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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 399/2002; OFÍCIO DE 11 de Dezembro de 2002

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 399/02

Ofício ATL. nº 748/02

Senhor Presidente

Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0679/2002, cujo recebimento acuso, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, na sessão de 7 de novembro de 2002, relativa ao Projeto de Lei nº 399/02.

Proposto pela Vereadora Flávia Pereira, o projeto objetiva instituir o Programa de Educação e Monitoria Ambiental no Município de São Paulo, a ser desenvolvido sob a coordenação da Secretaria Municipal do Meio Ambiente – SMMA e com a cooperação das Secretarias Municipais da Educação – SME, de Esportes, Lazer e Recreação – SEME, de Cultura – SMC e do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade – SDTS.

Nesse sentido, prevê a propositura a formação multidisciplinar de cidadãos, os quais, uma vez tecnicamente capacitados e habilitados pela Administração, passarão a exercer a função de Monitor Ambiental, com a atribuição de desenvolverem atividades e projetos sócio-educativos voltados para a conservação do meio ambiente natural, rural e urbano, tais como promover e apoiar atividades de recreação, lazer e educação sócio-ambiental com moradores, trabalhadores e visitantes da Cidade de São Paulo, contribuir para o exercício da cidadania, bem como para a melhoria da qualidade de vida, recuperação e conservação ambiental e valorização dos espaços naturais, atuar em parques municipais, praças públicas, unidades de conservação, museus, escolas, roteiros histórico-culturais e outras ações afins, conforme ali especificado.

Ainda de acordo com referida proposta legislativa, a qual também discrimina os critérios a serem considerados no processo seletivo destinado à admissão dos candidatos ao curso de formação de Monitores Ambientais, bem como as diretrizes deste (artigos 4º, 5º e 6º), verifica-se que:

a) durante a realização do curso, o candidato perceberá bolsa-auxílio no valor correspondente a um salário mínimo (artigo 7º);

b) após o curso e a partir do exercício da respectiva função, ao Monitor Ambiental será devida a remuneração inicial no montante de 3 (três) salários mínimos (artigo 8º).

No entanto, sem embargo dos meritórios propósitos que, com toda certeza, nortearam sua autora, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das considerações a seguir aduzidas.

Como foi dito, a mensagem aprovada institui programa com o objetivo de contribuir para a conservação do meio ambiente natural, rural e urbano, mediante a atuação de Monitores Ambientais, com as atribuições que especifica, capacitados e remunerados pela Administração.

De se esclarecer, neste passo, que a instituição de referido programa, com todos os seus desdobramentos, inclusive o financeiro e a admissão do pessoal a ele vinculado, diz respeito a assunto relacionado à organização administrativa, à prestação de serviços públicos, à criação de funções e ou empregos públicos, a servidores públicos municipais e respectiva fixação de remuneração, bem como a matéria orçamentária, cuja iniciativa legislativa acha-se privativamente atribuída ao Chefe do Poder Executivo, a teor do disposto no artigo 61, inciso II, alíneas “a”, “b” e “c”, da Constituição da República, reproduzido no artigo 37, § 2º, incisos I, II, III e IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Patente pois que, ao pretender dispor sobre matéria cuja iniciativa legislativa encontra-se legalmente atribuída ao Chefe do Executivo em caráter privativo, o projeto em questão ofende o salutar princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição da República e transposto para a órbita do Município de São Paulo nos termos do artigo 6º de sua Lei Maior, daí a apontada inconstitucionalidade e ilegalidade.

Na lição sempre precisa do renomado constitucionalista Professor CELSO RIBEIRO BASTOS, tem-se que:

“Ao contemplar tal princípio, o constituinte teve por objetivo — tirante as funções atípicas previstas pela própria Constituição — não permitir que um dos “poderes” se arrogue o direito de interferir nas competências alheias, portanto, não permitindo, por exemplo, que o Executivo passe a legislar e também a julgar ou que o Legislativo, que tem por competência a produção normativa, aplique a lei ao caso concreto.” (in CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL , Editora Saraiva, 11ª edição, São Paulo — 1999, obra reformulada de acordo com a Constituição Federal de 1988, pág. 149).

Mas não é só.

Com efeito, a inconstitucionalidade também incide sobre o conteúdo do artigo 8º da medida, segundo o qual os Monitores Ambientais receberão “remuneração” inicial correspondente a 3 (três) salários mínimos.

Ora, aludido comando retrata, na realidade, situação própria de vínculo empregatício, eis que prevê a remuneração dos Monitores Ambientais, obviamente em decorrência dos serviços que, nessa condição, vierem a prestar à Administração. Configura, assim, forma de admissão de pessoal no serviço público, a qual, nos expressos termos do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, só pode ocorrer mediante prévia aprovação em concurso público. Por conseguinte, trata-se de mácula inconstitucional de caráter incontornável.

Ilegal é, igualmente, a previsão quanto ao pagamento da bolsa-auxílio (durante a realização do curso) e da remuneração aos Monitores Ambientais (no exercício da função), consoante previsto nos artigos 7º e 8º do projeto em tela, sem a expressa indicação de sua fonte de custeio, como exigido pelo artigo 17 da Lei Complementar Federal nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), visto cuidar-se de despesa de caráter continuado.

Ainda que as apontadas inconstitucionalidades não fossem suficientes para fundamentar o presente veto integral, tal admitindo-se para possibilitar a continuidade da argumentação, a mensagem aprovada, de toda forma, não teria condições de ser sancionada por contrariar o interesse público.

Em primeiro lugar, impende assinalar que o texto reveste-se de impropriedades técnico-legislativas que comprometeriam sua eventual aplicação, contendo disposições ambíguas e imprecisas, particularmente no que concerne às regras que regem a estrutura do programa, porquanto não está claro se se trata de um programa curricular de educação ou de regulamentação de uma nova profissão, hipótese esta também inconstitucional à luz do artigo 22, inciso XVI, da Constituição da República, dada a exclusividade da União para dispor sobre a matéria.

Prosseguindo, é preciso esclarecer que a formação em meio ambiente já é objeto de ação governamental de órgãos do Poder Municipal, os quais, no uso de prerrogativas estabelecidas, instituem programas de capacitação, sem necessidade do recurso a dispositivos específicos para a criação de uma formação em particular. Assim ocorre, por exemplo, com o Programa de Capacitação Ocupacional e Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva, coordenado pela Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade – SDTS, que possibilita a instituição de formações diversas, em consonância com as demandas sociais locais e mediante parcerias com outros órgãos governamentais e entidades da sociedade civil organizada.

Nossas condições, restando evidenciadas as razões de ordem constitucional, legal e de interesse público que me conduzem a vetar integralmente a medida assim aprovada, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Casa de Leis que, com o costumeiro descortino, dignar-se-á a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

HÉLIO BICUDO

Prefeito em exercício

Ao Excelentíssimo

Senhor JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo