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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 576/1997; OFÍCIO DE 13 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 576/97

OF ATL Nº 043/04

Senhor Presidente

Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0774/2003, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 576/97, de autoria do Vereador Milton Leite, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 27 de novembro de 2003, que proíbe o movimento de terra de outubro a abril (corte, aterro e transportes), e dá outras providências, no Município de São Paulo.

Embora reconhecendo os meritórios propósitos que nortearam o seu nobre proponente, impõe-se o veto total à medida aprovada, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir aduzidas.

É de se observar que, no âmbito municipal, a Lei nº 11.380, de 17 de junho de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 41.633, de 23 de janeiro de 2002, de forma mais ampla e sistemática, já contempla o assunto abordado na propositura, e isso faz em absoluta consonância com a Lei nº 11.228, de 25 de junho de 1992 - Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo – COE e com a Lei nº 9.413, de 30 de dezembro de 1981 – Lei do Parcelamento do Solo.

A Lei nº 11.380, de 1993 — que dispõe sobre a execução de obras nos terrenos erodidos e erodíveis e sobre a exigência de alvará para movimento de terra — e seu decreto regulamentar estão vinculados ao COE, adotando os mesmos procedimentos para alvará de aprovação, execução e certificado de conclusão. O texto vindo à sanção, ao contrário, cria procedimentos novos, desassociados daqueles prescritos pelo mencionado Código.

Por exemplo: a Lei nº 11.380, de 1993, define que a atividade de movimento de terra depende de licença prévia quando enquadrada em situação que modifique o perfil do terreno com alteração superior a 1,00 m. de desnível ou a 1.000,00 m3 de volume, ou modifique a superfície do terreno em área igual ou superior a 1.000,00 m2, bem como em se tratando de terrenos especiais, quais sejam, os pantanosos, alagadiços, localizados em área de proteção ambiental, lindeiros a cursos d’água, sujeitos a erosão e com declividade superior a 30%. Tal disciplina vem a complementar as disposições do COE que, de igual maneira, exige mencionada licença nas mesmas situações.

A propositura, inversamente, abrange tanto as grandes obras — implantação de loteamentos, conjuntos habitacionais ou complexos industriais e comerciais — quanto as de médio e pequeno porte, imprimindo, também, às últimas, a necessidade de aprovação de diretrizes e de projeto, encarecendo-as sem motivo que o justifique e apresentando-se como um obstáculo à sua execução.

O critério da legislação atual é mais coerente que o proposto na mensagem aprovada. Vale citar, também, a título de demonstração, o que ocorre no caso da habitação unifamiliar. Enquanto o Decreto nº 41.633, de 2002, compatibiliza suas exigências com as previsões do COE e respectivo decreto regulamentar, explicitando a prevalência dos últimos diplomas nesses casos, a mensagem em análise simplesmente omite o procedimento a ser tomado nessa hipótese, ocasionando dúvida. Acrescente-se que esse tipo de edificação é normalmente executado sem o tratamento técnico adequado, o que torna possível um movimento de massa de grande porte desencadeado por um movimento de terra de pequena proporção. Por outro lado, há outras situações que poderiam ensejar a dispensa das exigências, afigurando-se, pois, impreciso o critério adotado pela mensagem do nobre Vereador.

A mensagem aprovada, conflita, igualmente, com a Lei nº 11.228, de 1992, ao exigir a doação de faixa não edificável junto a rios e córregos na medida de 25 a 40 metros, enquanto o COE reclama, tão somente, 15 metros. Ademais, inova os procedimentos fiscalizatórios e sanções, criando situações diferentes daquelas que hoje constam no COE para o mesmo assunto.

Além disso, o Decreto nº 41.633, de 2002, observa as posturas da legislação municipal de parcelamento do solo (Lei nº 9.413, de 1992), ao permitir, por exemplo, que o pedido de licença do movimento de terra seja analisado e decidido simultaneamente com o projeto edilício ou de loteamento.

A propositura, ao invés, traz novas e desnecessárias obrigações referentes ao parcelamento do solo, ultrapassando o assunto que lhe deu origem, ou seja, o movimento de terra. Isso ocorre ao tratar de diretrizes a serem expedidas pela Prefeitura, aprovação de projetos de obras e sua execução, cronograma de execução de obras, garantia de ressarcimento de danos, penalidades, terrenos situados ao longo de ferrovias, vias expressas e rodovias, em descompasso com a disciplina já contida na legislação de parcelamento do solo vigente no âmbito municipal – Lei nº 9.413, de 1979 - e federal – Lei nº 6.766, de 1979.

Ora, a Lei nº 9.413, de 1981, prevê quatro tipos de loteamento com exigências diferenciadas para cada qual, sendo que para o loteamento popular – tipo L3 – os requisitos atinentes às suas obras são menos restritivos que os preconizados pela medida em comento.

Na realidade, ao fazer exigências excessivas para a execução do movimento de terra, o qual decorre sempre de uma obra, o texto aprovado traz em si uma verdadeira inversão de valores, fazendo parecer que o primeiro prevalece sobre a última.

Enfim, a lei e o decreto em vigor, específicos sobre o assunto, complementam tanto o COE como a Lei de Parcelamento, explicitando aspectos neles não previstos. Contudo, isso não ocorre nos diversos dispositivos que compõem o texto da mensagem aprovada.

É de lembrar, mais, que o transporte e deposição de material em “bota-fora”, limpeza das vias e logradouros públicos utilizados pelos veículos, providências de sinalização de trânsito, saneamento de terrenos por motivo de aterramento com materiais nocivos à saúde pública são assuntos disciplinados pela legislação municipal, estadual e federal, dispondo a Administração Municipal de regramento suficiente para o controle dessas ações particulares.

Cumpre asseverar que a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA nº 307, de 5 de julho de 2002, que estabelece diretrizes para a gestão de resíduos da construção civil, proíbe a disposição dos solos provenientes de terraplanagem em áreas de “bota-fora”, classificando esse material como reutilizável ou reciclável. A propositura, ao revés, induz o construtor a essa prática ilegal e tecnicamente incorreta, o que não se pode admitir.

Há, ainda, de se considerar outros problemas que a proposta em análise origina, como ocorre ao prever o embargo da obra se o movimento de terra não se consumar no prazo fixado. Ora, a simples paralisação da obra poderá causar dano maior ao ambiente do que aquele que se pretende evitar com a sua efetivação.

Forçoso reconhecer que o projeto de lei aprovado, em vez de veicular normas modernas e adequadas acerca da matéria, estabelece, de modo inoportuno, diversas regras e disposições contrárias à legislação federal, estadual e municipal em vigor, causando dificuldades de ordem prática para o contribuinte e para a ação administrativa da Prefeitura.

Conclui-se, do exposto, que o mero cumprimento da legislação vigente atinge, na prática, e de maneira mais eficaz, o intento focalizado na propositura. Assim, a edição de nova lei não acrescenta vantagem ao ordenamento jurídico, mas, tendo em vista as impropriedades técnicas nela verificadas, prejudica-o.

Nesse tópico, importa salientar que a superveniente edição de norma que venha a dispor sobre a mesma matéria é incompatível com o disposto no inciso IV do artigo 7o da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998 (alterada pela Lei nº 107/01), pela qual o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, salvo quando a subseqüente se destina a complementar lei considerada básica, hipótese que, como revelado, não se verifica na proposta em análise.

Por derradeiro, é imperioso assinalar que a proibição de execução de movimento de terra nos períodos de outubro a abril não possui justificativa lógica ou base técnica, eis que, se cumpridos os procedimentos e métodos de engenharia consagrados pela boa técnica, em qualquer época do ano a população não sofrerá prejuízos com o exercício dessa atividade.

Nessas condições, evidenciadas as razões que me conduzem a vetar, na sua integralidade, o texto aprovado, haja vista a sua ilegalidade e contrariedade ao interesse público, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ilustríssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo