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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.624 de 27 de Fevereiro de 2022

EMENTA 11.624
Herança Jacente. Arrecadação de bens. Reconhecimento da união estável. Imóvel adquirido a título gratuito. Interpretação do artigo 1790 do Código Civil e do artigo 226 da Constituição Federal.

processo n° 2011-0.204.049-1

INTERESSADO: MARIA DO CARMO VIEIRA SANTOS

ASSUNTO: Possível herança jacente. Falecimento de Raimundo Roque. Reconhecimento da união estável. Único bem adquirido de ma gratuita. Ausência da onerosidade prevista no “caput” a artigo 1790 do Código Civil.

Informação nº 323/2013-PGM.AJC 


PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Assessoria Jurídico-Consuiltiva
Senhora Procuradora Assessora Chefe

Cuida-se de ação de arrecadação dos bens deixados pelo falecimento de Raimundo Roque, ocorrido em 21 de novembro de 2007.

O único bem deixado pelo falecido é o imóvel localizado na Rua Florinéia, 194 — Água Fria, adquirido por herança em razão do falecimento 21.08.92 e 07.11.2000.

Por sentença proferida pela 3º Vara da Família e Sucessões do Foro Regional de Santana, houve o reconhecimento da união estável entre o “de cujus” e Maria do Carmo Vieira Santos, desde 2002 até a data do falecimento.

O procurador oficiante solicitou autorização para: (a) não apelar da sentença dm declarou a existência de união estável; (b) manifestar desistência no procedimento de arrecadação de bens.

Diretoria de DEMAP concordou em não apelar da sentença que declarou a existência da união estável, porque baseada em prova impossível de impugnação, como demonstrado em audiência e documentos de fis. 66/68. 

Com relação à desistência de arrecadação de bens, DEMAP discordou do procurador oficiante, baseando-se na interpretação do artigo 1790 do Código Civil.

Sustenta que, referido dispositivo exclui da sucessão do companheiro ou da companheira, os bens adquiridos gratuitamente e aqueles que foram havidos fora da vigência da união estável, observando que o imóvel em questão, passou para o “de cujus”, sem o caráter da onerosidade.

Por fim, ressalta o Departamento interessado a possibilidade do bem ser usucapido pela companheira, mas mesmo assim, defende não ser o caso de manifestar o desinteresse na ação de arrecadação dos bens.

Esse é o relatório. Passo a examinar. A controvérsia deste expediente gira em torno da interpretação do artigo 1790 do Código Civil, que trata do direito sucessório dos companheiros.

Reza o artigo 1790 do Código Civil:

Art 1790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV- não havendo parentes sucessíveis, terá Cireito à totalidade da herança.

Depreende-se da simples leitura do artigo acima destacado que a vocação do dompanheiro encontra-se limiiado aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Os demais bens adquiridos pelo falecido antes da constituição da união estável, ou durante ela, a título gratuito, não serão objeto de sucessão pelo companheiro.

 "In casu”, foi reconhecida a união estável e dependendo da interpretação concedida ao artigo supracitado, a companheira do “de cujus”, terá ou não direito ao único bem imóvel pertencente ao falecido.

O dispositivo em comento é muito criticado pela doutrina, por falta de técnica do legistador e cor iratar de forma diferenciada a sucessão legítima do companheiro em relação ao cônjuge.

Ora, se a própria Constituição Federal, no artigo 226, §, 3º, reconheceu a união estável, dando ensejo à Lei nº 8971/94 (reconhece o direito) do companheiro na sucessão do falecido) e Lei nº 9278/96, não poderia o Código Civil de 2002, tratar de forma pior a sucessão do companheiro, desrespeitando, assim, o princípio do não retrocesso.

Aliás, referido retrocesso deu azo, como já dito, a severas críticas e diferentes interpretações ao mencionado artigo.

Passarei a citar as três principais interpretações sobre o tema:

I - a primeira, pelo rigor da boa técnica, submete todos os incisos do artigo 1790 do Código Civil ao seu caput, gerando a possibilidade de companheiro sobrevivente ser lançado à própria sorte na hipótese de ausência de meação e de herança;

II - a segunda, confere tratamento semeirante ao que é dado ao cônjuge na cormunhão patrimonial de bers, ou seja, o companheiro seria meeiro quanto aos bens orerosos adquiridos na constância da união estável e herdeiro quanto aos demais bens;

III - a terceira, limita a aplicação do caput do o artigo 1790, aos incisos I e II, não se aplicando às demais hipóteses.

Objetivando atingir uma interpretação teleológica e sistemática, conveniente mencionar que o artigo 1725 do Código Civil, determina a aplicação, no que couber, do regime da comunhão parcial de bens à união estável.

Disso resulta, que os artigos 1658 e seguintes de Código Civil deverão ser observados, na medida do possivel, não se olvidando, ainda, que o artigo 1829 do mesmo dipioma, conferiu ao côniuge sobrevivente a posição de herdeiro necessário. 

Isso significa que havendo bens particulares, pois caso sejam comuns, será meação, o cônjuge sobrevivente casado em regime de comunhão parcial , terá direito à sucessão legítima.

Nessa mesma linha, o artigo 1838 do Código Civil estipula que será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente na falta de descendentes e ascendentes.

Sílvio de Salvo Venosa examinando o tema leciona:

“O cônjuge será herdeiro único e universal na falta de descendentes e ascendentes. Nessa situação, em nada interfere o regime de casamento. Exige-se apenas que a relação matrimonial estivesse vigente quando da morte”.1

Conclui-se, portanto, que na hipótese da ausência de descendentes e ascendentes, o côniuge herdará, independentemente do regime de casamento, o mesmo não ocorrendo com o companheiro reconhecido em união estável.

Assim, a interpretação literal do artigo 1790, poderá levar a situações absurdas, como analisada nesie expediente, em que mesmo reconhecida a união estável, o único bem co “de cujus”, adquirido por herança (sem onerosidade) e antes do reconhecimento, poderá ser dec farado vacante, caso não seja atribuída à companheira os mesmas direitos do cônjuge.

Parece-me que a interpretação literal contraria o escopo da lei, que é, sem dúvida, a de proteger a familia e o sobrevivente, seja ele casado ou reconhecido em união estável.

Com vistas a estabelecer regras e critérios de apiicação do novo Código Civil aos casos concretos, os magistrados paulistas no | Encontro dos Juízes de Família do Interior de São Paulo, no ano de 2006, resolveram, formular enunciados, dentre eles, os de nº 49 e 52, a seguir:

Enunciado 49. O artigo 1790 do Código Civil, ao tratar de forma diferenciada a sucessão legítima, do companheiro em relação ao cônjuge, incide em inconstitucionalidade, pois a Constituição não permite diferenciação entre familias assentadas no casamenio e na união estável, nos aspectos em que são idênticas, que são os vínculos de afeto, solidariedade e respeito, vínculos norteadores da sucessão legítima.

Enunciado 52. Se admitida a inconstitucionalidade do artigo 1790 do CC, o companheiro sobreviverte terá direito à totalidade da herança deixada pelo outro, na falia de parentes sucessíveis, conforme o previsto no inciso IV, sem limitação indicada na cabeça do artigo.

Na jurisprudência, a incorsiitucionalidade do artigo 1750 do Código Civil, é matéria não pacificada, mas podemos coservar que a maioria dos julgados aponta. peia prevalência da tese de tratamento único para sucessão do côniuge e do companheiro, iá que a legislação infraconstitucional deve ser interpretada à iuz dos preceitos determinados pela Carta Magna.

Nesse sentido, a ementa a seguir:

Inventário. Decisão que indeferiu habilitação de herdeiros colaterais. insurgência. interpretação do art. 1790 do Código Civil. incompatibilidade com o art. 226 da Constituição da República. Aplicação da mesma disciplina prevista para o cônjuge. Desnecessária a remessa ao E. Órgão Especial. Inteligência do art. 481, parágrato único do CPC. Decisão mantida. Recurso desprovido. 

Agravo de instrumento 0157045-36.2012.8.26.0000. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo J. 31.01.2013

Todavia, apesar de inúmeros julgados no sentido acima, o Superior Tribunal de Justiça, não conheceu, por maioria de votos, a arguição de inconstitucionalidade do artigo 1790, incisos II e lV o CC, no Resp 1.135.354/PB, cuja cópia encontra-se encartada às fls. 142/151.

Diante do panorama apresentado e por coerência ao sistema jurídico, entendo que a posição mais sensata, seja a de igualar os direitos sucessórios da companheira e do côniuge, haja vista que para casos semelhantes, o tratamento deverá ser igual.

De qualquer forma, oportuno ressaltar que foi reconhecida a existência da repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 646.721- Rio Grande do Sul, com o pronunciamento juntado às fls. retro, do qual destaco o seguinte trecho:

“Cumpre ao Supremo definir o alcance do artigo 226 da Constituição Federal, presente a limitação do artigo 1790 do Código Civil. O tema alusivo à sucessão, à união estável homoafetiva e a suas repercussões jurídicos está a reclamar o crivo do Supremo”.

Assim sendo, parece ser prematura a desistência da arrecadação de bens, bem como a fixação de diretriz a ser seguida nos casos semelhantes a este, sugerindo, pois, a suspensão do processo em questão até a análise do assunto pelo Supremo Tribunal Federal.

Mantido como acompannante o processo nº 2012.0.247.390-0.

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1 Código Civil Interpretado, São Pauto:Atlas,2010

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São Paulo, 27/02/2013.

ANA REGINA RIVAS VEGA

Procuradora Assessora - AJC

OAB/SP n° 112.618

PGM

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De acordo

São Paulo, 28/02/2013.

LILIANA DE ALMEIDA F. DA S. MARÇAL

Procuradora Assessor Chefta Substituta - AJC

OAB/SP 94.147

 

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processo n° 2011-0.204.049-1

INTERESSADO: MARIA DO CARMO VIEIRA SANTOS

ASSUNTO: Possível herança jacente. Falecimento de Raimundo Roque. Reconhecimento da união estável. Único bem adquirido de ma gratuita. Ausência da onerosidade prevista no “caput” a artigo 1790 do Código Civil.

Cont. da Informação nº 323/2013-PGM.AJC 

SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário 

Ençaminho o presente corn a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva, qu acolho, para análise e manifestação.

Mantido come acompanhante o processo nº 2012.0.247.390-0.

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São Paulo, 28/02/2013.

CELSO COCCARO FILHO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

 OAB/SP 98.071
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processo n° 2011-0.204.049-1

INTERESSADO: MUNICIPALIDADE DA SÃO PAULO

ASSUNTO: Possivel Herança Jacente de Raimundo Roque - União estável reconhecida - possibilidade de ser objeto de herança por companheira, mesmo tendo sido adquirido gratuitamente antes do início da convivência.

Informação n.º 0501/2013-SNJ.G

SNJ/ATJ
Senhor Procurador Chefe


Cuida o presente de arrecadação de bens deixados pelo falecimento de Raimundo Roque, sendo o único bem deixado pelo “de cujos” o imóvel localizado na Rua Florinéia, 194 - Água Fria, recebido por força da sucessão de seus genitores.

Judicialmente reconhecida a União Estável de Raimundo Rogue e Maria do Carmo Vieira Santos, a partir de 2.002, ora discute-se a possibilidade da Companheira receber como sucessora o bem imóvel, ainda que tenha sido recebido por Rairnundo Roque gratuitamente e antes do início da convivência.

A discussão ocorre em razão do teor do Art. 1790 do Código Civil, que dispõe ser a companheira sucessora apenas quanto aos bens adquirido onerosamente e durante a convivência.

Propõe a Procuradoria Geral do Município que aguarde-se a manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria ( RExt nº 046.721 - RS), que abordará a igualdade de direitos sucessórios entre companheiros e cônjuges, antes de formalmente desistir da arrecadação do imóvel em apreço.

Acompanhando a rrmanifestação da Procuradoria Geral do Município, entendo conveniente aguardar-se manifestação forrnal do STF sobre o tema, muito embora, pessoalmente, acredite que a solução de igualdade de direitos sucessórios dificilmente será negada por aquela Suprema Corte.

Mantido o processo acompanhante.

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São Paulo, 08 de março de 2013.

EDUARDO MIKALAUSKAS

Procurador do Municipio

OAB/SP 179.867

SNJ.G

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processo n° 2011-0.204.049-1

INTERESSADO: MUNICIPALIDADE DA SÃO PAULO

ASSUNTO: Possivel Herança Jacente de Raimundo Roque - União estável reconhecida - possibilidade de ser objeto de herança por companheira, mesmo tendo sido adquirido gratuitamente antes do início da convivência.

Informação n.º 0501a/2013-SNJ.G

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM
Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente, acolhendo a manifestação da Procuradoria Geral do Município de fls. 193/203, aguardando-se o formal posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria aventada nos autos, suspendendo-se o processo de arrecadação de bens até tal pronunciamento.

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São Paulo, 15/03/2013.

LUIS FERNANDO MASSONETTO

Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos

SNJ.G

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo