CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 210/1999; OFÍCIO DE 11 de Dezembro de 2002

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 210/99

Ofício ATL. nº 747/02

Senhor Presidente

Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0682/2002, cujo recebimento acuso, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 210/99.

De autoria do Vereador Gilson Barreto, a propositura objetiva a criação do Programa Social de Trabalho Educativo ao Adolescente Aprendiz.

No entanto, sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam o seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, pelo que, na conformidade das razões abaixo explicitadas e com supedâneo no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, vejo-me na contingência de vetá-la integralmente, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público.

O texto aprovado cria programa com o objetivo de aproveitar a força de trabalho de adolescentes carentes, na condição de aprendizes, em órgãos da Administração Municipal direta e indireta, Tribunal de Contas do Município e, mediante convênio, na Câmara Municipal de São Paulo, prevendo a concessão de “Bolsas de Aprendizagem”, compreendendo auxílio pecuniário no valor de um salário mínimo vigente, auxílio-alimentação, auxílio-transporte e vestuário padronizado, dentre outros benefícios que especifica.

Como se pode observar, não há dúvida de que se cuida de assunto atinente à organização administrativa, serviços públicos e matéria orçamentária, cujas leis são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, a teor do disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “b”, da Constituição Federal, repetido no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Nesse sentido, resta patente que, ao pretender dispor sobre matéria cuja iniciativa legislativa encontra-se legalmente atribuída ao Chefe do Executivo em caráter privativo, o projeto em questão ofende o salutar princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição da República e transposto para a órbita do Município de São Paulo nos termos do artigo 6º de sua Lei Maior, daí a apontada inconstitucionalidade e ilegalidade.

Na lição sempre precisa do renomado constitucionalista Professor CELSO RIBEIRO BASTOS, tem-se que:

“Ao contemplar tal princípio, o constituinte teve por objetivo — tirante as funções atípicas previstas pela própria Constituição — não permitir que um dos “poderes” se arrogue o direito de interferir nas competências alheias, portanto, não permitindo, por exemplo, que o Executivo passe a legislar e também a julgar ou que o Legislativo, que tem por competência a produção normativa, aplique a lei ao caso concreto.” (in CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, Editora Saraiva, 11ª edição, São Paulo – 1999, obra reformulada de acordo com a Constituição Federal de 1988, pág. 149).

De outra parte, convém ressaltar que a implementação da propositura acarretará o aumento de despesas, de caráter continuado, sem a correspondente indicação dos respectivos recursos financeiros, encontrando-se a mesma em evidente descompasso com as normas impostas pela Lei Complementar Federal nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), consoante preceituam os artigos 16 e 17 desta.

Demais disso, não há indicação da periodicidade do auxílio pecuniário a ser concedido aos adolescentes aprendizes — se mensal, semestral ou anual — tornando inaplicável referida disposição, eis que, em decorrência de sua incontornável imprecisão, não há como estimar o seu impacto orçamentário-financeiro e, em conseqüência, planejar os gastos com as despesas assim geradas, daí a ilegalidade da qual, mais uma vez, padece o projeto, também à luz da precitada Lei de Responsabilidade Fiscal.

Impende registrar, ainda, que a celebração de convênios pelo Município, tal como consta dos artigos 2º e 5º da Carta de Lei, traduz-se em típico ato de administração, conforme entendimento firmado pelo C. Supremo Tribunal Federal, descabendo, assim, ao Legislativo, determinar sua realização ou mesmo autorizar o Executivo a fazê-lo, pelo que resta agredido, novamente, o indigitado princípio da separação e harmonia entre os Poderes.

A inconstitucionalidade e a ilegalidade incidem, também, sobre dois outros pontos do projeto, quais sejam, a cessação da bolsa de aprendizagem, quando da ocorrência de ato infracional, e a aplicação do artigo 201 da Lei Municipal nº 8.989/79 nesta hipótese, para fins de sua apuração.

Em primeiro lugar, importa destacar que “ato infracional”, na ótica do artigo 103 da Lei Federal nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), é a “conduta descrita como crime ou contravenção penal”. O mesmo diploma legal preconiza a forma de apuração da conduta infracional do adolescente (arts. 171 a 190), sendo certo que, inclusive diante de sua comprovada ocorrência, poderá o Ministério Público conceder a remissão ao infrator (sob homologação judicial) ou, ainda que o órgão ministerial represente propondo a aplicação de medida sócio-educativa, faculta-se à autoridade judiciária aplicá-la ou não, nas hipóteses discriminadas no artigo 189 do ECA. Por conseguinte, no caso em apreço, a prática de ato infracional pelo adolescente aprendiz, com a conseqüente cessação de bolsa de aprendizagem, sem que tal conduta haja sido apurada nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, violaria o princípio constitucional da presunção de inocência (Constituição da República, artigo 5º, inciso LVII), de nada valendo, pois, a apuração administrativa (artigo 201 da Lei nº 8.989/79) a que alude a propositura.

De igual modo, jamais poderia prevalecer a determinação no sentido da aplicação do disposto no artigo 201 da Lei Municipal nº 8.989/79, para fins de apuração de ato infracional que venha a ser cometido pelo adolescente aprendiz, porquanto referida norma aplica-se única e exclusivamente aos servidores públicos municipais, com o objetivo de apurar eventuais cometimentos de infrações disciplinares/administrativas e respectivas responsabilidades funcionais. Em sendo assim, não estando os adolescentes aprendizes sob vínculos funcionais regrados pela mencionada Lei nº 8.989/79, que constitui o “Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo”, é ilegal a medida aprovada quanto a esse aspecto.

Ainda que as apontadas inconstitucionalidades e ilegalidades não fossem suficientes para respaldar o presente veto integral, tal admitindo-se apenas com a finalidade de possibilitar a continuidade da argumentação, a mensagem aprovada apresenta-se contrária ao interesse público.

Com efeito, este Executivo, por meio da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, estabeleceu programas sociais e um conjunto de ações articulados que contemplam todas as faixas etárias, inclusive a dos jovens entre 16 e 18 anos de idade.

Esse grupo é atendido pelo programa “Bolsa Trabalho”, instituído pela Lei nº 13.163/01, o qual objetiva ampliar a escolaridade desses jovens, postergando seu ingresso no mercado de trabalho, mediante o pagamento de uma bolsa-auxílio.

Por evidente, postergar a entrada do jovem no mercado de trabalho, nos dias atuais, cumpre duas funções, a primeira com o intuito de diminuir a pressão sobre a demanda de trabalho, que é muito alta, e, a segunda, buscando romper o ciclo que se perpetua, ao longo de sua vida, decorrente da inserção precária e prematura desse cidadão despreparado na atividade laboral produtiva.

Além do mais, bom é ressaltar que os programas sociais desenvolvidos pela Secretaria do Trabalho estão intimamente relacionados, articulando-se a cada passo, de tal sorte a emancipar o beneficiário para não mais necessitar da assistência do Poder Público.

Do mesmo modo, o Programa Reestruturação Produtiva e Relações do Trabalho, também em desenvolvimento naquela Pasta, colima celebrar parcerias com a iniciativa privada, sempre buscando a implementação de políticas públicas que gerem emprego e renda.

Em outras palavras, tendo-se em mira o conjunto de ações governamentais que ora vêm sendo executadas, resulta a iniciativa sob comento em sobreposição às políticas já implementadas na atual gestão, daí a sua contrariedade ao interesse público.

Por derradeiro, ainda no que concerne à concessão de “bolsas-aprendizagem”, não é demais destacar que a Lei nº 13.392/02, regulamentada pelo Decreto nº 42.590/02, a qual dispõe sobre o Sistema de Estágios na Prefeitura do Município de São Paulo, já prevê o fornecimento de “bolsas-treinamento” a estudantes de ensino médio e superior.

Diante do exposto, estando sobejamente demonstradas as razões que me conduzem a apor veto integral à medida aprovada, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Casa de Leis que, com o costumeiro descortino, dignar-se-á a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

HÉLIO BICUDO

Prefeito em exercício

Ao Excelentíssimo

Senhor JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo