CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 26/2003; OFÍCIO DE 7 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 26/03

OF ATL nº 008/04

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg 3/0745/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 27 de novembro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 26/03, de autoria do Vereador José Laurindo, que acrescenta § 4o ao artigo 2o da Lei nº 7.017, de 19 de abril de 1967,  a qual institui a prática de cremação de cadáveres e incineração de restos mortais no Município de São Paulo.

Não obstante os meritórios propósitos que impulsionaram seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1o do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

A propositura visa permitir que, em caso de morte natural, se a família do morto assim desejar e sempre que, em vida, o "de cujus" não tenha deixado declaração em contrário, a cremação do cadáver seja deferida pela autoridade municipal mediante simples requerimento das pessoas indicadas no § 1º do artigo 2º da Lei nº 7.017, de 1967.

Resta evidente, pois, que a mensagem aprovada dispõe sobre assunto relacionado ao serviço público de que trata o inciso I do artigo 125 da Lei Maior Local, relativo ao serviço funerário, alterando procedimento específico a ser observado por órgão municipal, com nítido cunho administrativo e clara interferência nas respectivas atividades e competências.

Com efeito, as leis que tratam de organização administrativa e serviços públicos são de iniciativa privativa do Prefeito, "ex vi" do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Indiscutivelmente, a propositura, ao estipular regras a serem cumpridas pela Administração Municipal, extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências específicas do Executivo, incorrendo em infringência ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local.

A par do vício de iniciativa que o inquina de inconstitucionalidade, o texto vindo à sanção reveste-se, ainda, de ilegalidade e contrariedade ao interesse público.

De início, cumpre ressaltar que a cremação de cadáveres obedece a regras e procedimentos próprios estabelecidos na Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos) e na Lei Municipal nº 7.017, de 1967, bem como em outras normas pertinentes, editadas pela Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consubstanciadas atualmente no Provimento nº 13/1980, que dispõe sobre a autorização para cremação de cadáver em casos de morte violenta.

Na hipótese de morte natural a que se refere a alínea "b" do "caput" do artigo 2º da lei municipal acima mencionada, o procedimento de cremação já é suficientemente simplificado, inexistindo dificuldades ou entraves de ordem burocrática à sua realização. Para tanto, basta a manifestação de vontade do familiar responsável, indicado no § 1º do mesmo dispositivo, com a assinatura de duas testemunhas que tenham presenciado a declaração, e a apresentação de documento comprobatório do parentesco, bem como de atestado de óbito firmado por dois médicos ou por um médico-legista, exigido pela Lei Federal nº 6.015. de 1973 (Lei de Registros Públicos), em seu artigo 77, § 2º, com a redação dada pela Lei Federal nº 6.216, de 30 de junho de 1975.

Constata-se, pois, que ao modificar a sistemática vigente, permitindo o deferimento da cremação mediante simples requerimento de pessoa da família, a propositura resta por dispensar requisito imposto pela legislação acima referida, contrariando lei federal vigente, de observância obrigatória em todo o território nacional, editada pela União no exercício de sua competência exclusiva outorgada pelo artigo 22, inciso XXV, da Constituição Federal.

Destarte, a medida padece de inequívoca ilegalidade, não podendo prosperar, sob pena de incontornável violação à norma federal em vigor, vez que o atestado de óbito constitui documento indispensável à cremação.

Ademais, considerando-se que os documentos previstos na legislação mencionada visam conferir ao ato a segurança necessária, à vista de seus efeitos irreversíveis, é forçoso inferir que sua dispensa afigura-se em desconformidade com o interesse público, ante as situações insanáveis que poderão advir dessa liberação.

Finalmente, observa-se que a justificativa ofertada pelo autor da mensagem aprovada parece sugerir, s.m.j., que o procedimento de cremação ao qual se refere o texto em questão seria aquele relativo à morte violenta. Todavia, também nessa hipótese, a cremação somente pode ser realizada após a devida autorização emitida pela autoridade judiciária, conforme determinam os já citados artigos 77, § 2º, da Lei Federal nº 6.015, de 1973, o Provimento nº 13/1980 e o § 2º do artigo 2º da Lei Municipal nº 7.017, de 1967, motivo pelo qual eventual proposta nesse sentido seria, inevitavelmente, objeto de veto, por incidir nos mesmos óbices de natureza legal que impedem a aplicação da presente medida.

Por conseguinte, em que pese seu nobre intuito, o texto aprovado, além de eivado de vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, desatende ao interesse público, razões pelas quais vejo-me compelida a apor-lhe veto integral, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando a Vossa Excelência, na oportunidade, protestos do mais alto apreço e consideração.

 MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

Arselino Tatto

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo