CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 355/2001; OFÍCIO DE 25 de Março de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 355/01

Ofício ATL nº 111/03

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0042/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 355/01, proposto pelo nobre Vereador Salim Curiati, que dispõe sobre a validade de um ano da carteira de passe escolar concedida aos estudantes para compra de passes no transporte coletivo municipal.

Não obstante os meritórios propósitos que certamente nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, pelo que vejo-me na contingência de vetar integralmente o texto aprovado por sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, fazendo-o na conformidade das razões a seguir aduzidas.

Vê-se preliminarmente que a propositura é própria do Executivo, porquanto determina a validade de 1 (um) ano para a carteira de passe escolar emitida pela São Paulo Transportes S.A. – SPTrans, que concede ao estudante o direito de pagar 50% (cinqüenta por cento) do valor da passagem, estabelecendo normas e procedimentos de natureza eminentemente administrativa, em assunto de exclusiva competência do Executivo, com evidente interferência nas atividades e atribuições de órgãos municipais. Constitui indevida ingerência em atividade qualificada como prestadora de serviço público, que assim é definido por Hely Lopes Meirelles:

“Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado.”

E, tratando do Município, complementa:

“Concluindo, podemos afirmar que serviços de competência municipal são todos aqueles que se enquadrem na atividade social reconhecida ao Município, segundo o critério da predominância de seu interesse em relação às outras entidades estatais. Salvo os antes mencionados, inútil será qualquer tentativa de enumeração exaustiva dos serviços locais, uma vez que a constante ampliação das funções municipais exige, dia a dia, novos serviços.” (“in” Direito Administrativo Brasileiro, 19ª edição, pág. 304).

Resta inequívoco, portanto, que a iniciativa da mensagem é privativa do Chefe do Executivo, a teor do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, ocorrendo, na hipótese, vício de iniciativa, em desacordo com o princípio da independência e harmonia dos poderes.

Indiscutivelmente a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências específicas do Executivo, configurando infringência ao citado princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local. Essa exclusividade de iniciativa do Executivo torna inconstitucional e ilegal a mensagem oriunda do Legislativo.

D’outra face, é mister ressaltar que a medida pressupõe a existência de verbas, importando aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, achando-se francamente em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 e 16.

A propósito, vale lembrar que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

“Dessa forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5º, “caput”, da Constituição do Estado.

....................................................................................

A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado” (ADIN nº 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., j. em 19.05.99; no mesmo sentido: ADIN nº 59.744.0/1 – Rel. Des. Mohamed Amaro; ADIN nº 11.676-0 - Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN nº 11.803-0 - Rel. Des. Yussef Cahali; ADIN nº 65.779-0/0 - Rel. Des. Flávio Pinheiro).

Não obstante as razões de inconstitucionalidade apontadas sejam suficientes para fundamentar o veto integral do texto aprovado, a medida apresenta-se ilegal e contrária ao interesse público.

Cumpre assinalar que a compra de passes escolares é disciplinada pelo Decreto nº 1.060, de 7 de outubro de 1948, com as alterações introduzidas pelos Decretos nºs 28.323, de 24 de novembro de 1989, e 29.746, de 15 de maio de 1991, em especial nos seus artigos 4º, 5º, 6º e 7º.

De acordo com o artigo 4º do decreto supracitado, “os passes escolares serão fornecidos mediante prévia requisição escrita do diretor do estabelecimento a que pertencer o aluno, feita no começo de cada ano letivo ou na ocasião da matrícula, em formulários adequados, que serão distribuídos pela concessionária e dos quais constarão os nomes dos alunos, sua filiação, idade, sexo, número da cédula de identidade, bem como sua data de emissão e órgão emissor, horário das aulas, linhas e tipos de veículos utilizados e com a estimativa mensal de passes necessários para cada aluno.”

Em cumprimento às sobreditas disposições, a carteira de passe escolar é anual e sua renovação é feita no início de cada ano letivo, por meio dos estabelecimentos de ensino públicos e privados, mediante o necessário envio de dados dos alunos interessados e o pagamento da respectiva taxa ao setor competente da SPTrans, que emite as carteiras com cotas de passes mensais, disponibilizando, para cada ano letivo, 480 passes escolares por aluno, distribuídos em dez cotas mensais fixas, da seguinte forma: nove cotas mensais com 50 passes cada e uma cota em dezembro com 30 passes escolares.

Além das dez cotas, os estabelecimentos de ensino que fizerem opção pela concessão de passes no mês de julho terão as cotas mensais do primeiro semestre redistribuídas, de modo a contemplar a opção solicitada, totalizando o mesmo montante de 480 passes ao ano, distribuídos por onze cotas mensais.

Verifica-se, assim, que a concessão do benefício do passe escolar está diretamente vinculada ao período letivo do ano, ante a obrigatória existência da condição de estudante, impelido que é a se deslocar de sua residência ao estabelecimento de ensino, utilizando-se de transporte coletivo como meio de locomoção. Nesses termos, a validade de um ano para a carteira de passe escolar, prevista na mensagem aprovada, colide frontalmente com o alicerce em que se fundamenta a concessão de passe, qual seja, estar o aluno freqüentando as aulas no decorrer do ano letivo.

Assim, se autorizada a emissão de cotas nos moldes pretendidos pela propositura, juntamente com as cotas de passes escolares a que os alunos têm direito no ano letivo em exercício, seria difícil e oneroso controlar a concessão desse benefício aos alunos em transferência, àqueles que tenham desistido dos respectivos cursos ou até mesmo aos que já estiverem de posse das novas carteiras. Isso, conseqüentemente, poderia facilitar a utilização indireta e a comercialização dos passes no mercado paralelo que, como se sabe, são vendidos com 50% de desconto sobre o preço da tarifa vigente, ferindo frontalmente o interesse público.

O artigo 3º da proposta sugere para os meses de férias escolares a impressão das cotas em cores diferenciadas, de maneira que os alunos recebam 50% da cota nesses meses, o que daria 25 passes escolares ao mês, ocorrendo, em contrapartida, a redistribuição das demais cotas, para viabilizar a sugestão, sem alteração no total anual de passes concedidos, conforme artigo 2º.

A respeito, vale lembrar que antes de se estabelecer a cota mensal de passes escolares é mister considerar a quantidade de dias letivos no mês. Há meses em que 50% da cota não é suficiente para o aluno realizar seus deslocamentos residência-escola-residência.

Demais disso, a redistribuição do restante da cota alcançaria o somatório de 45 passes escolares/mês, o que poderia causar prejuízo aos alunos, vez que ao se ponderar que algumas instituições de ensino ministram aulas aos sábados, a quantidade de dias letivos/mês ultrapassaria a quantidade de passes disponível na cota mensal, compelindo o aluno a arcar com o custo total das tarifas.

Enfatize-se ainda que o mês de janeiro não é tido como período letivo, motivo pelo qual o Sistema de Transporte Coletivo Urbano do Município não se encontra autorizado a aceitar, nesse período, passes escolares. Aliás, a concessão do benefício em janeiro, mês de férias escolares, como previsto na mensagem, desvirtua sua finalidade que é, como dito, os deslocamentos residência-escola-residência.

Por derradeiro, cabe consignar que, a fim de permitir às escolas o envio dos pedidos de carteiras de passes em tempo hábil, a SPTrans encaminha correspondência a todos os estabelecimentos de ensino cadastrados no seu Sistema de Passe Escolar, no início de cada ano letivo, informando que o material para efetuar as solicitações já se encontra à disposição no setor competente e enfatizando a necessidade de enviá-las o mais breve possível para que estejam disponíveis no início das aulas.

Aliás, com vistas a dinamizar esses serviços, a SPTrans inicia os procedimentos para as solicitações do próximo ano letivo, a partir do mês de novembro do ano anterior, colocando-se à disposição dos estabelecimentos de ensino para as providências cabíveis.

Por conseguinte, o texto aprovado, além de eivado de vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, ante os diversos motivos examinados, fere o interesse público, razões que me impelem a vetá-lo inteiramente, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Devolvo o assunto, pois, à apreciação dessa Egrégia Câmara que com seu elevado critério se dignará a reexaminá-lo, renovando a Vossa Excelência, na oportunidade, protestos do mais alto apreço e consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao Excelentíssimo

Senhor ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo