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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 681/2003; OFÍCIO DE 6 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 681/03

OF ATL nº 002/04

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/770/2003, pelo qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 681/03, de autoria do Vereador Domingos Dissei, que dispõe sobre o uso obrigatório de tecnologia de filtragem nos computadores da rede pública municipal.

Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir aduzidas.

A propositura, a teor de seu artigo 1º, visa obrigar as escolas públicas, bibliotecas, postos de atendimento, telecentros e quaisquer outros locais onde funcionem computadores ligados à internet, dentro do Município de São Paulo, a instalar tecnologia de filtragem de conteúdo. Pretende proibir o acesso, dentre outros a critério do Executivo, a “sites” relativos a drogas, pornografia, pedofilia, sexo, violência e armamento.

Em primeira linha de considerações, cumpre observar que o projeto aprovado incorre em vício de iniciativa, porquanto conflita com o artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelece serem de iniciativa do Prefeito as leis que disponham sobre organização administrativa e serviços públicos.

Com efeito, constituindo-se a instalação da tecnologia de filtragem em um acréscimo ao serviço público já existente de disponibilização de computadores com acesso à internet, e considerando-se ainda que todos os equipamentos das repartições municipais deveriam passar a contar com essa tecnologia, vê-se que a medida legisla sobre organização administrativa e serviços públicos, com evidente ingerência nas atividades dos órgãos do Executivo, impondo a realização de despesas, o que é vedado ao Legislativo, por expressa disposição legal.

Essas despesas pressupõem a existência de verbas, de maneira que a não indicação dos correspondentes recursos está em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 a 17.

A propósito, vale lembrar que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de projetos do Legislativo que, como o ora vetado, determinam à Administração Municipal a adoção de medidas específicas de execução, invadindo a esfera de competências específicas do Executivo, com conseqüente infringência ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

De outra parte, verifica-se que o texto não cuida apenas dos computadores públicos, pois traz a expressão “quaisquer outros locais onde funcionem computadores ligados à “internet”, dentro do Município de São Paulo”. Atinge, assim, a iniciativa privada que mantém estabelecimentos com oferta de tais equipamentos.

Mesmo que se entenda não ter sido esse o intuito de seu autor, o projeto aprovado, pela redação de seu artigo 1º, acaba por ultrapassar o âmbito da Administração Pública, em desacordo, aliás, com a própria ementa, que se refere aos computadores da rede pública municipal.

Destarte, nesse aspecto, a propositura é também inconstitucional por tratar de regulação da atividade econômica, matéria que não se insere na competência legislativa municipal, fixada pelo artigo 30 da Constituição Federal, esbarrando nos princípios fixados pelo artigo 170 da Lei Maior, especialmente os da livre iniciativa e livre concorrência.

Vê-se, pois, que a propositura viola diretamente a Constituição Federal, na medida em que dispõe sobre matéria de competência de outro ente da Federação e interfere nos negócios da iniciativa privada e no modo de seu aproveitamento econômico.

Ainda sob o prisma constitucional, deve-se considerar que, na prática, estaria configurada forma de censura, o que é vedado pelo artigo 5º, inciso IX, do Texto Maior, segundo o qual é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Comentando esse dispositivo, destacou o constitucionalista CELSO RIBEIRO BASTOS a seguinte lição de Canotilho:

“A colocação da proibição da censura no artigo respeitante à liberdade de expressão e informação, e não nos artigos referentes à liberdade de imprensa, significa que a proibição constitucional é de âmbito geral. Extensional e intencionalmente, a proibição de censura aplica-se a toda e qualquer forma de expressão e informação e não apenas à que tem lugar através dos meios de comunicação social”. (Comentários à Constituição do Brasil, Editora Saraiva, 1989, p.60)

Em razão dos sobreditos dispositivos constitucionais, o Município não pode determinar a obrigatoriedade de implantação de tecnologia de filtragem nos computadores existentes em qualquer local dentro do Município, impondo o conteúdo do que se possa acessar, cabendo-lhe apenas dispor sobre o assunto naquilo que se inserir no peculiar interesse local.

Nesse sentido, no uso de seu poder de polícia, compete ao Município legislar sobre matérias relativas a zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, sossego público, segurança e higiene dos estabelecimentos e edificações, sendo vedado à legislação municipal impor, nesse campo, condições alheias a sua esfera de atribuições, o que ocorreria, indiscutivelmente, neste caso.

Não bastassem esses argumentos de ordem constitucional e legal, a mensagem aprovada ainda contraria o interesse público, como a seguir se demonstrará.

De fato, as tecnologias de filtragem de conteúdo nos computadores revelam-se de eficácia parcial, pois, para que tais “softwares” funcionem, há necessidade de inserção de palavras- chave que acionem o bloqueio. Ora, a lista dessas palavras-chave é evidentemente genérica, o que impediria, portanto, também o acesso a “sites” úteis e informativos, dificultando, até mesmo, a realização de estudos e pesquisas, seja, por exemplo, por alunos da rede de ensino público municipal, seja por usuários das bibliotecas públicas da Cidade, o que caracterizaria frontal contrariedade ao interesse público.

A propósito, e a este passo, é de se enfatizar que há outros métodos dificultadores ou impeditivos de acesso a “sites” relativos a drogas, pornografia, pedofilia, sexo, violência e armamento.

Com efeito, e exemplificativamente, os computadores em operação nas escolas públicas municipais são utilizados para criação, desenvolvimento e execução, por alunos e educadores, de projetos inseridos em planos de cursos e de políticas pedagógicas, sempre balizados pelas diretrizes que norteiam a atuação da Secretaria Municipal de Educação. Demais disso, a utilização dos Laboratórios de Informática Educativa dos equipamentos escolares municipais é basicamente pedagógica e sempre acompanhada pelos responsáveis pelo processo de ensino e aprendizagem, ou seja, o Professor Orientador de Informática Educativa e o Professor da Classe.

De outra parte, e agora no que tange às bibliotecas públicas municipais, é de se esclarecer que tais equipamentos já adotam, no que diz respeito à internet, uma política com orientação específica para o não acesso a “sites” eróticos, pornográficos ou de estímulo à violência.

Por tudo o que foi aduzido, e como se vê, a Administração Pública Municipal não tem descurado do tema em pauta, ainda que se cercando de cuidados e mediante a utilização de técnicas diversas daquela proposta pelo texto aprovado.

Em concluindo, pela ilegalidade e inconstitucionalidade que o cercam, bem como por sua contrariedade ao interesse público, o texto aprovado não comporta a pretendida sanção. Impõe-se, pois, vetá-lo na íntegra, com a devolução do assunto a essa Egrégia Câmara, para o sempre criterioso reexame.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo