Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 703/97
Ofício ATL nº 183/03
Senhor Presidente
Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0108/2003, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 703/97, de autoria do Vereador Salim Curiati, que dispõe sobre a criação do Instituto da Adoção e do Amparo Maternal, vinculado à Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura do Município de São Paulo.
Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se veto total ao texto aprovado, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das razões a seguir aduzidas.
A propositura, em resumo, cria o “Programa da Adoção e do Amparo Maternal“, com a finalidade de orientar os interessados na adoção de crianças e amparar a maternidade, assistindo às gestantes no período anterior e posterior da gravidez, bem como determina a designação de servidores pertencentes aos quadros das várias secretarias e órgãos municipais para ficarem à disposição da Secretaria de Assistência Social; também prevê a possibilidade de serem celebrados convênios com entidades públicas e privadas para essa finalidade.
Para a adequada análise da matéria objeto da propositura, é de se considerar que o projeto de lei original previa a criação do “Instituto da Adoção e do Amparo Maternal”. Tal concepção veio a ser alterada mediante substitutivo da Comissão de Saúde, Promoção Social e Trabalho, que modificou o artigo 1º para contemplar a criação do “Programa da Adoção e do Amparo Maternal”.
Diante disso, restaram divergentes a ementa, que diz respeito à criação de um “instituto” vinculado à Secretaria de Assistência Social — portanto novo órgão de sua estrutura —, e o corpo da lei decretada, pela qual aprovou-se a instituição de um “programa”.
Em razão dessa modificação, também restou flagrantemente inadequada a disposição constante do artigo 3º do texto, que determina a designação de servidores das várias secretarias e órgãos municipais para ficarem à disposição da referida Pasta. Tal providência, pela proposta original do nobre Vereador, visava a possibilitar a formação do quadro funcional do pretendido instituto, sendo, a toda evidência, desnecessária e despropositada para o desenvolvimento das atividades do programa a final aprovado, o qual poderia seguramente ser implementado pelos próprios servidores de SAS.
Além disso, da data da apresentação da proposta até sua votação em plenário, houve substantiva mudança no arcabouço jurídico, com a municipalização da assistência social na esteira das determinações da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei Federal nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993), que assim dispõe em seu artigo 8º:
“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, observados os princípios e diretrizes estabelecidos nesta lei, fixarão suas respectivas Políticas de Assistência Social.”
No Município de São Paulo, a Secretaria de Assistência Social é o órgão gestor da Política Municipal de Assistência Social, tendo assumido como diretriz a descentralização e a municipalização dos atendimentos à criança e ao adolescente em situação de risco pessoal e social.
Para efetivar tais responsabilidades foi editado o Comunicado 48/01, de SAS, que trata das linhas gerais de atuação nessa área, entre as quais se encontra a diretriz concernente a que “a médio prazo a SAS possa propor, em conjunto com as Secretarias Municipais, Conselhos Tutelares, Justiça da Infância e Juventude, um plano de retorno das crianças abrigadas para suas famílias, se possível, guarda, adoção e República Jovem (convivência familiar e comunitária)”.
Na seqüência de considerações a respeito da proposta aprovada, nota-se que, ao criar o “Programa da Adoção e do Amparo Maternal”, ela estabelece dois objetivos. O primeiro consiste na orientação aos interessados na adoção de crianças e o segundo tem em mira o amparo à maternidade.
Todavia, a orientação preconizada está contida nas atribuições do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, criado pela Lei nº 11.123, de 22 de novembro de 1991, regulamentada pelo Decreto nº 31.319, de 17 de março de 1992. Portanto já tem disciplina apropriada no Município de São Paulo.
Com efeito, o artigo 8º da citada Lei nº 11.123/91, que estabelece as competências do CMDCA, dispõe em seu inciso XIII, verbis:
“Art. 8º. Compete ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente:
...........................................................................................
XIII – divulgar a Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – dentro do âmbito do Município, prestando à comunidade orientação permanente sobre os direitos da criança e do adolescente.”
Como deflui do exame do citado dispositivo legal, a orientação aos interessados em adoção de crianças já é contemplada pela legislação municipal, pois o instituto da adoção insere-se nas normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, a teor de seu artigo 39, cabendo ao mencionado Conselho divulgá-lo e orientar a população sobre os direitos da criança nele previstos.
A Justiça da Infância e da Juventude, por sua vez, possui a competência legalmente atribuída para conhecer os pedidos de adoção e seus incidentes, a teor do artigo 148, inciso II, também da Lei Federal nº 8.069/90.
Assim, o papel da Prefeitura Municipal é de orientação aos interessados tão-somente no sentido de que devem dirigir-se a uma das Varas da Infância e da Juventude, onde são informados do procedimento que devem realizar para a adoção pretendida. Ademais, é amplamente divulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, com exemplares distribuídos gratuitamente à população.
Quanto ao amparo à maternidade, também há no Município tratamento legislativo adequado. De fato, a Lei nº 13.211, de 13 de novembro de 2001, instituiu o Programa de Proteção da Saúde da Gestante e do Recém-Nascido, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal da Saúde, tendo sido devidamente regulamentado pelo Decreto nº 42.135, de 25 de junho de 2002.
Tal Programa encontra-se em pleno funcionamento e tem, dentre outras finalidades, nos termos do artigo 2º, inciso I, do referido diploma legal, o objetivo pretendido pela propositura, uma vez que visa a “assegurar à mulher e ao recém-nascido a assistência integral à saúde, incluindo pré-natal e pós-parto”.
À vista dessas considerações, fica claro que o projeto aprovado adentra seara alheia, pois as leis que tratam de organização administrativa, serviços públicos e atribuições de órgãos municipais são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, por força do disposto, respectivamente, no inciso IV do § 2° do artigo 37 e no inciso XVI do artigo 69, ambos da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Por outro lado, é mister ressaltar que a medida pressupõe a existência de verbas, importando aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, achando-se em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 a 17.
Destarte, a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências específicas do Executivo, configurando-se infringência ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Não obstante as razões de inconstitucionalidade e de ilegalidade apontadas sejam suficientes para fundamentar o veto integral ao texto aprovado, verifica-se estar também configurada a contrariedade ao interesse público.
De fato, como se pode observar, a legislação em vigor já contempla o objeto da propositura, sendo totalmente contrária ao interesse público a superveniente edição de norma legal que venha a dispor pontualmente sobre matéria que demanda tratamento normativo sistemático e que tem disciplina estabelecida, com a devida definição dos órgãos competentes, criados pela Constituição Federal e pela legislação complementar, em evidente detrimento do interesse maior na busca de sua consolidação, consoante previsto na Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998 (alterada pela de nº 107/01), segundo a qual as leis com matérias conexas ou afins devem ser reunidas, mediante sua integração em diplomas legais únicos relativos a temas específicos.
Pelo exposto, estou impedida de acolher o texto vindo à sanção, o que me compele a vetá-lo inteiramente, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Devolvo o assunto, pois, à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao
Excelentíssimo Senhor
ARSELINO TATTO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo