CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 798/1997; OFÍCIO DE 24 de Dezembro de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 798/97

OF ATL nº 804/03

Senhor Presidente

Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0758/2003, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 798/97, proposto pelo Vereador Gilson Barreto, que dispõe sobre a cobrança do estacionamento de veículos em locais que especifica.

Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das razões a seguir aduzidas.

A propositura, em resumo, estabelece a vedação da cobrança pelo serviço de estacionamento do veículo do paciente ou de seu acompanhante, no caso de hospitais, sejam públicos ou privados, e dos veículos dos usuários no caso de bancos, supermercados, mercados, shopping centers e similares, pelo prazo de até 3 (três) horas, sempre que forem utilizados serviços ou efetuadas compras nesses estabelecimentos.

Patente que a medida, ao tratar de estacionamento em hospitais públicos, legisla sobre o uso dos bens municipais, contrariando o disposto nos artigos 70, inciso VI, e 111 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelece a competência privativa do Prefeito para “administrar os bens municipais”.

Nesse sentido, a iniciativa da mensagem é privativa do Prefeito, a teor do disposto no artigo 37, § 2°, inciso IV, da Lei Maior local, caracterizando na hipótese vício de iniciativa, com ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

Por outro lado, a propositura dispõe sobre organização administrativa e serviços públicos com evidente interferência nas atividades e competências dos órgãos municipais, na medida em que lhes confere novas atribuições, a demandar a adoção de novos procedimentos e rotinas, com a necessidade de alocação, para tanto, de recursos humanos e materiais, impondo, por via de conseqüência, encargos geradores de despesas para o erário, o que é vedado ao Legislativo, por expressa disposição legal.

De fato, o texto aprovado contém disposições que irão implicar adoção de providências — assinale-se, de grande monta em face do universo de estabelecimentos comerciais alcançados — conducentes à ampliação das estruturas de fiscalização, comprometendo pessoal e recursos públicos.

Sem dúvida, as leis que tratam de organização administrativa, serviços públicos e atribuições de órgãos municipais são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, por força do disposto, respectivamente, no inciso IV do § 2° do artigo 37 e no inciso XVI do artigo 69, ambos da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Além disso, é mister ressaltar que a medida pressupõe a existência de verbas, importando aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, achando-se francamente em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 a 17.

A propósito, vale lembrar que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

“Desta forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5°, “caput”, da Constituição do Estado.

...........................................................................

A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado” (ADIN n° 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Neto, v.u., j. em 19.05.99; no mesmo sentido: ADIN n° 59.744.0/01 – Rel. Des. Mohamed Amaro, ADIN n° 11.676-0; Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN n° 11.803-0, Rel. Des. Yussef Cahali; ADIN n° 65.779-0/0, Rel. Des. Flávio Pinheiro).

Diante do exposto, o projeto aprovado extrapola as atribuições da Câmara e invade a esfera de competências específicas do Executivo, infringindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

A propositura é também inconstitucional por tratar de regulação da atividade econômica, matéria que não se insere na competência legislativa municipal, fixada pelo artigo 30 da Constituição Federal, esbarrando nos princípios fixados pelo artigo 170 da Lei Maior, especialmente os da livre iniciativa e livre concorrência.

Ademais, fere o comando contido no artigo 174 da Carta Magna, já que o Estado só pode exercer, como agente normativo e regulador da atividade econômica, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo essas funções meramente indicativas para o setor privado.

De fato, a matéria é fundamentalmente de interesse privado. Os artigos 22, inciso I, e 170, incisos II, IV e parágrafo único da Constituição Federal estabelecem a competência da União sobre o assunto de que se ocupa a propositura, bem como trazem princípios de obediência obrigatória pelos Municípios, verbis:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.”

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

...........................................................................

II. propriedade privada;

...........................................................................

IV. livre concorrência;

...........................................................................

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Vê-se, pois, que a propositura viola diretamente a Constituição Federal, na medida em que dispõe sobre matéria de competência de outro ente da Federação e interfere nos negócios da iniciativa privada, no direito de propriedade e no seu aproveitamento econômico.

Em razão dos sobreditos dispositivos constitucionais, o Município não pode determinar aos referidos estabelecimentos a gratuidade de uso de seus estacionamentos, cabendo-lhe apenas dispor sobre o assunto naquilo que se inserir no peculiar interesse local.

Nesse sentido, no uso de seu poder de polícia, compete ao Município legislar sobre matérias relativas a zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, sossego público, segurança e higiene dos estabelecimentos e edificações, sendo vedado à legislação municipal impor, nesse campo, condições alheias a sua esfera de atribuições.

Indiscutivelmente, a propositura exorbita a competência municipal, a qual se circunscreve às normas urbanísticas em geral e as referentes a uso e ocupação do solo, relacionadas à estabilidade, funcionalidade, segurança e salubridade das edificações, objetivando assegurar o equilíbrio e a harmonização entre o interesse geral e o direito individual de localização e exercício de atividades urbanas.

Pelo exposto, estou impedida de acolher o texto vindo à sanção, o que me compele a vetá-lo inteiramente, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Devolvo o assunto, pois, à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo