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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 616/1999; OFÍCIO DE 25 de Março de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 616/99

Ofício ATL nº 117/03

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0044/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica de lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 18 de fevereiro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 616/99.

De autoria do Vereador Celso Cardoso, o projeto estabelece ao Executivo a obrigatoriedade de apresentação de um plano destinado à realização da poda anual das árvores plantadas nos logradouros públicos que especifica.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu ilustre autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por manifesta inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das razões a seguir aduzidas.

A mensagem aprovada obriga o Executivo Municipal a apresentar, por ocasião da entrada do inverno, um plano de poda anual para as árvores plantadas nas calçadas dos logradouros públicos localizados no Município de São Paulo, o qual deverá estabelecer um cronograma para esse tipo de serviço, independentemente de solicitação dos munícipes, observando, no mínimo, os seguintes fatores: a urgência decorrente de prejuízos causados à rede elétrica, às tubulações de água e esgoto ou à estrutura das residências situadas no entorno, os aspectos relacionados à segurança da circulação de pedestres e a utilização da estrutura regionalizada da Administração Municipal.

Patente, pois, que a medida versa sobre a realização de um serviço público, consistente na poda periódica das árvores situadas em logradouros públicos, as quais são conceituadas expressamente como bens de interesse comum a todos os munícipes, nos termos do artigo 3º da Lei Municipal nº 10.365, de 22 de setembro de 1987, legislando, portanto, sobre matéria relativa a organização administrativa, serviços públicos e administração de bens municipais, mediante a imposição de procedimentos e encargos geradores de despesas para o erário, o que é vedado ao Legislativo, por expressa disposição legal.

Com efeito, as leis que tratam de organização administrativa e serviços públicos são de iniciativa privativa do Prefeito, a quem compete igualmente a administração dos bens municipais, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 e no artigo 111 da Lei Maior Local, respectivamente.

Indiscutivelmente, o texto aprovado extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências específicas do Executivo, incidindo em nítida ingerência nas atribuições de servidores e órgãos municipais competentes, ao tornar obrigatória e geral, inclusive determinando sua periodicidade, providência cuja adoção depende, necessariamente, de prévia avaliação técnica das características de cada caso específico. Configura, assim, infringência ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido nos artigos 5º da Constituição Estadual e 6º da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Por outro lado, é mister ressaltar que a medida determina a ampliação de um serviço público de grandes dimensões e elevados custos, o qual demanda a existência de verbas para a contratação de pessoal habilitado, aquisição de equipamentos de segurança e de veículos especiais e elaboração de laudos técnicos. Importa, pois, considerável aumento de despesas, sem a indicação dos recursos correspondentes, achando-se em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com os artigos 15 e 16 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o que a inquina simultaneamente de inconstitucionalidade e ilegalidade.

Aliás, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

“Dessa forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5º, “caput”, da Constituição do Estado.

...............................................................................

A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado” (ADIN nº 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., j. em 19.05.99; no mesmo sentido: ADIN nº 59.744.0/1 – Rel. Des. Mohamed Amaro, ADIN nº 11.676-0; Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN nº 11.803-0, Rel. Des. Yussef Cahali; ADIN nº 65.779-0/0, Rel. Des. Flávio Pinheiro).

Não obstante as razões de inconstitucionalidade e ilegalidade apontadas sejam suficientes para fundamentar o veto integral do texto aprovado, a propositura apresenta-se contrária ao interesse público, incorrendo, ainda, em impropriedades de natureza técnico-legislativa que não recomendam sua conversão em lei.

Inicialmente, cabe ressaltar que, embora a justificativa e o "caput" do artigo 1º da mensagem aprovada refiram-se à obrigatoriedade do Executivo Municipal apresentar, anualmente, um plano de poda de árvores, sua ementa e os parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo mencionam, expressamente, a apresentação de um plano destinado à realização de poda anual, o que não apenas modifica o sentido e o alcance da obrigação imposta como também gera insanável dúvida na compreensão de seu exato significado, conduzindo à inevitável indagação: a periodicidade anual deve ser obedecida na elaboração do aludido plano ou na realização da poda?

Como se vê, a falta de precisão e clareza do texto ora vetado não permite resposta segura, em razão das imperfeições técnico-legislativas de que se reveste, em descumprimento ao disposto no "caput" do artigo 11 da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Tal aspecto, aliado às razões de ordem técnica e legal que adiante serão expostas, resultam na impossibilidade de sua aplicação.

Impende ressaltar que, na esfera municipal, a questão relativa aos cuidados de preservação das árvores tem sido objeto de preocupações e providências efetivas por parte do Executivo, estando normatizada pela Lei nº 10.365, de 22 de setembro de 1987, a qual disciplina o corte e a poda de vegetação de porte arbóreo existente no Município de São Paulo, regulamentada pelo Decreto nº 26.535, de 3 de agosto de 1988.

Assim é que, dada a indiscutível importância do tema para o meio ambiente, o supracitado diploma legal define, em seus artigos 1º e 3º, como bens de interesse comum a todos os munícipes, a vegetação de porte arbóreo existente ou que venha a existir no território do Município de São Paulo, compreendendo também as mudas de árvores plantadas nos logradouros públicos.

Veja-se, inclusive, que seu artigo 4º conceitua como de preservação permanente a vegetação de porte arbóreo que, por sua localização, extensão ou composição florística, constitua elemento de proteção ao solo, à água e a outros recursos naturais ou paisagísticos, abrangendo, por exemplo, aquela situada em parques, praças e outros logradouros públicos e a existente em regiões carentes de áreas verdes.

Cabe salientar, ainda, que de acordo com o artigo 11 da referida lei, a supressão ou a poda de árvore só podem ser autorizadas, mediante prévia manifestação do engenheiro agrônomo responsável, nas seguintes circunstâncias: se o corte for indispensável à realização da obra em terreno a ser edificado; quando seu estado fitossanitário justificar tal providência; se apresentar risco iminente de queda; nos casos em que esteja causando comprováveis danos permanentes ao patrimônio público ou privado; quando constituir obstáculo fisicamente incontornável ao acesso de veículos; se seu plantio irregular ou propagação espontânea impossibilitar o desenvolvimento adequado de árvores vizinhas e, finalmente, quando se tratar de espécies invasoras, com propagação prejudicial comprovada.

Verifica-se, pois, que o corte e a poda constituem medidas extremas, somente autorizadas pelos órgãos municipais competentes nas hipóteses em que restarem comprovadamente imprescindíveis e após esgotados todos os demais meios possíveis, não sendo admitida sua adoção sistemática e indiscriminada, a título de providência de rotina a ser promovida anualmente, como pretende a mensagem aprovada.

Por outro lado, cumpre assinalar que, ao contrário do que comumente se pensa, a poda não traz benefícios nem constitui necessidade fisiológica das árvores empregadas na arborização urbana, as quais, em sua maioria de clima tropical e subtropical, precisam do pleno desenvolvimento de suas copas para se manterem saudáveis e bonitas.

Já as espécies de clima temperado ou frio, como as árvores frutíferas, entram em dormência e perdem suas folhas no inverno, a fim de poupar suas reservas, podendo ser podadas nesse período.

As demais, porém, só podem ser podadas nos casos emergenciais previstos na legislação municipal, recomendadas, por exemplo, quando causarem danos à rede elétrica, às tubulações de água e esgotos, à estrutura ou à segurança de edificações, pedestres e veículos, assim também se houver risco de queda ou de seus galhos se desprenderem facilmente, como os dos eucaliptos e guapuruvás e, ainda, quando apresentarem grande inclinação, com desequilíbrio de seu peso, ou galhos secos, mal formados ou doentes.

A propósito, como bem observa o eminente ambientalista e Engenheiro Agrônomo Prof. José Lutzemberger, em seu trabalho intitulado "A absurda poda anual" (Coleção Universidade Livre), “... a poda constitui medida de emergência, nunca de rotina".

Por conseguinte, é imperioso concluir que razões não apenas de ordem legal como notadamente de natureza técnica demonstram o incontornável equívoco em que incide a propositura e a absoluta impossibilidade de sua aplicação, ao determinar que a poda seja realizada de modo compulsório, anualmente, sem considerar a situação e as características específicas das árvores a que se refere, podendo lhes causar até a morte.

A medida, pois, além de achar-se em desacordo com a legislação municipal que rege o assunto, afigura-se contrária ao interesse público, à vista dos prejuízos irreversíveis que sua execução poderá acarretar ao meio ambiente e à vegetação arbórea de nosso Município, a qual, dentre muitos aspectos relevantes, auxilia a regularizar o regime de chuvas, serve de abrigo e dá alimentos às aves, ameniza a temperatura, produzindo sombra, retém parte dos poluentes em suas copas, compõe marcos referenciais e humaniza a cidade.

Finalmente, compete assinalar que a Administração Municipal tem adotado efetivas providências voltadas à preservação e à recuperação das árvores, a fim de agilizar a realização de podas quando necessárias, estando atenta ao aumento da queda de espécies arbóreas, ocorridas especialmente no corrente ano, em virtude de senilidade, excessiva impermeabilização do solo, ataque de pragas e doenças, poda ou plantio clandestino inadequado, podas mal realizadas pelas concessionárias de serviços públicos e árvores mutiladas pela população.

Além de seminários sobre arborização urbana promovidos pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, deverá ser publicado, em breve, o Manual de Arborização, achando-se, ainda, em vias de contratação o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (I.P.T.), visando à realização de diagnóstico e análise do risco de queda das árvores em todo o território municipal, bem como de estudos de gestão da arborização urbana, contemplando o cadastramento das árvores, o acompanhamento das intervenções e relatórios gerenciais.

Pelo exposto, ante as razões apontadas, que evidenciam a inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público que maculam irremediavelmente o texto aprovado, vejo-me compelida a vetá-lo na íntegra, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao Excelentíssimo

Senhor ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo