CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 371/2007; OFÍCIO DE 8 de Fevereiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 371/07

Ofício ATL nº 46/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 0052/2008

Senhor Presidente

Por meio do ofício acima referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 371/07, de autoria do Vereador Roberto Tripoli, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão de 18 de dezembro de 2007.

Em síntese, a mensagem aprovada objetiva dispor sobre a ampliação do período da licença-maternidade (ou à gestante) e da licença-paternidade, respectivamente para 180 (cento e oitenta) e 15 (quinze) dias, bem assim da licença-adoção, esta com períodos variáveis de acordo com a idade da criança adotada, até o limite de 180 (cento e oitenta) dias.

No entanto, embora indiscritível o seu mérito social, a propositura não reúne as condições necessárias à sua conversão em lei, dada à sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, pelo que sou compelido a vetá-la integralmente com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município, na conformidade das razões a seguir apresentadas.

Desde logo, resta patente que o projeto em relevo colima disciplinar matéria relativa a servidores públicos municipais, cuja iniciativa das leis, no caso dos agentes vinculados à Administração Direta, Autárquica e Fundacional, é de competência privativa do Chefe do Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, preceito este aplicável por simetria aos demais entes federativos, como, aliás, acha-se consignado no artigo 37, inciso III, da Lei Maior local.

Essa constatação configura, a toda evidência, invasão pelo Legislativo de competência constitucionalmente atribuída ao Executivo em caráter privativo e, pois, vício de iniciativa que ofende o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, tal como insculpido no artigo 2º da Constituição da República.

Não bastassem a clareza e a objetividade da normatização constitucional em foco, a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal encontra-se permeada por numerosas decisões a respeito do tema, como é o caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade processada nos autos nº 2.731-ES, com ementa assim redigida:

“Ementa: Constitucional. Servidor Público. Processo Legislativo. Iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. C.F., art. 61, § 1º, II, “c”. Iniciativa legislativa reservada a outro Poder: Princípio da Separação dos Poderes. C.F., art. 2º.

I – As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

II – Leis que disponham sobre servidores públicos são de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (C.F., art. 61, § 1º, II, “a”, “c” e “b”), à Câmara dos Deputados (C.F., art. 51, IV), ao Senado Federal (C.F., art. 52, XIII), ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça (C.F., art. 96, II, “b”).

III – Lei de iniciativa reservada a outro poder: não observância: ofensa ao princípio da separação dos poderes (C.F., art. 2º).

IV – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.”

Esclarecedor é o pronunciamento do então Ministro Carlos Velloso, proferido no v. Acórdão da supracitada ADI nº 2.731-ES:

“A lei objeto da causa padece, na verdade, do vício de inconstitucionalidade formal, porque, dispondo a respeito de servidores públicos, seu afastamento facultativo e remunerado, para atender entidade cooperativa singular e de grau superior, somente poderia ser proposta pelo Chefe do Executivo: C.F., art. 61, § 1º, II, c. Essa disposição constitucional e as demais que dizem respeito a servidores públicos, disciplinadoras do processo legislativo, são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios, conforme é da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: ADI 2.434-MC/AP, Ministro Sepúlveda Pertence, “D.J.” de 10.8.2001; ADI 1.279-MC/PE, Ministro Maurício Corrêa, “D.J.” de 15.12.1995; ADI 2.239-MC/SP, Ministro Ilmar Galvão, “D.J.” de 15.12.2000; ADI 546/DF, Ministro Moreira Alves, “D.J.” de 14.4.2000; ADI 2.408-MC/ES, Ministro Moreira Alves, “D.J.” de 09.11.2001; ADI 550/MT, Ministro Ilmar Galvão, “D.J.” de 18.10.2002; ADI 645/DF, Ministro Ilmar Galvão, “D.J.” de 13.12.1996; ADI 227/RJ, Ministro Maurício Corrêa, RTJ 177/1.013”. (J. 20.3.2003 – D.J. de 25.4.2003).

No mesmo sentido foi a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 13.294, de 14 de janeiro de 2002, do Município de São Paulo, de cujo v. Acórdão destaca-se, por elucidativo, o seguinte trecho:

“A Lei nº 13.294, de 14 de janeiro de 2002, do Município de São Paulo, que acrescentou parágrafos ao art. 12 da Lei Municipal nº 10.224/86, disciplinando as atividades da carreira de agentes vistores, arquitetos e engenheiros, ressente-se, efetivamente, de inconstitucionalidade.

Decorreu ela de iniciativa parlamentar, tratando de tema afeto à criação de funções e à fixação de deveres de servidores municipais, ou seja, de agentes vistores, arquitetos e engenheiros, relativos às atividades fiscais ligadas a licenças de localização, instalação e funcionamento de obras particulares e verificação da regularidade de edificações. Contém, portanto, vício de iniciativa, pois usurpou atribuições pertinentes a atividades próprias do Poder Executivo, relativas ao planejamento, regulamentação e gerenciamento dos serviços públicos municipais, ou seja, violou o princípio da independência e harmonia dos poderes e provocou invasão da competência do Executivo, pelo Legislativo, uma vez que a matéria nela tratada está entre aquelas que são da iniciativa exclusiva do Chefe daquele Poder, a quem incumbe exercer, com exclusividade, a direção superior da Administração.

.............................................................................................

Assim se decidiu na ADIN nº 805-6 – RS: “A cláusula de reserva pertinente ao poder de instauração do processo legislativo traduz postulado constitucional de observância compulsória, cujo desrespeito – precisamente por envolver usurpação de uma prerrogativa não compartilhada – configura vício juridicamente insanável. A natureza especial que assume a cláusula referente à iniciativa reservada das leis caracteriza, em nosso sistema de direito, derrogação que excepciona o princípio geral da legitimação concorrente para a instauração do processo de formação das espécies legislativas”. (ADIN nº 111.859-0/4 – Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – votação unânime – Relator Des. Sousa Lima – J. 9.3.2005).

De outra parte, cumpre registrar, ainda sob o aspecto formal, que a pretendida ampliação dos períodos de licença-maternidade (ou à gestante), licença-paternidade e de licença-adoção, dado o acréscimo daí decorrente na despesa com pessoal, isso em face da necessidade, em muitos casos, de prover temporariamente os postos de trabalho dos servidores afastados, não satisfaz os requisitos orçamentários e financeiros para tanto exigidos pela Constituição Federal e pela Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, sendo essa mais uma indeclinável razão para a negativa de sanção na situação que ora se apresenta.

De fato, em consonância com o disposto no § 1º do artigo 169 da Magna Carta, no que diz respeito à despesa com o pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, além de não poder exceder os limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal, deverá contar com prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, bem como autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias.

Mas não é só. Por força do artigo 15 da aludida Lei de Responsabilidade Fiscal, serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atenda ao disposto nos seus artigos 16 e 17. Ou seja, a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa deverá conter a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que entrará em vigor e nos dois subseqüentes, bem como a declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira na lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias. Além disso, tratando-se de despesa obrigatória de caráter continuado (aquela que fixa para o ente a obrigação legal de sua execução por período superior a dois exercícios), como é o caso em comento, os atos que a criarem ou a aumentarem deverão também demonstrar a origem dos recursos para o seu custeio e comprovar que as metas dos resultados fiscais constantes de lei de diretrizes orçamentárias não serão afetadas.

De todo modo, admitindo-se a remota superação desses óbices, isso apenas e tão-só para possibilitar a continuidade da argumentação, agora enfocando o mérito da mensagem aprovada, verifica-se que, também sob esse prisma, o veto é de rigor em virtude da contrariedade da medida ao interesse público.

Por primeiro, impende observar que, cuidando-se de ampliação dos períodos de licença-maternidade (ou à gestante), licença-paternidade e de licença-adoção, em caráter obrigatório, aspecto esse totalmente diverso da proposta legislativa ora em tramitação no Congresso Nacional (Projeto de Lei nº 281/2005), o imediato aumento, no âmbito local, dos períodos de afastamento das servidoras e dos servidores municipais, nas hipóteses em apreço, sem qualquer avaliação prévia de sua repercussão na prestação dos serviços públicos afetos ao Município, poderia acarretar prejuízos ao desenvolvimento dessas atividades, circunstância que, a toda evidência, não se afigura consentânea com o interesse público.

Com efeito, dúvida não há de que seria irresponsável a adoção de providência dessa natureza sem dotar a numerosa quantidade de órgãos municipais de pessoal suficiente para suprir os postos de trabalho então ocupados pelos servidores afastados por longos períodos em razão de licença-maternidade (ou à gestante), licença-paternidade e licença-adoção.

Dessa forma, sob essa ótica, a imediata implementação da medida aprovada revela-se, de antemão, inoportuna e inconveniente para a Administração Pública Municipal.

De outro lado, especificamente em relação à licença-maternidade (ou à gestante), de acordo com o parecer técnico expendido pelo Departamento de Saúde do Servidor, da Secretaria Municipal de Gestão, embora o aleitamento materno até 6 (seis) meses traduza-se em benefício incontestável para a saúde da criança, questionável é a necessidade de ampliação do período de licença à mãe, vez que não há comprovação científica do período ideal e necessário para esse fim, mormente se a servidora não estiver amamentando o filho durante o período cuja ampliação ora se pretende. Demais disso, prossegue o referido pronunciamento, o período mais prolongado de afastamento do serviço pode acarretar dificuldade de entrosamento por ocasião do retorno da servidora ao trabalho, com a conseqüente necessidade de nova readaptação ao ambiente laboral. Em outras palavras, preliminarmente à edição de lei que amplie o atual período de gozo de licença-maternidade (ou à gestante), impõe-se uma maior reflexão sob o ponto de vista médico e trabalhista.

Além de tudo o que até aqui se disse, importa registrar, relativamente à licença-adoção, que o texto aprovado contém disposição cujo conteúdo representa um retrocesso em relação ao ordenamento em vigor, bem assim deixa de contemplar situação que aperfeiçoaria a sua disciplina.

De fato, a vigente Lei nº 9.919, de 21 de junho de 1985, prevê a concessão de licença de 120 (cento e vinte) dias à servidora municipal que vier a adotar criança de até 7 (sete) anos de idade. Por sua vez, o artigo 2º da propositura em exame preconiza que o período da referida licença variará de acordo com a idade da criança adotada, ou seja, até 2 (dois) meses de idade, licença de 180 (cento e oitenta) dias; de 2 (dois) meses a 1 (um) ano de idade, licença de 120 (cento e vinte) dias; de 1 (um) a 4 (quatro) anos de idade, licença de 60 (sessenta) dias; e de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade, licença de 30 (trinta) dias.

Como se vê, trata-se de alteração do regime em vigor que reduz injustificadamente a licença nas faixas etárias mais elevadas, com isso frustrando um dos objetivos que nortearam a instituição desse benefício, qual seja, permitir o maior contato inicial entre adotante e adotado, o que não se mostra socialmente razoável.

Um outro aspecto da legislação que, aí sim, poderia ter sido aperfeiçoado pela mensagem aprovada concerne à possibilidade da também concessão de licença-adoção aos servidores que vierem a adotar crianças de até 7 (sete) anos de idade, a exemplo do que já ocorre com a servidora-adotante. Com efeito, em virtude das mudanças sociais havidas nos últimos anos, é cada vez mais comum homens solteiros, por decisão das autoridades judiciais competentes, adotarem crianças, com isso constituindo novos núcleos familiares diversos da modalidade tradicional, na qual, no tocante à criação dos filhos, a figura da mulher desempenha papel fundamental.

Por derradeiro, cabe esclarecer que, se comparado com o projeto de lei ora em análise, o atual ordenamento legal do Município já contempla regramentos acerca da matéria em foco muito mais ricos em hipóteses, as quais, no conjunto, satisfazem plenamente as necessidades físicas e psicológicas surgidas nos primeiros meses de convivência entre mães e/ou pais e filhos.

Realmente, além da licença-maternidade (ou à gestante) e da licença-adoção, existem os benefícios relativos à redução da jornada de trabalho das servidoras para amamentação de seus filhos e à licença-maternidade especial para as servidoras com filhos prematuros, instituídos respectivamente pelo artigo 17 da Lei nº 13.861, de 29 de junho de 2004, e pela Lei nº 13.379, de 24 de junho de 2002.

Nessas condições, evidenciadas as razões que, não obstante o seu mérito, me conduzem a vetar totalmente a medida aprovada, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo