Regulamenta a Lei nº 12.316, de 16 de abril de 1997, que dispõe sobre a obrigatoriedade do Poder Público Municipal a prestar atendimento à população de rua da Cidade de São Paulo, e dá outras providências.
DECRETO Nº 40.232, DE 2 DE JANEIRO DE 2001
Regulamenta a Lei nº 12.316, de 16 de abril de 1997, que dispõe sobre a obrigatoriedade do Poder Público Municipal a prestar atendimento à população de rua da Cidade de São Paulo, e dá outras providências.
MARTA SUPLICY, Prefeita do Município, usando das atribuições que lhe são conferidas por lei, e
CONSIDERANDO o disposto nos artigos 203 e 204 da Constituição Federal;
CONSIDERANDO que, de acordo com o artigo 221 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, é dever do Município a promoção e assistência social, visando garantir o atendimento dos direitos sociais da população de baixa renda, buscando assegurar, dentre outros fins, a prioridade no atendimento à população em estado de abandono e marginalidade na sociedade;
CONSIDERANDO os ditames da Lei Orgânica da Assistência Social;
CONSIDERANDO o disposto na Lei Municipal n.º 12.316, e 16 de abril de 1997, que instituiu a Política Municipal de Atendimento à População de Rua na Cidade de São Paulo, e, finalmente,
CONSIDERANDO que cabe ao Poder Público, ao oferecer serviços e programas de atenção à população de rua, garantir padrões éticos de dignidade e não-violência na concretização dos direitos sociais e de cidadania desse segmento social,
DECRETA:
Art. 1º- O Poder Executivo implantará, no Município de São Paulo, o Programa de Atenção à População de Rua, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Assistência Social.
§ 1º - Compete ao Secretário Municipal de Assistência Social, através de sua Pasta, organizar e coordenar a ação de todos os órgãos municipais afetos à questão, em especial das Secretarias de Implementação das Subprefeituras, Abastecimento, Saúde, Planejamento Urbano, Habitação e Desenvolvimento Urbano, Trabalho, Verde e Meio Ambiente, Educação, Cultura, Esportes Lazer e Recreação, Finanças e Desenvolvimento Econômico e da Guarda Civil de São Paulo, cujos titulares designarão os respectivos representantes.
§ 2º - A ação municipal referida no parágrafo anterior terá caráter interdisciplinar e intersetorial, de modo a garantir a unidade de atuação dos vários órgãos municipais envolvidos com a política de atenção à população de rua.
§ 3º - Compete à Secretaria Municipal de Assistência Social, por seu titular, estabelecer a prioridade das demandas, devendo, para tanto, manter cadastro atualizado dos pólos de concentração da população de rua, adulta e infanto-juvenil, levando em conta os vários distritos da Cidade.
Art. 2º- A atenção de que trata o artigo 1º consistirá na efetiva instalação e manutenção, com padrão de qualidade, de uma rede de serviços e programas de caráter público, voltados para a população de rua.
§ 1º - A população referida neste artigo inclui homens, mulheres e crianças acompanhadas de suas famílias ou de seus responsáveis legais.
§ 2º - Os serviços e programas incluirão desde ações emergenciais até atenções de caráter promocional em regime permanente, garantindo-se necessariamente à população de rua:
a) oferta de serviços que estimulem a saída de crianças, jovens e adultos das ruas, sem coerção, agressão, maus tratos e destruição de pertences;
b) garantia de acolhida em espaços que tratem dignamente homens, mulheres e crianças;
c) oferta de instalações físicas com condições de salubridade, segurança e grau de privacidade compatível com um processo de contínua recuperação e reinserção social;
d) acesso a serviços de saúde sem discriminação e com provisão de condições de recuperação em situações de agravamento;
e) alimentação com adequado padrão de nutrição e dignidade no uso de utensílios, descartáveis inclusive;
f) manutenção de higiene nos locais de atendimento;
g) provisão de local para guarda de pertences da população, sem discriminação;
h) extensão da atenção à população de rua para além de abrigos e albergues, incluindo programas que afiancem autonomia pela oferta de condições de trabalho e moradia;
i) respeito às características de gênero e das faixas etárias.
Art. 3º - Os serviços e programas direcionados à população de rua, de que trata a Lei n.º 12.316/97, serão operacionalizados pela Prefeitura do Município de São Paulo, ou por contratos e convênios de prestação de serviços com associações civis de assistência social, devidamente registradas no Conselho Municipal da Assistência Social.
§ 1º - O convênio entre associações civis de assistência social sem fins lucrativos e a rede governamental tem como característica a complementariedade na prestação de serviços à população de rua e o caráter público do atendimento.
§ 2º - O funcionamento dos serviços e programas, em múltiplas formas de parceria entre o Poder Público Municipal e as associações civis sem fins lucrativos, terão regime de responsabilidade solidária, possibilitando o uso de áreas, equipamentos, instalações, serviços e pessoal em forma complementar para melhor efetivar a política de atenção à população de rua.
Art. 4º - A atenção à população de rua deve observar os seguintes princípios:
I - o respeito e a garantia à dignidade de todo e qualquer ser humano, sujeito de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais garantidos na Constituição, na Lei Orgânica do Município e legislação infra-constitucional;
II - o direito da pessoa a um espaço digno para estar, pernoitar e se referir na Cidade, assegurado, minimamente, o direito à privacidade como condição inerente à sua sobrevivência, existência e cidadania;
III - a garantia de supressão de todo e qualquer ato violento, bem com de comprovação vexatória de necessidade, assim entendido, dentre outros, a declaração de pobreza;
IV - a não discriminação, por motivos de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade e quaisquer outros, no acesso aos bens e serviços públicos municipais, principalmente os referentes à saúde, não sendo permitido tratamento degradante, vexatório ou humilhante;
V -a subordinação da dinâmica do serviço à garantia da unidade familiar, sendo vedada a desintegração da família para fins de atendimento;
VI - o direito do cidadão de restabelecer sua dignidade, autonomia, bem como sua convivência comunitária, relacionando-se harmoniosamente com os demais cidadãos;
VII - o exercício do direito de participação da população, por meio de organizações representativas, na proposição e no controle das ações que lhes dizem respeito.
Art. 5º - A política de atendimento à população de rua compreende a implantação e manutenção pelo Poder Público Municipal, nos distritos da Cidade, dos seguintes serviços e programas, com os respectivos padrões de qualidade:
I - Abrigos Emergenciais: constituídos por instalações físicas adequadas mantidos por SAS, diretamente ou em parceria com organizações sociais, equipados com recursos humanos e materiais necessários para acolhida e pernoite, no período de inverno, da população de rua, fornecendo condições de higiene pessoal, alimentação, vestuário, guarda de volumes, trabalho sócio-educativo e acesso aos serviços de referência na Cidade;
II - Albergues/Abrigos Especiais: constituídos por instalações físicas adequadas, equipados com recursos humanos e materiais necessários à acolhida e alojamento de até 100 (cem) pessoas por unidade, operacionalizados diretamente ou em parceria com organizações sociais, com funcionamento permanente, fornecendo condições de pernoite, higiene pessoal, lavagem e secagem de roupas, alimentação, guarda-volumes, trabalho sócio-educativo e serviços de documentação e referência na Cidade, destinados a:
a) pessoas em tratamento de saúde;
b) imigrantes recém-chegados;
c) pessoas em situação de despejo ou em dasabrigo emergencial;
d) mulheres vítimas de violência;
e) mulheres com crianças.
III - Centros de Serviços: constituídos por instalações físicas operadas pela SAS com auxílio da Secretaria Municipal de Saúde, com funcionamento diário, operacionalizados diretamente ou em parceria com organizações sociais, com oferta de locais equipados com recursos humanos e materiais para oferecer, à população de rua, durante o dia, alimentação, condições de higiene pessoal, lavagem e secagem de roupas, guarda de pertences e serviços de referência na cidade;
IV - Restaurantes Comunitários: serviço coordenado pela SAS, envolvendo a participação de SEMAB, operado diretamente ou em parceria com organizações afins, com provisão de instalações situadas em locais centrais para oferta diária de alimentos à população, garantindo padrões nutricionais adequados, por valor que não exceda o preço de custo de cada refeição;
V - Casas de Convivência: operadas diretamente ou em parceria com organizações sociais e empresas, com oferta de espaços dotados de recursos humanos e materiais para promoção de trabalho sócio-educativo em regime de atendimento diário, desenvolvendo atividades de convivência, socialização e organização grupal, atividades ocupacionais, educacionais, culturais e de lazer, assim como oferecendo condições de higiene pessoal, lavagem e secagem de roupas, alimentação, guarda de volumes, serviços de documentação e referência na cidade;
VI - Moradias Provisórias: serviço realizado em conjunto por SEHAB e SAS, operado diretamente ou em parceria com organizações sociais e empresas, com provisão de instalações, próprias ou locadas, com capacidade de uso temporário por até 15 pessoas moradoras de rua e em processo de reinserção social, funcionando em regime de co-gestão. O acesso à moradia provisória estará subordinado a avaliação sócio-educativa do estágio de reinserção social do interessado, realizada pelos albergues e casas de convivência da rede. Manutenção através de contrato de vagas em pensões e congeneres por tempo determinado. A operacionalização desses serviços envolverá responsabilidades compartilhadas, assim discriminadas: ao Poder Público caberá prover e manter as instalações físicas, envolvendo adaptações, reformas e pagamento de tarifas públicas, bem como estabelecer parceria para pagamento de pessoal; às organizações sociais e empresas caberá garantir padrões adequados de qualidade do atendimento bem como participar da gestão compartilhada.
VII - Soluções Habitacionais Definitivas: sob responsabilidade da SEHAB, com oferta de alternativas habitacionais que atendam pessoas em processo de reinserção social e incluam auxílio moradia, locação social e financiamento de construções em regime de mutirão. A provisão desse serviço levará em conta as necessidades e características diferenciadas da população a ser atendida, observando-se, nos casos de idosos e pessoas portadoras de deficiência, o disposto na legislação pertinente;
VIII - Oficinas, Cooperativas de Trabalho e Comunidades Produtivas: consistentes na provisão de programas com a área municipal gestora da economia social que, juntamente com SAS, ofertarão instalações preparadas com equipamentos, recursos humanos e materiais para resgate da cidadania através dos direitos básicos de trabalho e capacitação profissional; encaminhamento a empregos, formação de associações e cooperativas de produção e geração de renda e manutenção de projetos agrícolas de desenvolvimento auto-sustentado, que promovam a autonomia e a reinserção social da população de rua;
IX - Programas Integrados e Projetos Sociais: consistentes na implantação e manutenção de programas assistenciais e preventivos realizados nas ruas, por educadores capacitados, com pedagogia própria aplicável ao trabalho com este segmento da sociedade. O programa contará com a cooperação da Guarda Civil de São Paulo e a ação de voluntários e de organizações sociais.
Parágrafo único - O Poder Público oferecerá respostas específicas para os diferentes tipos de demanda mencionados no inciso II deste artigo, de acordo com as necessidades apresentadas.
Art. 6º - Os padrões de qualidade dos serviços previstos neste decreto serão controlados pelo Poder Público, em conjunto com o Conselho de Gestão da Política de Atendimento à População de Rua e deverão garantir:
I - inclusão dos abrigados/albergados em frentes de trabalho e operação do próprio abrigo;
II - horários flexíveis de entrada e saída dos serviços, de acordo com as necessidades dos abrigados/albergados;
III - manutenção de atividades sócio-educativas com técnicas estimuladoras à reinserção social;
IV - instalação de rede informatizada entre os abrigos e albergues com controle de vagas, perfil dos abrigados, encaminhamentos, soluções, medidas e providências adotadas;
V- manutenção de um educador para cada grupo de trinta pessoas, com contribuição e orientação de equipe multidisciplinar;
VI - os serviços e programas para a população de rua contarão com materiais e apoio logístico para manter endereço postal comunitário, serviço de correspondência, telefones públicos, mural informativo de outros serviços públicos na Cidade, como hospitais e postos de obtenção de documentos;
VII - o padrão nutricional adequado compreende alimentação de boa qualidade, de modo a atender às necessidades calóricas de cada morador, sob supervisão de nutricionistas. Devem ser servidas com cordialidade, utilizando-se pratos e talheres;
VIII - o padrão de higiene adequado compreende o armazenamento com segurança de produtos de limpeza e remédios; o acondicionamento de alimentos em lugares apropriados à sua conservação para posterior consumo; o uso de roupas limpas de cama (dois lençóis, cobertor e fronha), toalhas de banho e travesseiros individualizados e lavados no mínimo semanalmente; chuveiros com água quente e um vaso sanitário para cada grupo de quinze pessoas; espaço para lavar e passar roupas de uso pessoal; disponibilização de uso de máquinas de lavar e secar roupas e equipamento para conserto de roupas; serviço de corte de cabelo e disponibilização de objetos de higiene pessoal;
IX - o espaço físico e as acomodações para a população de rua deverão: ser seguros, limpos, confortáveis e arejados, com janelas e iluminação adequadas; não servir de passagem para outros dormitórios; dispor de camas ou beliches com colchões de densidade adequada para crianças e adultos; garantir a privacidade das pessoas, abrigando no máximo vinte pessoas por dormitório, com espaços demarcados por divisórias, com espaçamento de pelo menos um metro entre as camas, que deverão ter largura mínima de 0,70 m, sendo vedado as cabeceiras das camas ficarem a menos de um metro de distância. As acomodações devem respeitar, em sua distribuição, o perfil dos segmentos da população de rua (mulheres, portadoras de necessidades especiais, famílias etc).
Art. 7º - A Secretaria Municipal de Assistência Social, órgão responsável pela coordenação da política de atenção à população de rua, deverá assegurar e estimular a criação e manutenção de Conselho de representantes da rede, garantindo a gestão participativa nos programas e serviços que interagem na atenção à população de rua da Cidade.
§ 1º - O Conselho terá caráter paritário e será composto por representantes de SAS, SEMAB, SEHAB, SMS, SVMA e Trabalho, do Legislativo Municipal, ligado à Comissão de Direitos Humanos, das associações que trabalham com a população e da própria população de rua, eleitos em foro próprio.(Revogado pelo Decreto n° 43.277/2003)
§ 2º - O Conselho de que trata este artigo contará com uma comissão executiva, que elaborará seu regimento interno para regulamentar suas rotinas e atribuições.
Art. 8º. - O Executivo deverá até o terceiro ano de gestão realizar o recenseamento da população de rua da Cidade.
§ 1º - Nos demais anos de gestão os censos anuais poderão usar metodologias alternativas de modo que, a cada ano, seja caracterizado um segmento específico como: população adulta de rua, população infanto-juvenil, população usuária de cada modalidade de serviços.
§ 2º - Os resultados do recenseamento quadrienal e dos censos anuais deverão ser publicados no Diário Oficial do Município, obedecido o critério territorial dos distritos administrativos.
§ 3º Na realização de censos de caráter qualitativo, deverão constar as classificações quanto à orientação sexual e à identidade de gênero, destinadas a subsidiar a elaboração de políticas públicas voltadas aos respectivos segmentos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.(Incluído pelo Decreto n° 55.874/2015)
Art. 9º - A Secretaria Municipal de Assistência Social será responsável pela promoção de ações destinadas à capacitação continuada dos agentes da política municipal de atendimento à população de rua, inclusive no que se refere ao seu preparo psicológico.
Art. 10 - As despesas com a execução deste decreto correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.
Art. 11- Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 2 de janeiro de 2001, 447º da fundação de São Paulo.
MARTA SUPLICY, PREFEITA
ANNA EMILIA CORDELLI ALVES, Secretária dos Negócios Jurídicos
JOÃO SAYAD, Secretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico
EVILÁSIO CAVALCANTE DE FARIAS, Secretário Municipal de Assistência Social
Publicado na Secretaria do Governo Municipal, em 2 de janeiro de 2001.
RUI GOETHE DA COSTA FALCÃO, Secretário do Governo Munic
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo