Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 774/07
OF. ATL nº 30/09
Ref.: Ofício SGP-23 nº 00104/2009
Senhor Presidente
Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 18 de dezembro de 2008, referente ao Projeto de Lei nº 774/07, de autoria do então Vereador Beto Custódio e do Vereador Chico Macena, que cria o Programa Socioambiental das Cooperativas e Associações de Catadores da Coleta Seletiva com Integração e Gestão Compartilhada, e dá outras providências.
Segundo a justificativa apresentada por seus autores, a propositura tem por objetivo a inserção social, com geração de trabalho e renda, dos catadores de resíduos sólidos recicláveis, organizados em cooperativas ou associações autogestionárias no Município de São Paulo, considerando os problemas de sobrevivência enfrentados por esse grupo social especialmente vulnerável, bem como contribuir para a redução da poluição ambiental, por meio da coleta seletiva do lixo.
Entretanto, em que pese seu meritório propósito, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, nos termos das considerações a seguir aduzidas.
O projeto aprovado cria o programa supracitado, integrando-o ao Sistema de Limpeza Urbana do Município de São Paulo, instituído pela Lei nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002, e estabelece que as cooperativas e associações de catadores de resíduos sólidos prestarão serviços de coleta, triagem, beneficiamento e comercialização de resíduos sólidos recicláveis, bem como de educação ambiental, mediante permissão outorgada pela Prefeitura nos termos do artigo 67 da Lei nº 13.478, de 2002, e formalização de convênios, devendo ser remunerados por tonelada de resíduos triados, acrescidos de recursos para a capacitação dos catadores e a disponibilização de máquinas, equipamentos, veículos e outros bens, sem prejuízo da concessão ou permissão de uso de imóveis municipais. Determina também que os materiais reaproveitáveis recolhidos pelos caminhões da Coleta Diferenciada de resíduos sólidos domiciliares, operada pelos concessionários de serviços de limpeza urbana, sejam entregues a essas cooperativas ou associações para triagem, beneficiamento e comercialização, de acordo com o Plano de Trabalho da Coleta Diferenciada, a ser elaborado pela Prefeitura; cria o Conselho Gestor do referido programa, formado por 18 membros, definindo sua composição, competências e mandato e, por fim, altera a redação do artigo 68 da Lei nº 13.478, de 2002.
Desde logo, resta patente que, ao criar e disciplinar minudentemente o aludido programa, nos moldes acima descritos, estabelecer conceitos, procedimentos e ônus a cargo do Poder Público, modalidade de ajuste, critérios de remuneração, instituir colegiado e atribuir-lhe competências, inclusive deliberativas, e dispor sobre permissão de uso de bens municipais e para prestação de serviços, a propositura legisla sobre matéria atinente à organização administrativa, incorrendo em clara ingerência nas atividades e atribuições dos órgãos municipais da área de serviços e limpeza urbana, haja vista que lhes impõe novos encargos e obrigações, com evidente interferência em assunto de competência do Executivo.
Por outro lado, a efetivação da medida importa aumento de despesas, sem contar com a indicação dos recursos correspondentes, achando-se desprovida da imprescindível previsão de verbas para seu atendimento. Envolve, pois, questão de natureza orçamentária, ao mesmo tempo em que desatende as normas estatuídas pela Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000.
Indiscutivelmente, as leis que tratam de organização administrativa e matéria orçamentária são de iniciativa privativa do Prefeito, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, razão pela qual a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, malferindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 5º da Constituição do Estado de São Paulo e no artigo 6º da Lei Maior Local.
A par da apontada inconstitucionalidade, o texto vindo à sanção incide em irremediável ilegalidade, por contrariar os princípios e a sistemática adotados pela legislação municipal que rege o assunto, conflitando, ainda, com o interesse público.
Com efeito, a Lei nº 13.478, de 2002, que dispõe sobre a organização do Sistema de Limpeza Urbana do Município de São Paulo, determina, em seus artigos 67 a 71, que o órgão municipal competente, qual seja, a Secretaria Municipal de Serviços, por intermédio do Departamento de Limpeza Urbana, outorgará permissão às cooperativas de trabalho integradas por catadores de resíduos sólidos recicláveis, para a prestação de serviços de limpeza urbana de coleta seletiva de lixo e de triagem do material coletado, em regime público, na forma prevista na referida lei e em sua regulamentação, consubstanciada no Decreto nº 48.799, de 9 de outubro de 2007, que confere normatização ao Programa Socioambiental de Coleta Seletiva de Resíduos Recicláveis.
O programa regido pelo decreto supracitado tem, dentre seus objetivos, o estímulo à geração de emprego e renda, por meio das referidas atividades, assim como o fomento à formação de cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis, com vistas ao resgate da cidadania desse segmento da população, como política de inclusão social. Sua coordenação geral cabe à Secretaria Municipal de Serviços, por intermédio do Departamento de Limpeza Urbana, competindo-lhe também estabelecer diretrizes, normas e procedimentos para a implementação, gerenciamento, fiscalização e controle do Programa, além de fixar as atribuições das cooperativas e associações e as respectivas áreas de atuação, nos termos de seus artigos 2º, 4º e 6º.
Diversas são as divergências entre o projeto aprovado e a sistemática adotada pela legislação municipal.
Primeiramente, no tocante ao aspecto formal, verifica-se que a matéria não comporta normatização por lei, tendo a Lei nº 13.478, de 2002, elegido o decreto como instrumento apto a regulá-la, nos expressos termos do “caput” de seu artigo 67 e do parágrafo único de seu artigo 68, por melhor atender à necessidade de adequação e aperfeiçoamento permanentes do Programa.
No que se refere ao mérito, observa-se que a propositura cria um Conselho Gestor para o Programa, a ele atribuindo praticamente todas as competências que incumbem privativamente ao Executivo, conferidas à Secretaria Municipal de Serviços, por intermédio do Departamento de Limpeza Urbana - LIMPURB, órgão regulador dos serviços de limpeza urbana, conforme preceituam os artigos 11, 12 e 67, combinados com o § 1º do artigo 242, todos da Lei nº 13.478, de 2002, e o artigo 4º do Decreto nº 48.799, de 2007, dentre as quais destacam-se: credenciar a entidade, coordenar e supervisionar os serviços de Programa, definir a área geográfica de atuação de cada cooperativa ou associação, fiscalizar a utilização dos recursos repassados e, até mesmo, dirimir dúvidas e gerir conflitos.
Constituído majoritariamente por membros de entidades representativas dos próprios interessados e de segmentos a eles relacionados, o Conselho Gestor, de caráter deliberativo, consultivo e fiscalizador, acaba por se sobrepor aos órgãos municipais mencionados, invadindo suas competências, além de submeter à discricionariedade do próprio colegiado todo o funcionamento do Programa, o que não apenas colide com a normatização em vigor, como também compromete o desenvolvimento das medidas em apreço, em flagrante desconformidade com o interesse público.
No que tange à forma de remuneração, a ser calculada por toneladas de resíduos coletados, acrescida de recursos para capacitação profissional e de disponibilização de bens, cumpre ressaltar que o critério escolhido pela propositura, em virtude da inconstância e da sazonalidade dos materiais coletados, impossibilita a previsão orçamentária para disponibilização de recursos financeiros destinados ao pagamento dos serviços prestados, restando por inviabilizar a execução do Programa, além de desatender a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Acresça-se, ainda, que a Administração Municipal, nos termos dos ajustes celebrados em consonância com os sobreditos diplomas legais, já disponibiliza máquinas, equipamentos, veículos, imóveis e custeio de despesas às cooperativas e associações, que se beneficiam da comercialização do material reciclável coletado, resultando, assim, injustificável e infundada a forma de remuneração pretendida pela propositura.
Igualmente incabível a imposição à Prefeitura no sentido de elaborar Plano de Trabalho de Coleta Diferenciada, a ser cumprido pelos concessionários dos serviços de limpeza urbana, vez que tal atribuição não encontra guarida na Lei nº 13.478, de 2002, exorbitando, portanto, o âmbito das obrigações legais a cargo dos concessionários.
O projeto, ademais, estabelece que as cooperativas e associações prestarão também serviços de educação ambiental, o que excede o campo das atribuições dessas entidades e colide com os objetivos do Programa, que apenas visa incentivar ações de educação ambiental e não impor a prestação de serviços dessa natureza, nos termos do inciso III do artigo 2º e do inciso IV do artigo 3º, ambos do Decreto nº 48.799, de 2007.
Também a pretendida integração de catadores autônomos ao Programa contraria os princípios adotados na legislação municipal, segundo os quais o Programa se destina às cooperativas e associações legalmente constituídas, não contemplando a participação de pessoas físicas, a teor dos artigos 67 a 71 da Lei nº 13.478, de 2002, e do Decreto nº 48.799, de 2004.
Demais disso, o projeto padece de outras impropriedades, como aquela que permite às cooperativas ou associações “usar seus próprios meios para a coleta dos resíduos sólidos recicláveis, assim como para as demais atividades dos serviços”, veiculada no § 2º de seu artigo 3º, vez que, a par dos riscos e danos que podem advir do emprego de meios inadequados, a disposição infringe a regra estampada no inciso IV do artigo 69 da Lei nº 13.478, de 2002, que inclui, dentre as obrigações dos permissionários, “utilizar somente os meios de identificação e os equipamentos de coleta, segurança, conservação e limpeza designados pela Prefeitura”, em harmLei Federal nº 8.666, de onia com o disposto no inciso XXVII do “caput” do artigo 24 da 21 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei Federal nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, de observância obrigatória por todos os entes federados.
Por conseguinte, constata-se que toda a matéria versada na propositura já se encontra devidamente normatizada pela legislação municipal, que lhe confere tratamento legal e técnico próprio, com o qual não se coaduna o projeto de lei em comento, evidenciando sua inconstitucionalidade, ilegalidade e descompasso com o interesse público.
Nessas condições, à vista das razões ora expendidas, que demonstram os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, vejo-me compelido a vetá-lo na íntegra, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo