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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.306 de 18 de Março de 2022

EMENTA Nº 12.306
Pedido de diretrizes para projeto edilício (art. 51 da Lei n. 16.642/17 – Código de Obras e Edificações). Identificação de matéria relacionada ao art. 1.302 do Código Civil (direito de vizinhança). Impossibilidade de que a Municipalidade decida litígio entre particulares. Adequação da proposta no sentido da emissão das diretrizes com ressalva.

processo n° 6068.2021/0004502-9


INTERESSADA: GRP GP32 Empreendimentos Ltda.

ASSUNTO: Diretrizes de projeto.

Informação n. 281/2022-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral


Trata o presente de pedido de pedido de diretrizes de projeto, formulado a SMUL, relativo ao terreno situado na Avenida Santo Amaro, n. 493/494/499, especificamente quanto à possibilidade de, com base no art. 66, II, da Lei n. 16.402/16, encostar a edificação no lote vizinho (n. 485/487), até a cota de nível 764,47m, observado que a cota topo do vizinho estaria entre 766,50 766,91m. Destaca o requerente, em especial, as prescrições dos artigos 1.299 a 1.302 do Código Civil (doc. 045021283), tendo apresentado relatório fotográfico das aberturas existentes na empena do edificio
lindeiro (doc. 045021335), assim como levantamento técnico correspondente (doc. 045021428).

Em vista do disposto no art. 1.302, do Código Civil, CEUSO deliberou por encaminhar o caso a SMUL/ATAJ, destacando que, embora o projeto atenda ao disposto na legislação municipal, a edificação vizinha apresenta aberturas para iluminação e ventilação, aparentemente não licenciadas (doc. 056251846).

SMUL-ATAJ, então, apontou a legislação incidente, notadamente o art. 7º do Decreto n. 57.521/16 e os artigos 2º e 4º do Código de Obras, observando que não caberia ao licenciamento dirimir questão relativa ao direito de vizinhança, pois o vizinho não participa do procedimento e porque isso deveria ser feito no exercício da função jurisdicional, no âmbito do Judiciário. Todavia, a Municipalidade não poderia deixar de examinar as questões de vizinhança, de modo restrito e com as ressalvas aos elementos apurados. Por isso, a Assessoria, citando dispositivos do atual e do antigo Código Civil, lembra que a proibição de abertura de janelas a menos de metro e meio do terreno vizinho, prevista na lei civil, não se aplica às aberturas de pequenas dimensões, para luz e ventilação. Além disso, recorda que o proprietário tem prazo para impugnar a edificação desconforme feita no terreno vizinho e que os vãos ou aberturas para luz não seriam limitantes para o proprietário, que poderia construir na divisa, mesmo que em prejuízo da claridade na edificação lindeira precedente. Cita julgado do STF a respeito de tais dispositivos, que serviu de paradigma para outros, até mesmo do STJ. Observa a Assessoria, no tocante ao caso em exame, que a construção no lote vizinho está consolidada há muitos anos, o que poderia favorecer o reconhecimento de uma servidão aparente, mas que se trata de parede dotada apenas de abertura para luz, o que prejudicaria esse entendimento. Nota-se, por fim, que o licenciamento edilício poderia ser possível caso se entendesse que a Municipalidade não poderia decidir com base no Código Civil sem o consenso dos proprietários confrontantes. Nessa linha, a Municipalidade poderia apenas fornecer as diretrizes, cabendo ao interessado as responsabilidades e ônus relativos à decisão de edificar na divisa, os quais deveriam constar como ressalva nas diretrizes a serem fornecidas. No entanto, como esse entendimento poderá ser utilizado de modo uniforme para situações similares, entendeu-se a conveniente manifestação prévia desta Assessoria (doc. 056364668).

É o breve relato.

O entendimento de SMUL-ATAJ merece ser prestigiado no que diz respeito à conclusão de que não cabe ao licenciamento edilício dirimir conflitos relativos a direitos de vizinhança. Conforme já observou esta Assessoria, a composição dos conflitos pertinentes às relações de vizinhança não deve ser feita pela Municipalidade, mas pelo Poder Judiciário (Ementa n. 5756 – PGM-AJC). Conforme bem destacou a própria SMUL-ATAJ, aliás, a composição de eventual conflito ocorreria a partir do exercício do contraditório por parte de todos os particulares envolvidos, e não somente na esfera do interessado na nova edificação, como ocorre no licenciamento edilício.

Por conta disso, não cabe à Municipalidade analisar a temática relativa ao direito de vizinhança em si, até porque a Administração não poderia investir contra obra por conta de matéria relacionada ao direito de vizinhança, devidamente regrado pelo Código Civil (Ementa n. 10.729 – PGM-AJC). Em outras palavras: ao contrário do que entendeu SMUL-ATAJ, a Administração deve deixar de examinar as questões de vizinhança, já que, caso adentrasse o mérito dessas questões, estaria assumindo posição a respeito da questão privada, o que não parece decorrer das competências municipais, que não incluem a aplicação da lei civil, notadamente no que diz respeito à composição de possíveis conflitos entre particulares.

Vale notar, a propósito, que o atual Código de Obras (Lei n. 16.642/17) enuncia as matérias que devem ser objeto de análise no âmbito do licenciamento edilício, entre as quais não se inclui a temática civil das relações de vizinhança (art. 2º). Definidos expressamente os limites do exercício da atividade de licenciamento, não cabe ampliá-la, sobretudo porque, segundo conhecido cânone hermenêutico, as competências não se presumem[1]. Nessa perspectiva, as alusões que a mesma lei faz a respeito da observância “da legislação estadual e federal pertinente” (art. 1º) e em relação à necessidade de respeito ao “direito de vizinhança” (art. 4º) não significam que o Município efetuará o controle dessas normas, mas que o controle efetuado em âmbito municipal não dispensa o proprietário do cumprimento de outras regras que se situem além das competências locais. Nos termos da lei, o licenciamento edilício não deve prevenir o empreendedor quanto a quaisquer questões jurídicas – aí incluindo as normas de direito privado e a legislação federal e estadual –, mas somente no tocante às normas que nele devem ser apreciadas.

A propósito, como se nota a partir do analítico relatório de SMUL-ATAJ, há várias potenciais questões de direito civil envolvidas no caso. O proprietário vizinho pode sustentar a existência de um direito de servidão, do qual decorreria a necessidade de preservar as aberturas  existentes em sua empena. Já aquele que figura como requerente neste expediente poderia afirmar que tais vãos não estariam preservados pela lei, por se tratar de meras aberturas para luz. O proprietário vizinho, por sua vez, poderia sustentar que esses vãos não teriam as dimensões exigidas pela lei civil para sua configuração como aberturas para luz, ao passo que o interessado deste expediente poderia recusar a existência de uma servidão, por conta da divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito.

A existência de tantas possíveis questões substanciais, que eventualmente envolveriam até mesmo a aplicação do Código Civil revogado, na vigência do qual foi erigida a edificação lindeira, torna indefensável mesmo o ponto de vista daqueles que tenderiam a ver no licenciamento – de modo equivocado – uma espécie de aplicação preventiva do ordenamento jurídico como um todo, ou mesmo daqueles que enxergam a temática urbanística de modo tão abrangente a ponto de incluir matérias civis. 

Não adentrar o mérito de tais questões não constitui opção censurável, por conta de uma negligente omissão; trata-se, na prática, da única solução possível, porquanto não haveria como exigir que a Municipalidade resolvesse questões de fundo, efetuando a composição dos conflitos civis entre particulares, de acordo com as peculiaridades do caso concreto.

Ademais, essas sofisticadas discussões se encontram na esfera de direitos disponíveis dos interessados. Caso os envolvidos entrassem em um acordo a respeito, nenhuma dessas questões demandaria equacionamento pelo Poder Público, nem mesmo pelo Poder Judiciário. De outra parte, não compete à Municipalidade exigir previamente tal entendimento entre os vizinhos, uma vez que, como visto, não lhe cabe efetuar o controle quanto à aplicação da lei civil. É o particular prejudicado que, tendo interesse, pode opor-se à atuação do outro. Não o fazendo, por omissão ou acordo, não haverá situação ilícita que reclame providências da Municipalidade, mas uma iniciativa que se perpetuará, dado o caráter disponível do direito envolvido[2].


Por isso, parece adequada a solução segundo a qual as diretrizes poderão ser concedidas, com a expressa ressalva de que elas não incluem nenhuma espécie de manifestação da Municipalidade em relação aos aspectos civis relacionados ao direito de vizinhança, cabendo ao requerente o ônus de providenciar os entendimentos cabíveis com o proprietário vizinho e a responsabilidade por eventuais prejuízos que este venha a alegar em razão da construção que acabe por ser erigida nos limites do lote.

Essa ressalva, aliás, em nada diferiria dos conhecidos apontamentos em documentos relacionados ao licenciamento edilício no sentido de que a aprovação do requerimento não implica o reconhecimento, por parte da Municipalidade, da propriedade do terreno a ser parcelado ou edificado. De fato, ainda que ociosa a ressalva – é evidente que não compete ao Município declarar ou ratificar aspectos alusivos ao domínio –, ela parece útil sob o ponto de vista pragmático, por vedar expressamente ao destinatário da licença que empreste entendimento equivocado ao documento expedido, que somente poderia refletir o cotejo entre a iniciativa proposta e as normas municipais correspondentes.

Assim sendo, sugere-se o retorno do presente a SMUL, para o devido prosseguimento.

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São Paulo, 18/03/2022.

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR – AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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De acordo.

São Paulo, 18/03/2022.

 MÁRCIA HALLAGE VARELLA GUIMARÃES

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE – AJC

OAB/SP 98.817

PGM


[1] Cf. Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e interpretação do direito, 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 265 (§ 323).
[2] São essas as valiosas observações de Mariana Mencio, ao distinguir o regime aplicável ao direito de vizinhança, de caráter privado, daquele que se impõe ao estudo de impacto de vizinhança, de natureza pública: “Por sua vez, as restrições de vizinhança submetem-se ao princípio da autonomia da vontade, sendo perfeitamente possível que particulares envolvidos nas relações deixem de exigir medida judicial, caso tenham sofrido dano ou incômodo em sua propriedade. Poderemos citar como exemplo o conflito oriundo das árvores limítrofes. Nos termos do artigo 1.283 do Código Civil, as raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido. Na hipótese de este proprietário deixar de tomar esta providência e tolerar a presença desta raiz em sua propriedade, nenhuma consequência jurídica surgirá em decorrência de sua inação. Deste modo, com base nos critérios distintivos apontados, poderemos identificar com mais facilidade as hipóteses de incidência dos diversos regimes sobre o
direito de vizinhança, contribuindo para compreensão das diversas consequências jurídicas que poderão incidir sobre o mesmo instituto. Se estivermos, por exemplo, diante de restrições de vizinhança, caso o vizinho resolva suportar a festa ruidosa que ocorre ao lado de sua residência, não haverá consequência desfavorável, pois o direito é disponível. Por sua vez, no que toca aos grandes empreendimentos causadores de impactos urbanos, a ausência de EIV acarretará a nulidade da licença de construção expedida, sem a possibilidade de convalidar o procedimento” (Direito de vizinhança . In: Interesse público. São Paulo: Notadez, v. 13, n. 66, p. 205, mar./abr., 2011).

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processo n° 6068.2021/0004502-9

INTERESSADA: GRP GP32 Empreendimentos Ltda.

ASSUNTO: Diretrizes de projeto.

Cont. da Informação n. 281/2022–PGM.AJC

PGM

Senhora Procuradora Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico Consultiva desta Coordenadoria, que acolho, sugerindo o retorno do presente a SMUL, para o devido prosseguimento.

São Paulo, 18/03/2022.

CAYO CÉSAR CARLUCCI COELHO

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 168.127

PGM

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INTERESSADA: GRP GP32 Empreendimentos Ltda.

ASSUNTO: Diretrizes de projeto.

Cont. da Informação n. 281/2022–PGM.AJC

SMUL/ATAJ

Senhor Chefe de Assessoria

Em atenção à consulta formulada, encaminho-lhe o presente, nos termos da manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que as diretrizes pleiteadas poderão ser oferecidas ao interessado com a expressa ressalva de que caberá a ele o ônus de providenciar os entendimentos cabíveis com o proprietário vizinho e a responsabilidade por eventuais prejuízos que possam ser arguidos, com base nas normas civis relativas ao direito de vizinhança, em razão da edificação pretendida.

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São Paulo, 18/03/2022.

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 169.314

PGM

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo