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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 50/2006; OFÍCIO DE 17 de Julho de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 50/06

OF ATL nº 180/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 3007/2008

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício referenciado, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou a este Gabinete cópia autêntica do Projeto de Lei nº 50/06, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão de 24 de junho de 2008, que visa alterar artigos da Lei nº 13.756, de 16 de janeiro de 2004, que dispõe sobre a instalação de Estação Rádio-Base - ERB, no Município de São Paulo.

De autoria do Executivo, o projeto em evidência, aprovado na forma de Substitutivo apresentado pelo Legislativo, não detém condições de ser sancionado, na conformidade das razões a seguir deduzidas.

O texto vindo à sanção introduziu diversas alterações na proposta original, tendo excluído o § 3º do artigo 16 da Lei nº 13.756, de 2004, o qual dispensa a Estação Rádio-Base da obtenção de alvará de funcionamento. A supressão desse dispositivo tem por intuito sujeitar a instalação do equipamento ao prévio licenciamento, tal como ocorre com as atividades comerciais, industriais, institucionais, de prestação de serviços e similares, nos termos do artigo 1º da Lei nº 10.205, de 4 de dezembro de 1986, e com os usos não-residenciais em geral, por força do artigo 208 da Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004.

Entretanto, de acordo com o disposto no artigo 19 e no

§ 2º do artigo 20 do Decreto nº 45.817, de 4 de abril de 2005, que dispõe sobre a classificação dos usos residenciais e não-residenciais, as Estações Rádio-Base, classificadas na subcategoria de uso nR3 (usos não-residenciais especiais), devem atender à disciplina específica, qual seja, àquela prescrita pela Lei nº 13.756, de 2004, e seu Decreto regulamentar nº 44.944, de 30 de junho de 2004, bem como apresentar EIA/RIMA ou EIV/RIVI, conforme o caso.

A Lei nº 13.756, de 2004, não obstante dispense as Estações Rádio-Base da exigência de obtenção de alvará de funcionamento, não descurou de traçar normas que constituem requisitos necessários ao cumprimento da legislação de uso e ocupação do solo, equivalentes ao licenciamento específico desse equipamento, possibilitando o exercício da atividade em questão por meio de outros documentos, conforme adiante explicitado.

Efetivamente, a teor do artigo 6º da Lei nº 13.756, de 2004, as indigitadas Estações Rádio-Base não podem ser instaladas em estabelecimentos destinados a certos tipos de atividades e em determinada localização, a saber, presídios, cadeias públicas, edificações utilizadas pela FEBEM, hospitais e postos de saúde, escolas, asilos e casas de repouso, aeroportos e heliportos se não houver autorização do Comando Aéreo, postos de combustíveis e a menos de 100 metros de distância de outra torre. Também devem ser obedecidas as regras de edificação, uso e ocupação do solo previstas nos artigos 10 a 13 do referido diploma legal, tais como tamanho mínimo de lote, vaga para estacionamento de veículo, distância mínima entre torres, postes ou similares, recuos mínimos e condições correspondentes à zona de uso, prévia anuência dos órgãos competentes quando se tratar de bem tombado ou situado em Zona Especial de Preservação Cultural - ZEPEC, apresentação de justificativa técnica e atendimento às diretrizes prévias emitidas pela Secretaria Municipal de Planejamento se a altura ultrapassar 80 metros. Além disso, deve ser cumprida a Resolução nº 303, de 2 de julho de 2002, da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, e providenciados tratamento acústico, na conformidade da legislação referente à poluição sonora, e tratamento anti-vibratório, de forma a afastar incômodos à vizinhança.

Comprovado o atendimento a todas essas condições, bem como fornecidos os laudos técnicos dos elementos estruturais da edificação e outros documentos, serão emitidos Alvará de Execução e Certificado de Conclusão da Estação Rádio-Base. Anualmente, as operadoras desses equipamentos são, ainda, obrigadas a apresentar Laudo de Conformidade, demonstrando o respeito aos limites de exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos permitidos pela mencionada resolução da ANATEL.

Assim, no que tange à competência municipal, o prévio licenciamento dos usos não-residenciais, determinado pelas Leis nº 13.885, de 2004, e nº 10.205, de 1986, já se acha contemplado por meio dos preceitos que integram a Lei nº 13.756, de 2004, impondo acatamento não apenas às normas edilícias e urbanísticas, como também a diversas exigências técnicas adicionais, para fins de obtenção do Alvará de Execução e do Certificado de Conclusão.

A atual sistemática se revela consentânea com o princípio da economicidade, norteador da atuação da Administração Pública, posto que dispensa a formação de novo processo com o objetivo de, após preenchidos os mesmos requisitos legais, produzir outro documento com idêntica finalidade, não devendo ser alterada na forma preconizada pelo texto aprovado, por gerar encargos desnecessários, em contrariedade ao interesse público.

A par disso, releva destacar que, a teor do artigo 131 da Lei Federal nº 9.472, de 16 de julho de 1997, a exploração do serviço de telecomunicações no regime privado depende de prévia autorização da ANATEL, condicionada ao atendimento das condições objetivas e subjetivas necessárias, previstas nos artigos 132 e 133 desse diploma legal, que também prevê a expedição de autorização de uso de radiofreqüência. Ainda de acordo com o Decreto Federal nº 2.338, de 7 de outubro de 1997, compete à ANATEL expedir licenças de instalação e funcionamento das estações transmissoras de radiocomunicação, inclusive as empregadas na radiodifusão sonora e de sons e imagens ou em serviços ancilares e correlatos, fiscalizando-as permanentemente (artigo 16, inciso XIII).

A propositura, ademais, modifica a redação dos incisos I e II e acrescenta o inciso III ao artigo 18 da Lei nº 13.756, de 2004, o qual trata das medidas administrativas aplicáveis ao infrator por descumprimento da lei.

De acordo com os termos vigentes do inciso I, o responsável é intimado para regularizar, quando possível, a Estação Rádio-Base ou, em hipótese contrária, para removê-la. Com a modificação pretendida, que omite do dispositivo o verbo regularizar, o interessado seria, de imediato, compelido à retirada do equipamento no prazo de 30 dias, mesmo que fosse viável sua adequação à lei.

Assinale-se, contudo, que a intimação para regularizar em curto espaço de tempo é prática adotada na legislação municipal urbanística, sempre que constatada a possibilidade de atendimento à lei, por ser mais condizente com o princípio constitucional da razoabilidade e com o interesse público.

Além do mais, a alvitrada alteração do inciso I do artigo 18 incorre em contradição com o artigo 20, o qual prevê a hipótese de não ter sido promovida a regularização do equipamento.

De outra parte, o aumento do valor da multa prevista no inciso II do artigo 18, de R$ 6.000,00 para R$ 500.000,00, tem caráter nitidamente confiscatório e abusivo, muito superior a todas as previsões constantes da legislação municipal.

Referida majoração infringe o princípio da razoabilidade, albergado pelo artigo 81 da Lei Maior Local e pelo artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo, que impõe ao Poder Público a prática de atos adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a restar atendida a sua finalidade pública específica.

Discorrendo sobre o tema, Adilson Josemar Puhl, ao considerar a proporcionalidade um dos elementos que integra o princípio da razoabilidade, assim explicita:

"Por último, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que se garante um direito muitas vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao restringido.

O juízo de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o fim almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a intervenção na esfera de direitos do particular deve ser proporcional à carga coativa da mesma.

O princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, dessa forma, é o princípio constitucional segundo o qual, sempre que houver poderes que colidam com direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, a Administração Pública deve atuar segundo o princípio da justa medida, quer dizer, adotando, dentre as medidas necessárias para atingir os fins legais, aquelas que implicam o sacrifício mínimo dos direitos dos cidadãos. As decisões da administração que afetam direitos e interesses dos cidadãos, só devem ir até onde sejam imprescindíveis para assegurar o interesse público, não devendo utilizar-se de medidas mais gravosas quando outras, que o sejam menos prejudiciais, forem suficientes para atingir os fins da lei.” (O Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade, Ed. Pillares, 2005, pp. 61/62).

Cabe ponderar que a imposição de multa no valor acima mencionado poderia até mesmo constituir entrave à regularização da ERB ou à sua retirada, a qual certamente demanda a adoção de providências complexas e o dispêndio de expressivo montante de recursos, dificultando o cumprimento da Lei nº 13.756, de 2004.

Demais disso, a norma prevista no inciso III, acrescido ao artigo 18 pela medida, para atingir especificamente as situações de ofensa aos artigos 14, 15 e 16, às quais se aplicaria a mesma multa de R$ 500.000,00, já está contemplada no "caput" do artigo 18, que abrange a totalidade das violações à lei, afigurando-se desnecessária e repetitiva.

Já no que tange ao artigo 20, a propositura compele a Prefeitura a contratar serviços especializados para a retirada da Estação Rádio-Base. Nesse particular, o projeto aprovado, ao estipular normas e procedimentos específicos a serem observados pelos órgãos públicos, configura ingerência na gestão administrativa, ao mesmo tempo em que legisla sobre assunto inserido no campo da organização administrativa, ambos da competência exclusiva do Prefeito, por força do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 e nos incisos VI e XIV do artigo 70, ambos da Lei Orgânica do Município de São Paulo, incidindo em inconstitucionalidade, por violação ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

Por outro lado, os parágrafos introduzidos no artigo 29 da Lei nº 13.756, de 2004, que criam a modalidade de indeferimento automático de processos não apreciados até determinada data, são flagrantemente incompatíveis com os comandos veiculados no § 4º do artigo 15 e no § 2º do artigo 16 da própria lei, que determinam a aplicação dos procedimentos administrativos previstos no Capítulo IV do Código de Obras de Edificação aos pedidos de Alvará de Execução e de Certificado de Conclusão para instalação de ERBs.

Com efeito, os itens 4.1.1 a 4.2.4 do Anexo I do COE estabelecem providências destinadas a sanar falhas de processos, por vezes pendentes de ações da Administração (tais como oitivas de órgãos técnicos e vistorias, dentre outras), prazos para a prolação de decisões e interposição de recursos, não prevendo nem se coadunando com o indeferimento automático de processos.

Essa contradição interna entre os dispositivos da Lei nº 13.756, de 2004, desatende o artigo 11, inciso II, alíneas "a" e "c", da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, além de contrariar o artigo 2º da Lei Municipal nº 14.141, de 27 de março de 2006, e o artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo, que ordenam a observância ao princípio da motivação, ou seja, a indicação dos fundamentos de fato e de direito nas decisões proferidas pela Administração Pública, malferindo também o inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura o contraditório e a ampla defesa nos processos administrativos, com os meios e recursos a ela inerentes.

Finalmente, a medida aprovada substitui a redação do artigo 33, que prevê a revisão da lei em 5 anos, por texto dispondo que qualquer prorrogação de prazo para regularizar tais equipamentos deve ser aprovada por meio de lei, disposição que se afigura descabida, em razão da impossibilidade de prorrogar prazo de há muito encerrado.

Em assim sendo, à vista das razões ora expendidas, demonstrando os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, por incidir em inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo