processo nº 6017.2020/0030174-2
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA
ASSUNTO: Lei n° 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). Cadin municipal
Informação n° 1031/2020-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Procurador Coordenador
A Secretaria Municipal da Fazenda (SF), diante da iminência de entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), lei n° 13.708/2018, formula consulta sobre a possibilidade de manutenção dos dados do Cadastro Informativo Municipal (Cadin municipal), disponibilizados conforme Decreto Municipal n° 47.096, de 21 de março de 2006.
A conclusão da Coordenadoria Jurídica da Pasta (Cojur), que merece ser acolhida, é de que a LGPD não inibe a divulgação, em cadastro, das pendências financeiras de pessoas naturais e jurídicas com o Município de São Paulo: "queremos com isso dizer que, sem se descurar dos propósitos da Lei n° 13.709, de 2018, de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, é necessário ter em mente, quando da sua aplicação, que o Poder Público deve obediência aos princípios constitucionais republicanos, da publicidade, moralidade, supremacia do interesse público, dentre outros" (031883085). A LGPD, na linha da oportuna ponderação do Cojur, foi, de fato, expressa ao permitir — à maneira do Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia que a inspirou1 — o tratamento de dados pessoais pela Administração na medida em que necessário, como na hipótese, à consecução do interesse público:
Art. 7° O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses: (... )
III - pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres, observadas as disposições do Capítulo IV desta Lei;
(... )
§ 3° O tratamento de dados pessoais cujo acesso é público deve considerar a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização.
(... )
Art. 23. O tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público referidas no parágrafo único do art. 1° da Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação) , deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público, desde que:
I - sejam informadas as hipóteses em que, no exercício de suas competências, realizam o tratamento de dados pessoais, fornecendo informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sítios eletrônicos;
II - (VETADO); e
III - seja indicado um encarregado quando realizarem operações de tratamento de dados pessoais, nos termos do art. 39 desta Lei (...).
De fato, a Lei n° 14.094/2005, que criou o cadastro informativo municipal, é, no contexto da LGPD, fundamento suficiente, e idôneo2, para manutenção dessa importante ferramenta de gestão pública nos moldes atuais, útil à preservação do erário e à recuperação do crédito municipal3.
Não por acaso, o governo federal, ao regulamentar aspectos da LGPD por meio do Decreto n° 10.046/2019, excetuou de restrição informações e dados "não protegidos por sigilo fiscal", como o são as pendências incluídas no Cadin municipal, especialmente as suscetíveis de inscrição em dívida ativa:
Art. 28. A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia disponibilizará aos órgãos interessados os seguintes dados não protegidos por sigilo fiscal:
I - informações constantes da declaração de operações imobiliárias relativas à existência de bem imóvel, localização do ato registral, números de inscrição e respectivas situações cadastrais no CPF e no CNPJ das partes envolvidas na operação;
II - informações constantes da declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural relativas à existência de bem imóvel;
III - informações referentes a registros de natureza pública ou de conhecimento público constantes de nota fiscal;
IV - informações sobre parcelamento e moratória de natureza global dos débitos por ela administrados;
V - informações sobre débitos de pessoas jurídicas de direito público; e
VI - demais informações de natureza pública constantes das bases de dados sob sua gestão.
Art. 29. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional disponibilizará aos órgãos interessados os seguintes dados não protegidos por sigilo fiscal:
I - dados constantes do termo de inscrição na dívida ativa da União e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS;
II - informações sobre parcelamento e moratória de natureza global dos débitos inscritos em Dívida Ativa da União;
III - informações sobre débitos inscritos em dívida ativa da União, incluídos os de pessoas jurídicas de direito público e aqueles em fase de execução fiscal; e
IV - demais informações de natureza pública constantes das bases de dados sob a sua gestão.
Como lembrado por Cojur, o STF assentou em diersas ocasiões o entendimento de que as relações com o Poder Público estabelecem-se, salvo sigilo imposto por lei, com a nota de transparência, mesmo às atinentes à remuneração dos servidores:
"(...) Nesse sentido, a Constituição abriu novas perspectivas para o exercício ampliado do controle social da atuação do Estado, com destacada contribuição da imprensa livre, de organizações não-governamentais e da atuação individualizada de cada cidadão. Ao mesmo tempo, os novos processos tecnológicos oportunizaram um aumento gradativo e impressionante da informatização e compartilhamento de informações dos órgãos estatais, que passaram, em grande medida, a serem divulgados na Internet, não só como meio de concretização das determinações constitucionais de publicidade, informação e transparência, mas também como propulsão de maior eficiência administrativa no atendimento aos cidadãos e de diminuição dos custos na prestação de serviços. (...)
No caso, entendo que, quanto às decisões liminares que determinaram a suspensão da divulgação da remuneração bruta mensal vinculada ao nome de cada servidor municipal, em sítio eletrônico na Internet denominado "De Olho nas Contas", de domínio da municipalidade, está devidamente demonstrada a ocorrência de grave lesão à ordem pública. À semelhança da legislação federal existente sobre o tema, a legislação municipal, em princípio, abriu margem para a concretização da política de gestão transparente da Administração Pública, possibilitando maior eficiência e ampliação do controle social e oficial dos gastos municipais. Nesse sentido, as ações judiciais que suspendem a divulgação de parte das informações disponíveis no sítio eletrônico da municipalidade, com a manutenção de dados de apenas alguns servidores em detrimento de outros, acabam por tornar inócua a finalidade, o controle e a exatidão das informações prestadas pela Administração ao cidadão em geral, com evidente prejuízo para a ordem pública. Ao mesmo tempo, a remuneração bruta mensal dos servidores públicos em geral é vinculada ao princípio da legalidade estrita, ou seja, trata-se de gasto do Poder Público que deve guardar correspondência com a previsão legal, com o teto remuneratório do serviço público e, em termos globais, com as metas de responsabilidade fiscal." (SS 3902, DJe 5q8/2009)
Desse modo, presentes a finalidade, a boa-fé e o interesse público na manutenção do cadastro de "pendências de pessoas físicas e jurídicas perante órgãos e entidades da Administração Pública Direta e Indireta do Município de São Paulo" criado pela Lei n° 14.094/2005, é de concluir, sem prejuízo de futura reavaliação, pela legitimidade da publicidade a ele inerente, respeitados os condicionantes impostos pela LGPD.
.
São Paulo, 05/10/2020
ANTONIO MIGUEL AITH NETO
Procurador Assessor – AJC
OAB/SP nº 88.619
PGM
.
De acordo.
.
São Paulo, 05/10/2020
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE – AJC
OAB/SP 175.186
PGM
.
1Item 45 - Sempre que o tratamento dos dados for realizado em conformidade com uma obrigação jurídica à qual esteja sujeito o responsável pelo tratamento, ou se o tratamento for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública, o tratamento deverá assentar no direito da União ou de um Estado-Membro. O presente regulamento não exige uma lei específica para cada tratamento de dados. Poderá ser suficiente uma lei para diversas operações de tratamento baseadas numa obrigação jurídica à qual esteja sujeito o responsável pelo tratamento, ou se o tratamento for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública. Deverá também caber ao direito da União ou dos Estados-Membros determinar qual a finalidade do tratamento dos dados. Além disso, a referida lei poderá especificar as condições gerais do presente regulamento que regem a legalidade do tratamento dos dados pessoais, estabelecer regras específicas para determinar os responsáveis pelo tratamento, o tipo de dados pessoais a tratar, os titulares dos dados em questão, as entidades a que os dados pessoais podem ser comunicados, os limites a que as finalidades do tratamento devem obedecer, os prazos de conservação e outras medidas destinadas a garantir a licitude e equidade do tratamento. Deverá igualmente caber ao direito da União ou dos Estados-Membros determinar se o responsável pelo tratamento que exerce funções de interesse público ou prerrogativas de autoridade pública deverá ser uma autoridade pública ou outra pessoa singular ou coletiva de direito público, ou, caso tal seja do interesse público, incluindo por motivos de saúde, como motivos de saúde pública e proteção social e de gestão dos serviços de saúde, de direito privado, por exemplo uma associação profissional. https ://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:L:2016:119:FULL&from=PT
2"A linha mestra para o tratamento de dados pessoais é o consentimento pelo titular, que deve ser aplicado aos tratamentos de dados informados e estar vinculado às finalidades apresentadas. No entanto, pode haver situações de exceção em que o tratamento de dados pessoais ocorre sem necessidade de consentimento expresso, com finalidade específica declarada pelo titular, quais sejam:
• para cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;
• quando necessário à execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados;
• para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral;
• para a proteção da vida do titular ou de terceiro;
• quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro;
• para proteção do crédito, inclusive quanto ao disposto na legislação pertinente." (Patrícia Peck Pinheiro, Proteção de Dados Pessoais - Comentários à Lei n. 13.709/2018, Saraiva, 2018)
3AGRAVO DE INSTRUMENTO - Mandado de Segurança - Decisão agravada denegatória de antecipação de tutela - Pretensão à prorrogação da exigibilidade de tributo municipais, em razão da pandemia do COVID-19, sem que haja qualquer penalidade moratória, inscrição dos débitos no CADIN ou restrição à expedição de Certidão Negativa de Débitos - Não cabimento - Medidas de repercussão coletiva que dependem de autorização legislativa do Município - Impossibilidade de o Poder Judiciário conceder determinações nesse sentido, sob pena de comprometer o orçamento fiscal e causar danos irreversíveis ao Erário - Recurso ao qual se nega provimento. (TJSP; Agravo de Instrumento 2089535-08.2020.8.26.0000; Data do Julgamento: 22/09/2020; Data de Registro: 22/09/2020)
.
.
processo nº 6017.2020/0030174-2
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA
ASSUNTO: Lei n° 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). Cadin municipal
Informação em continuação n° 1031/2020-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNCÍPIO
Sra. Procuradora Geral,
Encaminho-lhe o presente nos termos da manifestação retro desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho.
.
São Paulo, 05/10/2020
TIAGO ROSSI
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP 195.910
PGM
.
.
processo nº 6017.2020/0030174-2
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA
ASSUNTO: Lei n° 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). Cadin municipal
Informação em continuação n° 1031/2020-PGM.AJC
SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA
Senhor Secretário,
Com meu acolhimento à manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral do Município, encaminho-lhe o presente para regular prosseguimento.
.
São Paulo, 05/10/2020
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 169.314
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo