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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 586/2002; OFÍCIO DE 24 de Dezembro de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 586/02

OF ATL nº 807/03

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0778/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 27 de novembro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 586/02.

De autoria do Vereador Alcides Amazonas, o projeto dispõe sobre a gratuidade aos usuários do sistema de transporte coletivo urbano de São Paulo nos dias de eleição.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

A mensagem aprovada concede isenção de tarifa a todos os usuários do sistema de transporte coletivo urbano de São Paulo, nos dias de eleições para renovação dos Poderes Executivo ou Legislativo, em âmbito municipal, estadual ou federal.

Primeiramente, cumpre observar que a isenção pretendida pela medida aprovada interfere claramente no custo do transporte e na fixação da tarifa, envolvendo, pois, questão que repercute em matéria orçamentária, ao mesmo tempo em que configura ingerência no serviço de transporte coletivo de passageiros, atualmente prestado sob regime de concessão e permissão de serviço público, matérias cuja iniciativa legislativa é exclusiva do Prefeito, conforme estabelecido no artigo 37, § 2º, inciso IV, e no artigo 69, inciso IX, ambos da Lei Orgânica do Município de São Paulo. Simultaneamente, a propositura incide em ilegalidade, haja vista que contraria o disposto no artigo 178 da Lei Maior Local, o qual determina que as tarifas dos serviços públicos de transporte são de competência exclusiva do Município e deverão ser fixadas pelo Executivo.

Desse modo, ao legislar sobre assuntos próprios da esfera privativa de competências do Poder Executivo, o texto vindo à sanção extrapola as atribuições do Legislativo, ferindo o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local.

A par do vício de iniciativa que a inquina de inconstitucionalidade, a medida reveste-se, ainda, de ilegalidade e de contrariedade ao interesse público.

Com efeito, a questão relativa às isenções e reduções tarifárias no sistema de transporte coletivo municipal acha-se devidamente disciplinada por lei específica, que confere ao assunto tratamento amplo e sistemático.

De fato, a Lei nº 13.241, de 12 de dezembro de 2001, que dispõe sobre a organização dos serviços do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros na Cidade de São Paulo e autoriza o Poder Público a delegar sua execução, estabelece, no § 4º de seu artigo 27, que “as dispensas ou reduções tarifárias de qualquer natureza, além daquelas já vigentes na data da promulgação desta lei, deverão dispor de fontes específicas de recursos”.

Assim, de acordo com a normatização vigente, a concessão de qualquer gratuidade ou desconto demanda, obrigatoriamente, o aporte adicional de recursos por parte da Administração Municipal ou o aumento da tarifa, a onerar o usuário pagante, a fim de atender a despesa resultante do benefício, em razão da atual fonte de receita do sistema, para a remuneração do operador, consistir na arrecadação tarifária.

A título ilustrativo, cabe esclarecer-se que, segundo informações da Secretaria Municipal de Transportes, utilizaram-se dos transportes coletivos, por ocasião do 1º turno das últimas eleições realizadas em 2002, 1.804.740 (um milhão, oitocentos e quatro mil e setecentos e quarenta) usuários e 1.659.976 (um milhão, seiscentos e cinqüenta e nove, novecentos e setenta e seis) no 2º turno, evidenciando o grande contingente da população que se vale do sistema de transporte coletivo urbano municipal.

Constata-se, portanto, que o texto aprovado visa conceder benefício desconsiderando, por completo, a obrigatoriedade de aporte adicional de recursos para atender à despesa gerada pela isenção, que corresponderia a aproximadamente R$ 5.890.017,20 (cinco milhões, oitocentos e noventa mil, dezessete reais e vinte centavos), tomando-se por base os dados acima mencionados e o atual valor da tarifa (R$ 1,70).

Acresça-se, ademais, que já são assegurados por lei diversos descontos e isenções aos estudantes, idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, policiais militares fardados, integrantes da Guarda Civil Metropolitana, das Forças Armadas, entregadores de correspondência do Correio e oficiais de justiça, estando, pois, contemplados no atual elenco de isenções ou reduções os interesses sociais mais relevantes.

Destarte, não há dúvida que a ampliação do universo de tais gratuidades concorrerá para o acréscimo de novos custos para o Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros, já bastante sobrecarregado, cujos ônus recairiam sobre os usuários que pagam a tarifa e o erário municipal, vindo a comprometer a saúde financeira do sistema o que, a toda evidência, contraria o interesse público.

Por outro lado, não há como deixar de assinalar que, ao impor a necessidade de aporte adicional de recursos — de expressivo montante, frise-se — a medida importa considerável aumento de despesas, sem a indicação dos recursos correspondentes, a par de envolver matéria orçamentária e de interferir na competência exclusiva do Executivo para conduzir a execução orçamentária. Além disso, acha-se em desacordo com o disposto nos artigo 15 e 16 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o que a inquina simultaneamente de inconstitucionalidade e ilegalidade.

Aliás, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

“Dessa forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5º, “caput”, da Constituição do Estado.

....................................................................................A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado”. (ADIN nº 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., j. em 19.05.99: no mesmo sentido: ADIN nº 59.744.0/1 – Rel. Des. Mohamed Amaro, ADIN nº 11.676-0; Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN nº 11.803-0, Rel. Des.Yussef Cahali; ADIN nº 65.779-0/0, Rel. Des. Flávio Pinheiro).

Por fim, é mister ponderar que boa parte dos usuários se desloca nos dias de eleições por motivos diversos da votação. Além disso, em caso de gratuidade, com a amplitude que lhe imprime a propositura, certamente muitos utilizarão o transporte coletivo para outros fins, incentivados pelo benefício, o que, a toda evidência, descaracteriza sua finalidade e fere o interesse público.

Pelo exposto, ante as razões apontadas, que evidenciam a inconstitucionalidade, a ilegalidade e a contrariedade ao interesse público que maculam irremediavelmente o texto aprovado, vejo-me compelida a vetá-lo na integra, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

 

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo