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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 329/2007; OFÍCIO DE 17 de Janeiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 329/07

São Paulo, 17 de janeiro de 2008.

OF ATL nº 16/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 6257/2007

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício em epígrafe, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 329/07, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 13 de dezembro de 2007, de autoria do Vereador José Ferreira Zelão, que isenta do pagamento da Zona Azul os veículos utilizados pelos oficiais de justiça no exercício de suas funções.

Não obstante seu propósito meritório, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir explicitadas.

O artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997) confere aos órgãos executivos de trânsito dos municípios, no âmbito de sua circunscrição, as atribuições de planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, bem como de executar a fiscalização do trânsito, de autuar e aplicar as medidas administrativas por infrações de circulação, estacionamento e parada e, inclusive, de implantar, manter e operar o sistema de estacionamento rotativo pago nas vias públicas (incisos II, VI e X).

Logo de início, portanto, verifica-se que a propositura, ao dispor sobre a implantação e operação do sistema de estacionamento rotativo pago, de incumbência própria de órgão municipal, a saber, do Departamento de Operação do Sistema Viário – DSV, da Secretaria Municipal de Transportes, contraria o mencionado dispositivo de lei federal.

Ademais, a medida aprovada, além de configurar ingerência na organização administrativa do Município, envolve matéria orçamentária, devido à renúncia da receita correspondente à arrecadação dos respectivos preços públicos, assuntos esses cujo impulso legislativo cabe privativamente ao Prefeito, à luz do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, no artigo 70, inciso VI, e no artigo 111, todos da Lei Orgânica do Município de São Paulo, infringindo, assim, o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 5º da Constituição Estadual e no artigo 6º da Lei Maior local.

Nesse sentido, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça, apreciando a questão da gratuidade em causa para oficiais de justiça, declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade da Lei nº 10.905, de 18 de dezembro de 1990, que autorizou, mediante licença prévia, o estacionamento de veículos desses profissionais em Zonas Azuis e vias públicas secundárias, vetada pelo Executivo. Confira-se, a propósito, o teor da decisão:

“Vê-se pela leitura do texto supra, que a Câmara criou prerrogativa para os integrantes de uma determinada profissão de estacionar veículos em certas vias publicas, consideradas secundárias, bem como nas “Zonas Azuis”, sem o pagamento habitual.

A via pública constitui bem público, sob a administração do Prefeito, segundo Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 3ª ed., p.367 e 857.

A regulamentação do estacionamento na via pública é conseqüência natural dessa administração, constituindo matéria de exclusiva atribuição do Prefeito, não cabendo à Câmara Municipal dizer que os integrantes desta ou daquela categoria profissional devem estacionar seus veículos aqui e acolá. É matéria de execução e não de legislação.

No que diz respeito à isenção de pagamento nas “Zonas Azuis”, também fica caracterizada a invasão na esfera de poder do Executivo. As “Zonas Azuis” produzem receita que ingressa no orçamento municipal. Leis que afetam a produção da receita são de iniciativa do Prefeito.

Houve, assim, violação do art. 2º da Constituição Federal e art. 5º da Constituição Estadual, bem como do art. 165, III, da Constituição Federal, também aplicável ao Município.

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Ademais, a utilização de bens municipais deve ser gerida pelo Alcaide Municipal, e somente ele poderá dispor sobre a isenção de pagamento de taxas relativas à sua utilização, aqui incluído o estacionamento gratuito de veículos em vias públicas dotadas do sistema de zona azul.

Ora, não tendo o legislativo municipal observado o veto do executivo relativamente a matéria de sua exclusiva competência invadiu terreno que lhe era vedado, e por isso a inconstitucionalidade da lei em tela deve ser incidenter tantum reconhecida”. (Argüição de Inconstitucionalidade de Lei na Apelação Cível nº 30.581-0/5, p. em 10.4.96, Rel. Barbosa Pereira).

Outrossim, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais que, como o ora vetado, isentam determinada categoria profissional do pagamento da Zona Azul, a exemplo da Lei nº 12.635 e da Lei nº 12.614, ambas de maio de 1998, que, respectivamente, beneficiam, por até 4 horas, os auditores, agentes e inspetores fiscais federais, estaduais e municipais e, por até 30 minutos, os taxistas (ADIN nº 059.741-0/8-00 e ADIN nº 059.206-0/7-00), que, por isso, se encontram suspensas.

Além do mais, a isenção alvitrada na propositura acabaria por instituir privilégio injustificado, em descompasso com o princípio da isonomia, da igualdade de todos perante a lei, consagrado expressamente no “caput” do artigo 5° da Constituição da República. A respeito do tema, Celso Antonio Bandeira de Mello preleciona que “a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferençada” (in O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Ed. RT, 1978, p. 50).

De acordo com a Justificativa do projeto de lei, o benefício pretendido visa desonerar os oficiais de justiça de um custo decorrente do cumprimento de atos emanados do Poder Público, o que não os diferencia justificadamente de todo o universo de pessoas que exercem atividades públicas na cidade.

Não obstante as razões de inconstitucionalidade e de ilegalidade apontadas sejam suficientes para fundamentar o presente veto, é mister ressaltar que a propositura, sob o ponto de vista técnico, também incorre em contrariedade ao interesse público.

A existência da Zona Azul é medida de racionalização do uso das vias públicas, visando atender o maior número possível de usuários nos locais em que a demanda por estacionamento de veículos é expressiva. Obtém-se, assim, mediante a cobrança de preço público proporcional ao tempo de permanência do veículo na vaga, o aumento da rotatividade de seu uso. A gratuidade da utilização estimularia o estacionamento por longos períodos, ocasionando a redução das vagas disponíveis, o que comprometeria a rotatividade do sistema.

Acrescente-se, mais, a inexistência de meios pelos quais a fiscalização municipal poderia aquilatar se o oficial de justiça estacionou no local para o desempenho de suas funções, do que deflui a impossibilidade prática de aferição do atendimento à condição imposta pelo artigo 1º da iniciativa em análise.

Finalmente, assinalo que o artigo 4º da propositura se contrapõe ao artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, pelo qual “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e dias) depois de oficialmente publicada.” Explica-se: o sistema normativo brasileiro não admite vigência condicional de lei, mas tão-somente duas hipóteses, a saber, ou a lei tem sua vigência iniciada após 45 dias de sua publicação ou a lei contém disposição expressa que, para tanto, estipule de modo preciso e exato outra data. Demais disso, os requisitos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade devem ser cumpridos previamente à aprovação do projeto de lei, sem os quais a lei não se aperfeiçoa, permanecendo inapta para ingressar no mundo jurídico.

Por todo o exposto, à vista das razões expendidas, demonstrando os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto ao reexame dessa Egrégia Câmara, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência, meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo