas condições, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.§ 2º Nas transações tributárias de que trata o caput deste artigo e a Lei nº 17.324, de 2020, com causas de valor até 20 (vinte) salários mínimos federais, as partes comparecerão para realizar a transação, podendo ser assistidas por advogados; nas causas de valor superior, a assistência é obrigatória.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

BRUNO COVAS, Prefeito

Ao Excelentíssimo Senhor

EDUARDO TUMA

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo