Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 60/05
Ofício ATL nº 123/05
Ref.: Ofício SGP 23 nº 1917/2005
Senhor Presidente
Nos termos do ofício acima referido, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 60/05, de autoria do Vereador Abou Anni, que dispõe sobre a venda de gêneros alimentícios no transporte coletivo de passageiros, terminais e pontos de ônibus, e dá outras providências.
Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, o que faço nos termos do § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, na conformidade das razões a seguir aduzidas.
A propositura, em síntese, autoriza a venda de alimentos no interior do transporte público municipal, terminais e pontos de ônibus; dispõe sobre o tipo, quantidade, acondicionamento e modo de venda dos produtos; proíbe sua comercialização nos locais mencionados se houver comércio regular do mesmo gênero no raio de 100 metros circunvizinhos; obriga, finalmente, a identificação dos vendedores, por meio de trajes padronizados e registro no órgão competente.
Embora não seja claramente definido no texto aprovado, de imediato percebe-se que a matéria diz respeito ao comércio realizado pelos vendedores ambulantes.
Essa categoria de trabalhadores já tem seus lindes normatizados na Lei nº 11.039, de 23 de agosto de 1991, que disciplina o exercício do comércio ou prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos do Município. Nesse diploma legal, a matéria é tratada de forma sistemática e abrangente das várias situações fáticas existentes, inclusive aquelas de que trata o texto vindo à apreciação.
Com efeito, o artigo 1º da lei citada estabelece que “o comércio e prestação de serviços nas vias e logradouros públicos poderão ser exercidos, em caráter precário e de forma regular, por profissional autônomo, de acordo com as determinações contidas nesta lei”. Em seu artigo 5º, § 1º, é classificado como efetivo o ambulante que exerce a atividade “carregando junto ao corpo a sua mercadoria”. Nessa definição está englobado o trabalhador a que refere a propositura, a qual exige que “o acondicionamento dos gêneros alimentícios deverão ser transportados por meios portáteis, vedando-se a utilização de apoios fixos” (artigo 2º).
A regulamentação e o controle da atividade são feitas no âmbito das Subprefeituras, cabendo, nos termos do artigo 9º do citada lei, ao Subprefeito a “competência de baixar os atos atinentes ao comércio ambulante e à prestação de serviços em vias e logradouros públicos da sua Região Administrativa”, com a outorga de permissão de uso às pessoas físicas que físicas que satisfaçam as disposições legais. Compete-lhe, também, indicar precisamente os locais adequados para o exercício da atividade de acordo com os critérios fixados na lei.
Essa análise, de outra parte, deve levar em conta e estar em harmonia com as disposições da Lei nº 13.241, de 12 de dezembro de 2001, que organiza os serviços do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros na Cidade e autoriza o Poder Público a delegar sua execução. Pelo seu artigo 7º, poderá, ainda, ser delegada a terceiros, operadores do transporte ou não, individualmente ou em consórcio, sob o regime de concessão, a exploração dos bens públicos vinculados ao Serviço, mediante prévio procedimento licitatório. O Executivo pode, também, conceder o uso de próprios municipais para serem utilizados pelo operador diretamente na exploração do serviço concedido ou em empreendimentos associados, de acordo com as condições definidas no edital e no contrato.
Assim, com o advento da citada Lei nº 13.241, de 2001, procedeu-se, como é sabido, à delegação, sob a forma de concessão e permissão, dos serviços públicos de transporte, segundo as normas da lei e as disposições dos editais.
Os contratos de concessão e permissão firmados, diante das características próprias decorrentes da natureza jurídica dos institutos, prevêem a operação dos serviços por veículos de propriedade dos contratados, nas condições e formas definidas em edital, com direitos e obrigações recíprocas, observada a proposta comercial e operacional ofertada na licitação.
Nesse sentido, toda a determinação imposta pelo Poder Público ao concessionário ou permissionário dos serviços essenciais deve levar em consideração o custo envolvido para sua implantação, a aplicabilidade da medida com base na conveniência e interesse públicos frente aos usuários, os benefícios dela advindos e, acima de tudo, se não confronta com as disposições contidas nos contratos firmados.
Isso ocorre porque qualquer modificação que envolva a prestação de serviços e seus acessórios implica diretamente a alteração do respectivo contrato, sendo necessário o concessionário ou permissionário com ela concordar, principalmente se acarretar, por qualquer forma, elevação dos custos.
Além disso, no caso dos terminais de integração e pontos de parada, nos termos de norma expressa da lei específica e das disposições constantes do edital, estão devidamente regulamentadas as questões atinentes à obtenção de receitas acessórias com publicidade e a possibilidade de instalação de comércio local, o que já vem ocorrendo.
Outro impedimento à aplicabilidade da lei reside no fato de que o Sistema de Transporte hoje operante exige a utilização de bilhete eletrônico, não permitindo o acesso ao interior do veículo sem a devida cobrança de tarifa por meio da catraca eletrônica. O vendedor ambulante necessitaria, então, de “passe livre” para poder circular no interior do veículo, o que não está previsto no Sistema.
Em resumo, o texto aprovado dispõe sobre matéria cabalmente disciplinada, de modo abrangente e adequado, pelas leis antes referidas, matéria, aliás, de nítido cunho administrativo, que se insere na órbita de competência do Executivo, por cuidar de serviço público e administração dos bens municipais, “ex vi” do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, e no artigo 70, inciso VI, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Finalmente, não se pode deixar de apontar os inúmeros e claros inconvenientes desse comércio dentro dos veículos, seja no que toca à circulação e segurança dos passageiros, seja quanto aos aspectos sanitários e de higiene envolvidos por se tratar de gêneros alimentícios.
Por todo o exposto, vejo-me compelido a vetar na totalidade o texto aprovado, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo a matéria ao conhecimento dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-la.
Valho-me da oportunidade para renovar a Vossa Excelência meus protestos de elevado apreço e distinta consideração.
JOSÉ SERRA
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ROBERTO TRIPOLI
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo