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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 393/2005, OFÍCIO DE 26 de Junho de 2006

Razões do Veto ao Projeto de Lei n° 393/05

Ofício ATL nº 094/06

 

Ref.: Ofício SGP-23 nº 1630/2006

 

Senhor Presidente

 

Nos termos do ofício referenciado, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei n° 393/05, de autoria do Vereador Atílio Francisco, que proíbe o ato de fumar ao volante.

A propositura veda a qualquer cidadão o uso de cigarro, cigarilha, charuto e cachimbo quando estiver conduzindo a direção de veículo automotor, dentro dos limites territoriais do Município, estabelecendo multa pelo descumprimento da lei.

Inicialmente, deve-se dizer que a mensagem aprovada versa sobre questão relativa a trânsito e transporte, incidindo em inconstitucionalidade e ilegalidade, por exceder os limites da competência do Município para dispor sobre o assunto.

Como se sabe, a competência para legislar sobre trânsito e transporte cabe privativamente à União, a teor do disposto no artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal. Apenas os Estados, mediante prévia autorização concedida por lei complementar, podem legislar sobre questões específicas relacionadas a essa matéria, na conformidade do parágrafo único do mesmo artigo.

A propósito, a proibição do uso de produtos fumígenos na direção de veículo automotor já consta da Lei Federal n° 9.503, de 23 de setembro de 1997, Código de Trânsito Brasileiro – CTB, que estabelece, em seu artigo 252, V, constituir infração de trânsito dirigir o veículo “com apenas uma das mãos, exceto quando deva fazer sinais regulamentares de braço, mudar a marcha do veículo, ou acionar equipamentos e acessórios do veículo”.

Por sua vez, o artigo 28 do CTB determina ainda que “o condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito”.

Em seus comentários sobre a legislação de trânsito, Arnaldo Rizzardo esclarece que “qualquer decorrência resultante do uso do veículo é atribuída ao seu condutor. Por isso, incumbe-lhe manter o domínio completo do veículo, que circulará segundo a sua vontade exclusiva. Para que isso ocorra, evitará distrações, como olhar para pessoas que andam pelas calçadas, conversar com acompanhantes no veículo, ler cartazes expostos pela via, fumar ao dirigir....Quanto a esses atos, fumar enquanto estiver dirigindo constitui infração prevista no art. 252, V, eis que por inúmeras vezes o motorista terá que dirigir com apenas uma das mãos”. (in Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 5ª. ed., p. 145).

Mais adiante, na análise do artigo 252, o mesmo autor observa que, de acordo com o Código, “as mãos, durante a direção, não podem se ocupar com funções diferentes das previstas. Não cabe ao motorista ficar dirigindo com a mão esquerda, e a mão direita segurando algum objeto ou a mão de uma pessoa que viaja como passageira, ou estendê-la sobre o colo ou as costas da mesma. Nem é admitido, no mesmo contexto, segurar cigarro, revistas, alimentos e garrafas, posto que se obriga o motorista a acionar as alavancas de mudança e outros equipamentos com a mesma mão que utiliza para manobrar o volante”. (idem, p. 648)

De outro lado, o artigo 161 do CTB estabelece constituir infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito do Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, ficando o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em seus artigos, além das punições constantes do capítulo que trata dos crimes de trânsito. Assim, evidentemente, a multa prevista no artigo 2º da propositura não poderia ser aplicada pelo órgão de trânsito municipal, posto que não prevista no CTB; só caberia sua aplicação por agentes vistores, podendo resultar num verdadeiro “bis in idem”, com a imposição de dupla penalidade aos infratores com o mesmo caráter coercitivo e punitivo: uma, pelos agentes fiscalizadores de trânsito, e outra, por agentes vistores, o que se afigura inconstitucional.

Como se vê, a ordem jurídica em vigor estabelece normas que contemplam os aspectos previstos na propositura, elaboradas pelos órgãos federais, únicos constitucional e legalmente designados para dispor sobre a matéria.

A par da incompetência do legislativo municipal para dispor sobre o tema, a matéria se encontra adequadamente disciplinada na legislação federal citada, e a superveniente edição de norma legal que venha a dispor sobre a mesma matéria revela-se em desacordo com o disposto no inciso IV do artigo 7º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, segundo o qual “o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destina a complementar lei considerada básica, vinculando-se a essa por remissão expressa”.

É de se acrescentar que não consulta ao interesse maior da Administração, que almeja a consolidação das leis normatizadoras da matéria, o advento de nova lei, esparsa e pontual, que, inclusive, traz inegáveis dificuldades para a ação fiscalizatória. Dessa forma, se mostra, também, contrariado o interesse público.

Por fim, recorde-se que, em situação assemelhada, a Lei Municipal nº 11.659, de 4 de novembro de 1994, dispôs sobre a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança, sobrevindo, posteriormente, lei federal instituindo a mesma obrigação. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, entendeu ser de competência privativa da União legislar sobre trânsito, e não se poderia pretender que a competência suplementar dos municípios, prevista no artigo 30, inciso II, da Constituição Federal, fosse exercida para a suplementação da legislação de competência privativa da União, declarando inconstitucional a lei municipal (Recurso Extraordinário nº. 227.384-8 - São Paulo).

Por conseguinte, ante as razões aqui expendidas, vejo-me na contingência de vetar integralmente o texto vindo à sanção, ante sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Devolvo, pois, o assunto à apreciação dessa Egrégia Casa de Leis que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando a Vossa Excelência meus protestos de elevado apreço e consideração.

 

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ROBERTO TRIPOLI

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo