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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 727/2001; OFÍCIO DE 24 de Dezembro de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 727/01

OF ATL nº 803/03

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0763/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 27 de novembro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 727/01.

De autoria do Vereador Paulo Frange, o projeto cria o “Dia da Catraca Livre” para utilização, pelos munícipes, do transporte urbano coletivo, sem pagamento da tarifa, um domingo de cada mês e nas datas específicas dos feriados indicados em seu texto.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

Primeiramente, cabe observar que a isenção pretendida pela medida aprovada interfere claramente no custo do transporte e na fixação da tarifa, envolvendo, pois, questão que repercute em matéria orçamentária, ao mesmo tempo em que configura ingerência no serviço de transporte coletivo de passageiros, atualmente prestado sob regime de concessão e permissão de serviço público, matérias cuja iniciativa legislativa é exclusiva do Prefeito, conforme estabelecido no artigo 37, § 2º, inciso IV, e no artigo 69, inciso IX, ambos da Lei Orgânica do Município de São Paulo. Simultaneamente, a propositura incide em ilegalidade, haja vista que contraria o disposto no artigo 178 da Lei Maior Local, o qual determina que as tarifas dos serviços públicos de transporte são de competência exclusiva do Município e deverão ser fixadas pelo Executivo.

Desse modo, ao legislar sobre assuntos próprios da esfera privativa de competências do Poder Executivo, o texto vindo à sanção extrapola as atribuições do Legislativo, ferindo o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local.

A par do vício de iniciativa que a inquina de inconstitucionalidade, a medida reveste-se, ainda, de ilegalidade e de contrariedade ao interesse público.

Com efeito, a questão relativa às isenções e reduções tarifárias no sistema de transporte coletivo municipal acha-se devidamente disciplinada por lei específica, que confere ao assunto tratamento amplo e sistemático.

De fato, a Lei nº 13.241, de 12 de dezembro de 2001, que dispõe sobre a organização dos serviços do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros na Cidade de São Paulo e autoriza o Poder Público a delegar sua execução, estabelece, no § 4º de seu artigo 27, que “as dispensas ou reduções tarifárias de qualquer natureza, além daquelas já vigentes na data da promulgação desta lei, deverão dispor de fontes específicas de recursos”.

Assim, de acordo com a normatização vigente, a concessão de qualquer gratuidade ou desconto demanda, obrigatoriamente, o aporte adicional de recursos por parte da Administração Municipal ou o aumento da tarifa, a onerar o usuário pagante, a fim de atender à despesa resultante do benefício, em razão da atual fonte de receita do sistema, para a remuneração do operador, consistir na arrecadação tarifária.

A propósito, impende ressaltar que, atualmente, é concedido um desconto tarifário de R$ 0,40 (quarenta centavos) para os pagantes em pecúnia, em um domingo ou feriado de cada mês, o que acarreta a redução de receita tarifária em aproximadamente R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) por ano, calculada pela média registrada em catraca, aos domingos, de 1.250.000 (um milhão, duzentos e cinqüenta mil) passageiros, dos quais 60% (sessenta por cento) pagam a tarifa em dinheiro, conforme informações da Secretaria Municipal de Transportes.

Constata-se, portanto, que o texto aprovado visa ampliar benefício já existente, desconsiderando, por completo, a obrigatoriedade de aporte adicional de recursos estimados, no caso em exame, em cerca de R$ 17.400.000,00 (dezessete milhões e quatrocentos mil reais) por ano.

Acresça-se, ademais, que já são assegurados por lei diversos descontos e isenções aos estudantes, idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, policiais militares fardados, integrantes da Guarda Civil Metropolitana, das Forças Armadas, entregadores de correspondência do Correio e oficiais de justiça, estando, pois, contemplados no atual elenco de isenções ou reduções os interesses sociais mais relevantes.

Destarte, não há dúvida que a ampliação do universo de tais gratuidades concorrerá para o acréscimo de novos custos para o Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros, já bastante sobrecarregado, cujos ônus recairiam sobre os usuários que pagam a tarifa e o erário municipal, vindo a comprometer a saúde financeira do sistema, o que, a toda evidência, contraria o interesse público.

Por outro lado, não há como deixar de assinalar que, ao impor a necessidade de aporte adicional de recursos — de elevado montante, frise-se — a medida importa considerável aumento de despesas, sem a indicação dos recursos correspondentes, a par de envolver matéria orçamentária e de interferir na competência exclusiva do Executivo para conduzir a execução orçamentária. Além disso, acha-se em desacordo com o disposto nos artigos 15 e 16 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o que a inquina simultaneamente de inconstitucionalidade e ilegalidade.

Aliás, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

“Dessa forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5º, “caput”, da Constituição do Estado.

....................................................................................A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado”. (ADIN nº 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., j. em 19.05.99: no mesmo sentido: ADIN nº 59.744.0/1 – Rel. Des. Mohamed Amaro, ADIN nº 11.676-0; Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN nº 11.803-0, Rel. Des.Yussef Cahali; ADIN nº 65.779-0/0, Rel. Des. Flávio Pinheiro).

Por fim, o texto aprovado incorre em flagrante equívoco ao arrolar, dentre os feriados, no § 2º de seu artigo 1º, o Dia dos Pais, o Dia das Mães e o Dia das Crianças, os quais não são considerados feriados, deixando de mencionar, por outro lado, outras datas que efetivamente o são, conforme estabelecem a Lei Federal nº 10.607, de 19 de dezembro de 2002, a Lei Estadual nº 9.497, de 5 de março de 1997, e a Lei Municipal nº 7.008, de 6 de abril de 1967.

Pelo exposto, ante as razões apontadas, que evidenciam a inconstitucionalidade, a ilegalidade e a contrariedade ao interesse público que maculam irremediavelmente o texto aprovado, vejo-me compelida a vetá-lo na integra, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo