processo n° 6018.2023/0007667-7
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
ASSUNTO: Dispensa de licitação para a celebração de contratos de gestão. Eliminação da hipótese de dispensa prevista no inciso XXIV do artigo 24 da Lei federal n° 8.666/93 pela Lei federal n° 14.133/21. Consulta quanto à necessidade de realizar procedimento licitatório para a celebração de contratos de gestão.
Informação n° 382/2023-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Coordenadoria Geral do Consultivo
Senhor Coordenador Geral
A d. assessoria jurídica da pasta interessada formulou consulta acerca da necessidade de, diante do advento da Lei federal n° 14.133/21, passar a realizar procedimento de licitação para a celebração de contratos de gestão, uma vez que tal lei não contemplou a hipótese de dispensa de licitação que era prevista no inciso XXIV do artigo 24 da Lei federal n° 8.666/93 (dispensa para "celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão").
Nos termos da consulta SEI 077809960:
"Até a data de hoje, em face da vigência da Lei 8.666/1993, havia a expressa previsão no Inciso XXIV do artigo 24 que era caso de dispensa de licitação a "celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão."
Assim, o Município de São Paulo criou, para esta forma de contratação, um procedimento denominado de chamamento, fixando no artigo 18 do Decreto 52.858/2011 que "quando houver mais de uma entidade qualificada para prestar o serviço objeto da parceria, a celebração do contrato de gestão será precedida de processo seletivo, por meio de Chamamento Público, conduzido por Comissão Especial instituída para essa finalidade."
Dessa maneira, mesmo estando "dispensada" pela legislação geral do processo licitatório, no âmbito de sua autonomia, fixou procedimento próprio.
A partir do dia 01° de fevereiro, em face dos efeitos que passarão a surtir pela entrada em vigência da Lei n° 14.133/2021, ficou revogada a Lei 8.666/1993, e, consequentemente, não há mais no mundo jurídico a hipótese de dispensa do inciso XXIV do artigo 24.
A nova legislação não repetiu a referida previsão de dispensa de licitação, fixando apenas as seguintes hipóteses envolvendo as contratações no âmbito da saúde:
(...)
Dessa maneira, para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão, não há causa de dispensa da licitação.
Cabe salientar que em face da Lei n° 13.019/2014 o procedimento de chamamento público, permanecerá aplicável, mesmo após a entrada em vigor da nova Lei de licitação, nos casos de termo de colaboração, acordo de colaboração e termo de fomento.
Em face da aparente lacuna deixada pela mudança legislativa, cabe salientar que também será inexigível a licitação, se for inviável a competição com base no art. 74, caput, da Lei n° 14.133/2021.
Se o caso concreto não comportar inexigibilidade de licitação, será necessária a realização de processo competitivo para selecionar organização social para com ela celebrar contrato de gestão.
A modalidade adequada para selecionar organização social para com ela celebrar contrato de gestão, no nosso entendimento, será a concorrência, utilizando o critério de julgamento de melhor técnica - melhor projeto de implementação do objeto do futuro contrato de gestão. O julgamento desta licitação ficará a cargo de banca especialmente designada, composta por, no mínimo 3 (três) membros, sendo, servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração Pública e profissionais contratados por conhecimento técnico, experiência ou renome na avaliação dos quesitos especificados em edital (Lei n° 14.133/2021, art. 37, § 1°).
Em face do que dispõe o artigo 16 do Decreto n° 62.100/2022, proponho o encaminhamento do presente à Procuradoria Geral do Município para ratificação deste entendimento e, ainda, para a elaboração das minutas a serem utilizadas pela Secretaria da Saúde"
É o relato do necessário.
Na Informação n° 376/2023 - PGM.AJC, manifestamos entendimento no sentido de que, a princípio, não nos parece ser aplicável, aos contratos de gestão, a Lei federal n° 14.133/21. O art. 2° do referido diploma legal especifica os tipos de negócios jurídicos que se submetem às suas disposições (e não inclui as parcerias celebradas com organizações sociais), e o art. 3°, inc. II, prevê que "não se subordinam ao regime desta lei" as "contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria " - como é o caso dos contratos de gestão, regulados pela Lei federal n° 9.637/98 e, no âmbito municipal, pela Lei municipal n° 14.132/06 e Decreto n° 52.858/11.
Afirmamos, ainda, que, se algum diploma legal fosse aplicável analogicamente aos contratos de gestão, parece-nos que seria o regime previsto na Lei federal n° 13.019/14 (MROSC), eis que as características dos contratos de gestão são muito mais próximas dos termos de fomento e de colaboração do que dos tradicionais contratos administrativos. Mas, ainda assim, haveria dificuldades para a aplicação analógica do MROSC, eis que ele também é expresso ao afastar sua incidência aos contratos de gestão:
"Art. 3° Não se aplicam as exigências desta Lei:
(... )
III - aos contratos de gestão celebrados com organizações sociais, desde que cumpridos os requisitos previstos na Lei n° 9.637, de 15 de maio de 1998 ."
Ora, se são inaplicáveis, aos contratos de gestão, as disposições da Lei federal n° 14.133/21, também são inaplicáveis, obviamente, as regras do referido diploma legal referentes à licitação, de forma que seria desnecessário dispositivo específico prevendo a dispensa de licitação para seleção da organização social a ser contratada. Dessa forma, a 'supressão' da regra que era prevista no inciso XXIV do artigo 24 da Lei federal n° 8.666/93 não gera, como consequência, a necessidade de realização de licitação nos termos da nova legislação.
Importa lembrar que a desnecessidade de realização de licitação não implica numa seleção arbitrária da organização social. Embora a Lei federal n° 9.637/98 (e a Lei municipal n° 14.132/06) não discipline a realização de chamamento público prévio à contratação, o STF, na ADI n° 1.923, entendeu ser necessário um procedimento objetivo e impessoal para a seleção da OS contratada[1], de forma a preservar os princípios constitucionais da eficiência, moralidade e isonomia. O Decreto municipal n° 52.858/11, mais recente, já contemplou a necessidade de prévio chamamento público para seleção da OS a ser contratada.
Também é importante ressaltar que a disposição do inciso XXIV do artigo 24 da Lei federal n° 8.666/93 não era unívoca. Sempre houve debate acerca da interpretação do inciso: se ele dispensava a licitação para a própria celebração do contrato de gestão (que foi a premissa adotada por SMS); se ele dispensava a licitação para os contratos celebrados entre as OSs e terceiros (previsão que, a rigor, também seria desnecessária, já que, como nem as OSs, nem os terceiros por ela contratados, integram a Administração Pública, os seus contratos, de qualquer forma, não seriam precedidos de licitação); ou se ele dispensava a licitação para aquisição, por ente público, de serviços previstos no âmbito do contrato de gestão, que não se confundam com os serviços delegados por tal contrato (situação que, na verdade, é difícil de imaginar e ocorrer na prática). Sobre esse debate, vejamos as doutrinas citadas pelo TCU no Acórdão n. 421/2004 - Plenário:
"O objeto é necessariamente prestação de serviços referente a uma atividade que consta do contrato de gestão.(...) Importa assinalar que o objeto não é o contrato de gestão, mas um serviço, uma atividade, um trabalho. Esse guarda pertinência com o contrato de gestão e com a finalidade da Organização Social'. (FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação. 5^ ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 522/523)
"Tal condição implica que a Organização Social contratada possa ter capacidade de vir a prestar um serviço para algum órgão governamental - diverso daquele com quem mantenha o contrato de gestão - mas que seja um serviço que faça parte das atividades contidas no referido contrato. Parece só poder ser assim, pois, com o próprio órgão com o qual celebrou o contrato de gestão pressupõe-se que os serviços contidos no referido contrato não venham ser objeto de nova contratação". (CITADINI, Antonio Roque. Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas. 3^ ed. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1999, p. 215)
Ou seja, se entendermos que a disposição em comento da Lei federal n° 8.666/93 não diz respeito à celebração do contrato de gestão, a sua supressão na nova Lei federal n° 14.133/21 não produziria qualquer efeito com relação à celebração do contrato.
Vale frisar, ainda, que o STF, na já citada ADI n° 1.923, afastou a necessidade de realização de licitação para a celebração de contrato de gestão em razão da não submissão desse tipo de contratação à Lei federal n° 8.666/93 e ao procedimento licitatório nela previsto:
"Por não se tratar de contratos administrativos, não cabe falar em incidência do dever constitucional de licitar, restrito ao âmbito das contratações (CF, art. 37, XXI). Nem por isso, porém, a celebração de contratos de gestão pode ficar imunizada à incidência dos princípios constitucionais. Da mesma forma como se ressaltou acima, a Administração deve observar, sempre, os princípios estabelecidos no caput do art. 37 da CF. Dentre eles, têm destaque os princípios da impessoalidade, expressão da isonomia (art. 5°, caput), e da publicidade, decorrência da ideia de transparência e do princípio republicano (CF, art. 1°, caput).
Ora, no conteúdo do contrato de gestão, segundo os arts. 12 e 14 da Lei, pode figurar a previsão de repasse de bens, recursos e servidores públicos. Esses repasses pelo Poder Público, como é evidente, constituem bens escassos, que, ao contrário da mera qualificação como organização social, não estariam disponíveis para todo e qualquer interessado que se apresentasse à Administração Pública manifestando o interesse em executar os serviços sociais. Diante de um cenário de escassez, que, por consequência, leva à exclusão de particulares com a mesma pretensão, todos almejando a posição subjetiva de parceiro privado no contrato de gestão, impõe-se que o Poder Público conduza a celebração do contrato de gestão por um procedimento público impessoal e pautado por critérios objetivos, ainda que, repita-se, sem os rigores formais da licitação tal como concebida pela Lei n° 8666/93 em concretização do art. 37, XXI, da CF, cuja aplicabilidade ao caso, reitere-se, é de se ter por rejeitada diante da natureza do vínculo instrumentalizado pelo contrato de gestão.
(... )
E isso só se confirma pela leitura do art. 7°, caput, da Lei n° 9.637/98, que prevê que a elaboração do contrato de gestão - literalmente, apenas a elaboração, porém - será submetida aos "princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos: (...)"
Portanto, parece-nos que poderá continuar a ser utilizado o procedimento de chamamento público previsto no Decreto n° 52.858/11 para a seleção da organização social que celebrará o contrato de gestão.
Por fim, devemos salientar que, como a Lei federal n° 14.133/21 é muito recente, praticamente não há decisões do Judiciário ou Tribunais de Contas sobre suas disposições, nem sabemos como os demais entes federativos irão encarar as inovações trazidas por ela. Estamos, portanto, em uma fase de certa insegurança jurídica, que, de certo modo, é natural, considerando a extensão e relevância do novo regime legal. Tal insegurança, contudo, não pode congelar as ações administrativas, eis que os problemas surgem e devem ser solucionados pela Administração Pública, para assegurar a continuidade na prestação dos serviços à população. Esta manifestação foi exarada neste contexto, de forma que, sobrevindo entendimentos contrários que convenha ao Município seguir, ela, obviamente, poderá ser futuramente revista.
Sub censura.
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São Paulo, 27/02/2023.
RODRIGO BRACET MIRAGAYA
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP n° 227.775
PGM
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De acordo.
São Paulo, 27/02/2023
MÁRCIA HALLAGE VARELLA GUIMARÃES
Procuradora Assessora Chefe - AJC
OAB/SP 98.817
PGM
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processo n° 6018.2023/0007667-7
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
ASSUNTO: Dispensa de licitação para a celebração de contratos de gestão. Eliminação da hipótese de dispensa prevista no inciso XXIV do artigo 24 da Lei federal n° 8.666/93 pela Lei federal n° 14.133/21. Consulta quanto à necessidade de realizar procedimento licitatório para a celebração de contratos de gestão.
Cont. da Informação n° 382/2023-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho a Vossa Senhoria a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acompanho.
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São Paulo, 27 de fevereiro de 2023.
CAYO CÉSAR CARLUCCI COELHO
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP 168.127
PGM
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processo n° 6018.2023/0007667-7
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
ASSUNTO: Dispensa de licitação para a celebração de contratos de gestão. Eliminação da hipótese de dispensa prevista no inciso XXIV do artigo 24 da Lei federal n° 8.666/93 pela Lei federal n° 14.133/21. Consulta quanto à necessidade de realizar procedimento licitatório para a celebração de contratos de gestão.
Cont. da Informação n° 382/2023-PGM.AJC
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
Senhor Secretário
Encaminho a Vossa Senhoria a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, no sentido de que a não repetição, na Lei federal n° 14.133/21, da hipótese de dispensa de licitação que era prevista no inciso XXIV do artigo 24 da Lei federal n° 8.666/93, não significa que passou a ser necessária a realização de procedimento licitatório para a seleção da organização social e celebração de contratos de gestão, podendo continuar a ser adotado procedimento de chamamento público.
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São Paulo, 28 de fevereiro de 2023
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 169.314
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo