Processo n° 6110.2020/0003864-8
INTERESSADO: Autarquia Hospitalar Municipal
ASSUNTO: Servidoras gestantes e lactantes. Decisão do STF - Afastamento de atividades insalubres
Informação nº 711/2020-PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
CORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Coordenador
A Autarquia Hospitalar Municipal encaminhou a esta Procuradoria consulta a respeito da situação das servidoras estatutárias gestantes e lactantes, que trabalham em ambientes insalubres na referida autarquia, em razão da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI nº 5.938, que declarou a inconstitucionalidade da expressão "quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento", contida nos incisos II e III do artigo 394-A da CLT., inseridos pelo artigo 1º da Lei nº 13.467/2017, que assim previa:
" Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: (Redação dada pela Lei 13.467, de 2017)
I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; (Incluído pela Lei 13.467, de 2017)
III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)"
Como se vê do artigo transcrito, a CLT previa o afastamento compulsório da gestante do ambiente insalubre apenas quando a atividade fosse assim classificada em grau máximo. Nas demais hipóteses (grau médio e mínimo) e nos casos das lactantes, o afastamento dependia de apresentação de atestado médico neste sentido.
A consulta decorreu de questionamentos feitos pelas servidoras da autarquia a respeito do assunto.
Instada a se manifestar a COGGES/SG manifestou-se no sentido do afastamento também das servidoras estatutárias gestantes e lactantes de qualquer atividade insalubre, como forma de assegurar a proteção à maternidade, à gestação, à saúde e aos recém-nascidos. (DOC SEI n° 028353538 )
A Coordenadoria Jurídica da Secretaria de Gestão concluiu que o afastamento da servidora estatutária gestante ou lactante do ambiente insalubre vai ao encontro da decisão do STF, de integral proteção à maternidade ou à saúde da criança (DOC SEI n° 028700981).
Pois bem.
Como foi dito, a presente consulta foi formulada em decorrência da decisão proferida pelo Supremo tribunal Federal, na ADI 5.398, cuja ementa tem o seguinte teor:
"DIREITOS SOCIAIS. REFORMA TRABALHISTA. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À MATERNIDADE. PROTEÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER. DIREITO À SEGURANÇA NO EMPREGO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE DA CRIANÇA. GARANTIA CONTRA A EXPOSIÇÃO DE GESTANTES E LACTANTES A ATIVIDADES INSALUBRES.
1. O conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1°, IV, da Constituição Federal.
2. A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6°, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e o direito à segurança no emprego, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei, e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
3. A proteção contra a exposição da gestante e lactante a atividades insalubres caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher quanto da criança, tratando-se de normas de salvaguarda dos direitos sociais da mulher e de efetivação de integral proteção ao recém-nascido, possibilitando seu pleno desenvolvimento, de maneira harmônica, segura e sem riscos decorrentes da exposição a ambiente insalubre (CF, art. 227).
4. A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em apresentar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido.
5. Ação Direta julgada procedente."
(ADI 5938, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 20-09-2019 PUBLIC 23-09-2019)
O referido Tribunal, como dito, fixou entendimento no sentido de que Constituição, à vista dos princípios da proteção à maternidade e integral proteção ao recém-nascido, ampara as gestantes e as lactantes dos riscos decorrentes da exposição a ambiente insalubre. Neste sentido, foi garantido o afastamento da empregada submetida a trabalho em condições insalubres, independentemente do grau de insalubridade constatado (máximo, médio ou mínimo) e da apresentação de atestado médico.
Destaca-se trecho do voto do Ministro Relator:
"Sob essa ótica, a proteção da mulher grávida ou da lactante em relação ao trabalho insalubre caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, quanto da criança, pois a ratio das referidas normas não só é salvaguardar direitos sociais da mulher, mas também efetivar a integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura e sem os perigos de um ambiente insalubre, consagrada, com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade e do empregador. A imprescindibilidade da máxima eficácia desse direito social, proteção à maternidade, portanto, também decorre da absoluta prioridade que o art. 227 do texto constitucional estabelece de integral proteção à criança, inclusive, ao recém-nascido. Na presente hipótese, temos um direito de dupla titularidade.
A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em juntar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido.
Dessa maneira, entendo que as expressões impugnadas não estão em consonância com os dispositivos constitucionais supramencionados, os quais representam não apenas normas de proteção à mulher gestante ou lactante, mas também ao nascituro e recém-nascido lactente."
Nesta linha de consideração, a decisão visa eliminar os riscos à saúde da mulher gestante ou lactante e da criança, riscos estes iminentemente provocados pelo trabalho em condições insalubres.
Pelo que se pode extrair da decisão do STF, atribui-se ao Poder Público a observância dos princípios constitucionais em questão no ambiente de trabalho, como, aliás, ressaltou o Ministro Edson Fachin:
"E, neste particular, não se pode deixar de lembrar que a Constituição de 1988 é assertiva ao determinar como diretriz para a condução de políticas públicas, na seara da segurança do ambiente de trabalho, a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (artigo 7°, XXII, da CRFB)
Neste sentido, os fundamentos constitucionais que embasaram a decisão do STF, repita-se, a proteção à maternidade e a integral proteção à criança - direitos considerados irrenunciáveis - autorizam a sua extensão às servidoras estatutárias, contudo, tal fato não é suficiente para afastar a necessidade de lei regulamentando o direito ao afastamento do local considerado insalubre, já que, como se sabe, a Administração está adstrita ao princípio da legalidade, previsto no artigo 37, "caput" da Constituição Federal.
Cabe observar que não se está negando o direito fundamental de proteção à maternidade e à criança, mas deve-se considerar que a Administração Pública não pode se afastar do princípio da legalidade também constitucionalmente previsto. A Administração só pode atuar nos limites da lei. Assim sendo, há necessidade de adequação da legislação municipal prevendo tal direito, assim como ocorre no âmbito da CLT e em relação às servidoras federais (artigo 69, parágrafo único da Lei n° 8.112/91).
Observa-se, por fim, que em relação à proteção à maternidade, a Lei Orgânica assegura à servidora e à empregada a mudança de função por recomendação médica[1]
Com estas considerações, sugerimos o retorno do presente à Secretaria Executiva de Gestão para as providências cabíveis.
À apreciação e deliberação de Vossa Senhoria.
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São Paulo, 25/02/2021
Paula Barreto Sarli
Procuradora Assessora - AJC
OAB/SP 200.265
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 26/02/2021
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Assesora Chefe - AJC
OAB/SP 175.186
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[1] Art. 98 - Ficam asseguradas à servidora e à empregada gestante, sem prejuízos de vencimentos e demais vantagens do cargo ou emprego: (Redação dada pela Emenda n° 24/2001)
I - mudança de função, pelo tempo necessário, por recomendação médica; (Incluído pela Emenda n° 24/2001)
II - dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares. (Incluído pela Emenda n° 24/2001)
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Processo n° 6110.2020/0003864-8
INTERESSADO: Autarquia Hospitalar Municipal
ASSUNTO: Servidoras gestantes e lactantes. Decisão do STF - Afastamento de atividades insalubres
Cont. da Informação n° 711/2020-PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho o presente a Vossa Excelência com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva, que acolho.
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São Paulo, 28/02/2021
TIAGO ROSSI
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP n° 195.910
PGM
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Processo n° 6110.2020/0003864-8
INTERESSADO: Autarquia Hospitalar Municipal
ASSUNTO: Servidoras gestantes e lactantes. Decisão do STF - Afastamento de atividades insalubres
Cont. da Informação n° 711/2020-PGM.CGC
SECRETARIA EXECUTIVA DE GESTÃO
Senhor Secretário Executivo
Encaminho o presente, com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria, que acompanho, para ciência e demais providencias cabíveis.
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São Paulo, 01/03/2021
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP n° 169.314
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo