CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 1.422/1995; OFÍCIO DE 7 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 1422/95

OF ATL nº 005/04

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0753/2003, pelo qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da Lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 1422/95, de autoria do Vereador Wadih Mutran, que permite ao Executivo destinar 10% (dez por cento) de todas as casas da COHAB e do Projeto Cingapura, já construídas no Município de São Paulo, aos policiais civis e militares que residem em favelas.

Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, com fundamento no §1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir aduzidas.

O estabelecimento de critério de prioridade baseado exclusivamente na profissão da pessoa a ser beneficiada, como pretende a propositura, é inconstitucional por ferir o princípio da isonomia, impregnado em toda a Carta de 1988, na medida que constitui substrato de inúmeros de seus preceitos, como, por exemplo, a proibição de qualquer forma de discriminação (art. 3º, inciso IV) e a vedação de instituir tratamento desigual entre contribuintes (art. 150, inciso II). Não satisfeito com essas alusões pontuais ao princípio da isonomia, o constituinte houve por bem consagrá-lo expressamente no “caput” do artigo 5º do texto constitucional.

Sobre a questão, preleciona o insígne jurista CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, in O CONTEÚDO JURÍDICO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE, Editora Revista dos Tribunais – 1978, ao tratar especificamente da correlação lógica entre fator de discrímen e a desequiparação procedida:

“O ponto nodular para exame da correção de um a regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele”. (pág. 47)

“Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia”. (pág. 49)

“Em síntese: a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferençada”. (pág. 50)

A propositura, aparentemente autorizativa, e só por isso já merecedora de veto, por inócua, em verdade busca impor obrigação ao Executivo, visando o projeto de lei sobre matéria de cunho exclusivamente administrativo. Nesse sentido, ao prever a destinação de 10% todas as casas da COHAB e do Projeto Cingapura, já construídas, a medida interfere diretamente na Política Municipal de Habitação instituída pela Lei nº 11.632, de 22 de julho de 1994, com as alterações da Lei nº 13.509, de 10 de janeiro de 2003, em conformidade com o artigo 168 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

A Lei nº 13.425, de 2 de setembro de 2002, por sua vez, regulamentou o citado artigo 168 da Lei Maior Local, e criou, no âmbito da Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano, o Conselho Municipal de Habitação de São Paulo. Em seu artigo 3º, inciso XIII, a lei citada dispõe competir ao Conselho “definir os critérios de atendimento de acordo com base nas diferentes realidades e problemas que envolvam a questão habitacional do Município”.

Também o artigo 4º, inciso I, da mesma lei estabelece que o Conselho supervisionará o Fundo Municipal de Habitação, competindo-lhe especificamente ”estabelecer as diretrizes e os programas de alocação dos recursos do Fundo Municipal de Habitação, de acordo com os critérios definidos na Lei nº 11.632/94, em consonância com a política municipal de habitação”.

Diante desses dispositivos legais, nota-se que a matéria já foi equacionada no sentido de que a Política Municipal de Habitação deve se pautar por diretrizes do Conselho Municipal de Habitação, que dão a orientação para a aplicação dos recursos públicos.

Segundo informações da COHAB-SP todas as casas construídas por aquela companhia no Município de São Paulo encontram-se formalmente comercializadas, o que implica a inexistência de casas disponíveis. Já com relação às eventuais casas que se venham a construir, consta uma relação de 70.000 interessados que se cadastraram em datas anteriores a janeiro de 1989, aguardando a construção das moradias.

No âmbito da Superintendência de Habitação Popular – HABI, da Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano, há diversos programas para atendimento às demandas determinadas, vinculadas a programas habitacionais específicos arrolados a seguir.

O Programa de Verticalização e Urbanização de Favelas – PROVER destina-se à demanda da própria favela na qual está sendo executado o conjunto habitacional. O Programa de Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale – PROCAV destina-se a famílias que vivem em favelas em áreas das obras de canalização. Há que se mencionar também o Programa de Reabilitação Urbanística e de Atenção aos Moradores dos Baixos de Pontes e Viadutos.

Os programas desenvolvidos com recursos do Fundo Municipal de Habitação, por sua vez, são prioritários para famílias advindas de áreas de risco, que constitui uma das demandas habitacionais mais depauperadas do Município e de responsabilidade direta do Poder Público. Já os mutirões são destinados a demandas previamente organizadas em associações comunitárias de construção que podem ser formadas por moradores de favelas.

Como se vê, todos esses programas abrangem a população assistida de forma universal, havendo apenas a distinção quanto à renda das famílias, o que contribui para a determinação da utilização desse ou daquele programa, conforme a faixa de renda, não cabendo o critério da ocupação profissional das pessoas atendidas.

Assim sendo, os motivos ora aduzidos impedem-me de acolher o texto vindo à sanção, compelindo-me a vetá-lo na íntegra, com base no disposto no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica deste Município, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de consideração e apreço.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo