CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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Razões do Veto (LEI Nº 17.635 de 20 de Agosto de 2021)

RAZÕES DE VETO

Projeto de Lei nº 126/21

Ofício ATL SEI nº 050596931

Ref.: Ofício SGP-23 nº 742/2021

Senhor Presidente,

Por meio do ofício acima referenciado, essa Presidência encaminhou à sanção cópia do Projeto de Lei nº 126/21, de autoria dos Vereadores Rubinho Nunes – PSL, Cris Monteiro – NOVO, Delegado Palumbo – MDB e Marcelo Messias – MDB, aprovado aos 16 de julho de 2021, e que “Institui o Código de Defesa e a Patrulha de Apoio ao Empreendedor, dispondo sobre normas relativas à livre iniciativa, ao livre exercício de atividade econômica e à atividade regulatória do Município.”

No entanto, alguns dos dispositivos aprovados não detêm condições de serem convertidos em lei na conformidade das razões a seguir explicitadas.

Os incisos I e IV, e o parágrafo único, todos do artigo 3º do projeto em análise devem ser vetados por inconstitucionalidade. Ao proporem "princípio da mínima intervenção estatal" e "intervenção "mínima" e "excepcional" do Município, trazem conceitos indeterminados cujas molduras interpretativas podem resvalar em violação a princípios tutelados pelo ordenamento nacional, e afrontam a Constituição Federal, em especial seu artigo 30, I e II, interpretados, evidentemente, em consonância com o parágrafo único do artigo 170 da Carta Magna. A propósito, o Supremo Tribunal Federal chancelou esse entendimento em sua Súmula Vinculante nº 38, ao atribuir aos municípios competência para fixar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, e isso, frise-se, em período de normalidade social, e não em decorrência de questões especiais de saúde pública.

Por seu turno, o disposto no inciso III, do artigo 3º é desnecessário, pois reproduz comando constitucional e princípio geral de Direito conhecido e consolidado das relações sociais e econômicas: a boa-fé é presumida até que se prove o contrário.

O inciso V, do artigo 3º nega a própria definição de empreendedor ao caracterizá-lo como vulnerável e hipossuficiente.

O inciso VI, do artigo 3º é desnecessário. A Administração já possui programas e sistemas que atendem aos interesses dos municípes de forma digital.

Por seu turno, os artigos 4º e 7º do projeto em análise também não possuem condições de prosperar pois conflita com o disposto no artigo 136 da Lei nº 16.402/2016 e no artigo 2º do Decreto nº 49.969/2008: “nenhuma atividade não residencial - nR poderá ser instalada sem prévia emissão, pela Prefeitura, da licença correspondente, sem a qual será considerada em situação irregular”. A cautela que impõe a segurança para o exercício das atividades econômicas, iluminadas pelo princípio da prevenção, dever aqui ser prestigiada. Ressalto que o parágrafo 1º do referido artigo 136 dispõe que “a licença a que se refere o ‘caput’ deste artigo deverá ser emitida preferentemente de modo eletrônico pelo sítio da Prefeitura na internet” e de fato tais licenças são emitidas por via eletrônica atualmente.

O artigo 5º deve ser vetado integralmente considerando que as disposições ali presentes engessam sobremaneira a Administração , em especial na necessidade de adequar as atividades econômicas da Cidade de Sao Paulo a depender da dinâmica econômica, que, como se sabe, é bastante intensa na maior metrópole da América Latina. Sem embargo, alguns incisos merecem considerações específicas e complementares.

Os incisos I e II, do artigo 5º se contrapõe aos incisos IX e X, do artigo 8º, considerando que se os primeiros tratam exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, os últimos são expressos ao tratar de autorização provisória e de análise prévia (no caso de atividades de médio risco) sem qualquer ressalva. Tal incongruência não enseja a perfeita compreensão do conteúdo e o real alcance que o legislador pretendeu dar à norma, tornando os dispositivos de difícil compatibilização.

Os incisos IX e XII, e o parágrafo 4º, todos do artigo 5º, já são atendidos pela Municipalidade por meio do programa Empreenda Fácil. Portanto, eles são desnecessários pois as medidas administrativas já estão em andamento.

No mesmo artigo 5º, o inciso X carece de razoabilidade. O dispositivo "estabelece aproximadamente o seguinte comando: "o contribuinte pode, ao seu talante, escolher como comprovar qualquer exigência da Administração Pública". Imagine-se o efeito prático disso: milhões de contribuintes decidindo livremente o modo de comprovar esta ou aquela obrigação. Trata-se, aqui também, de dispositivo prejudicial ao interesse público, além de inexequível do ponto de vista operacional e administrativo." Além do exposto, há que se ressaltar que o dispositivo em tela versa, em sua essência, sobre meio de prova e sua obtenção, cuja regulamentação foge à competência municipal. Conforme disposto no art. 22, I, da Constituição da República, compete à União legislar sobre Direito Civil e Processual e a temática já foi tratada pela “Lei de Liberdade Econômica” e pelo Decreto nº 10.278, de 18 de março de 2020.

Na mesma direção, a alínea “a”, do inciso XI, do art. 5º contraria o interesse público uma vez que repete dispositivo vetado quando promulgação da Lei Federal nº 13.874 (“Lei de Liberdade Econômica”). Em síntese, o dispositivo proposto sugere a possibilidade de instituição de ‘regime de tributação fora do direito tributário’, trazendo atecnia à norma, o que carece de sentido, precisão e clareza em seus termos, não ensejando a perfeita compreensão do conteúdo e alcance que o legislador pretendeu dar à norma.

O inciso XIII, do artigo 5º apresenta redação ambígua que, em certa acepção, redunda em ilegalidade e inconstitucionalidade. De um lado, poder-se-ia acreditar que o inciso em questão pretende garantir que não haja autuação sem a presença de advogado; nesse caso, o dispositivo seria claramente ilegal e inconstitucional (direta e reflexamente), por impedir a atividade fiscalizatória da Administração Tributária garantida pela Constituição Federal, pelo Código Tributário Nacional e por leis municipais. Vale relevar que a emenda Constitucional 42/2003, deixou expresso na Carta Magna pátria que as administrações tributárias dos vários entes federados são atividades imprescindíveis ao funcionamento do Estado, especificamente, em seu artigo 37, XXII, combinado com o artigo 167, IV. Nesta esteira, o artigo 195 do Código Tributário Nacional exclui a aplicação de quaisquer disposições legais que limitam ou excluam o direito de examinar livros, documentos, papeis, mercadorias, arquivos e efeitos fiscais ou comerciais, dos produtores ou comerciantes industriais, ou da obrigação destes de exibi-los. De outro, caso seja interpretado literalmente, no sentido de que o que está assegurado é apenas o "convite" à presença de advogado, e não a própria presença, o dispositivo é anódino, repetindo comando já previsto na Lei nº 17.262, de 13 de janeiro de 2020, que instituiu o Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte no Município de São Paulo.

Por seu turno, o inciso XIV, do artigo 5º é despiciendo, haja vista ser princípio geral de Direito a impossibilidade de sanção sem que a norma apresente parâmetros suficientes para sua aplicação.

O inciso XV, do artigo 5º afronta o artigo 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei Federal nº 4.657, de 4 de setembro de 1942), pois premia o contribuinte que alega desconhecer as leis. Além disso, o Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte no Município de São Paulo prevê em seu artigo 4º, VII, que o contribuinte tem direito a uma "efetiva educação tributária e a orientação sobre procedimentos administrativos". Corretamente, a lei aprovada trata com respeito o contribuinte, garantindo-lhe uma educação tributária com caráter de orientação e confiando em sua responsabilidade, autonomia e senso cívico, e sem cercear a legítima atividade fiscalizatória e sancionadora da Administração Tributária. Por derradeiro, cabe mencionar que a atividade de orientação ao munícipe se dá nos termos do artigo 16 da Lei nº 17.262/20, não sendo a fiscalização o “locus” adequado para tal fim.

O inciso XVI do artigo 5º apresenta impropriedade técnica, pois a Administração Pública não pode exigir certidão sem previsão em legislação (e não em lei em sentido estrito). Cuida-se, pois, de outro dispositivo que, mais do que desnecessário, não se justifica. 

Os parágrafos 1º, 2º e 3º, todos do artigo 5º devem ser vetados. Atualmente, o microempreendor Individual – MEI já recebe tratamento diferenciado conforme os preceitos da Lei nº 15.031/09, do Decreto nº 51.044/09 e do Decreto nº 51.583/10, dispensando-se a exigência Auto de Licença de Funcionamento - ALF para a maioria das atividades exercidas por estes tipos de empresas). Por sua vez, para os casos de MEI que há a exigência de se obter o Auto de Licença de Funcionamento - ALF, o interessado é comunicado pelo Prefeitura que há a necessidade de obter a licença de funcionamento no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data de sua inscrição no Cadastro de Contribuintes Mobiliários - CCM. Neste período a empresa pode funcionar através do Termo de Ciência e Responsabilidade com Efeito de Alvará de Licença e Funcionamento Provisório de que trata o artigo 8o da Resolução CGSIM nº 16, de 17 de dezembro de 2009. A obtenção do ALF (de forma definitiva) para estes casos é atualmente feito através de requerimento presencial junto à Subprefeitura e depende de análise técnica.

O artigo 8º também não tem condições de prosperar. É competência federal estipular normas gerais sobre a atividade econômica e suas decorrências, nos termos da Constituição federal. São exemplos do que afirmo as consideraçoes que podem ser realizadas e aproveitas para todos os dispostivos do artigo, como por exemplo, seus incisos XII, XIII, XIV, como segue.

O inciso XII, do artigo 8º, premia o contribuinte que alega desconhecer as leis e contraria, portanto, o artigo 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei Federal nº 4.657, de 4 de setembro de 1942). O mencionado inciso, do ponto de vista da arrecadação tributária, pode servir, por parte de contribuintes mal-intencionados, como justificativa ou corroboração para atos de supressão de tributos. Em suma, os contribuintes poderão livremente deixar de cumprir suas obrigações legais até que sejam, eventualmente, surpreendidos por uma fiscalização "para fins orientadores". Trata-se, ademais, de elemento fortemente desencorajador para o contribuinte que cumpre corretamente com seu dever de cidadão responsável e recolhe seus tributos tempestivamente.

O inciso XIII do artigo 8º possui difícil e indeterminada compreensão, o que, por si só, já é suficiente para seu veto, posto que não cumpre, desta forma, o necessário interesse público.

O inciso XIV do artigo 8º, estipula ser dever da Administração Pública "simplificação tributária através de alíquotas uniformes". Ocorre, entretanto, que somente lei em sentido estrito pode fixar alíquota de tributos municipais, nos termos do artigo 97, IV, do Código Tributário Nacional. O aludido inciso, assim, fere o pacto federativo, pois atribui ao Poder Executivo uma competência exclusiva do Poder Legislativo.

Já o artigo 10, caput e parágrafos, deve ser vetado pela sua colidência com o interesse público. A utilização da expressão "patrulha" ao longo do projeto de lei tem, em primeiro lugar, acepção militar ou policial, o que contraria seu destino uma vez que estamos a tratar de projeto de lei de natureza civil, aplicável a cidadãos civis. Esse empréstimo do termo, tenderia a normalizar, na vida civil, aspectos típicos de uma atuação ostensiva e repressora do Estado, aspectos esses que, a serviço de objetivos pouco delimitados, restariam voltados a seus próprios agentes no exercício de dever funcional, cujos atos gozam de presunção de legalidade e legitimidade. Com isso, considero essa expressão inaplicável aos direitos que o projeto de lei visa garantir e preservar.

Isto posto, explicitados os óbices que impedem a sanção integral do projeto aprovado, vejo-me na contingência de vetar os incisos I, III, IV, V, VI e o parágrafo único, todos do artigo 3º; o artigo 4º; o artigo 5º; o artigo 7º; o artigo 8º; o artigo 10, caput e parágrafos; do Projeto de Lei nº 126/21, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa Legislativa.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

RICARDO NUNES, Prefeito

Ao Excelentíssimo Senhor

MILTON LEITE

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo