CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 248/2007; OFÍCIO DE 17 de Janeiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 248/07

OF ATL nº 15/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 6256/2007

Senhor Presidente

Reportando-me ao ofício acima referenciado, mediante o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 248/07, de autoria do Vereador Beto Custódio, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão do dia 13 de dezembro de 2007, sirvo-me do presente para comunicar minha deliberação pelo veto total da propositura, o que faço com supedâneo no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município, ante sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir aduzidas.

Em síntese, objetiva o projeto de lei em apreço dispor sobre a organização da carreira que denomina como Auxiliar de Serviços de Saúde e Controle de Endemias. Segundo a mensagem, a composição da nova carreira dar-se-á mediante a transformação dos atuais cargos de Auxiliar de Serviços de Saúde – Área de Zoonoses (os não-optantes pela carreira de Agente de Apoio instituída na forma da Lei nº 13.652, de 25 de setembro de 2003) e de Agente de Apoio (apenas os optantes pelas disposições da Lei nº 13.652, de 2003, que atuam no segmento de atividades de auxílio à saúde). Além disso, são estabelecidas as respectivas Escalas de Padrões de Vencimento, com a previsão de tabelas nas jornadas de 36 (trinta e seis) e de 40 (quarenta) horas semanais de trabalho, bem assim outras normas funcionais pertinentes ao caso, como a consignação de prazo para opção pela nova carreira, a discriminação da forma de provimento dentre portadores de certificado de conclusão do ensino médio ou equivalente, a fixação de intervalo remuneratório mínimo permanente entre as referências e os graus (6,5% e 10%, respectivamente) e demais comandos usualmente aplicáveis aos servidores municipais organizados em carreiras.

Como se vê, cuida a propositura de matéria relativa a servidores públicos municipais da Administração Direta, com especial enfoque no provimento de cargos públicos e na fixação da remuneração desses profissionais, cuja iniciativa das leis é privativa do Chefe do Executivo, a teor do disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal e no artigo 37, § 2º, incisos I, II e III, da Lei Orgânica do Município.

Dessa forma, se convertida em lei, a medida violaria o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consignado no artigo 2º da Magna Carta de 1988, preceito este aplicável por simetria aos demais entes federados, consoante, aliás, acha-se reproduzido no artigo 6º da Lei Maior de âmbito local, pelo que se impõe o veto total da mensagem.

De outra parte, cumpre registrar que a pretendida organização da carreira de Auxiliar de Serviços de Saúde e Controle de Endemias, mormente em virtude do aumento da remuneração desses agentes públicos, não satisfaz os requisitos orçamentários e financeiros para tanto exigidos pela Constituição Federal e pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000), sendo essa mais uma indeclinável razão para a negativa de sanção na situação que ora se apresenta.

De fato, em consonância com o disposto no § 1º do artigo 169 da Magna Carta, no que diz respeito à despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, além de não poder exceder os limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal, deverá contar com prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrente, bem como autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias.

Mas não é só. Por força do artigo 15 da aludida Lei de Responsabilidade Fiscal, será considerada não autorizada, irregular ou lesiva ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atenda ao disposto nos seus artigos 16 e 17. Ou seja, a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa deverá conter a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que entrará em vigor e nos dois subseqüentes, bem como a declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira na lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias. Além disso, tratando-se de despesa obrigatória de caráter continuado (aquela que fixa para o ente a obrigação legal de sua execução para período superior a dois exercícios), como é o caso em comento, os atos que a criarem ou a aumentarem deverão também demonstrar a origem dos recursos para seu custeio e comprovar que as metas dos resultados fiscais constantes da lei de diretrizes orçamentárias não serão afetadas.

Outra inconstitucionalidade que macula irremediavelmente a pretensão acolhida pelo Legislativo diz respeito à transformação dos atuais cargos de Auxiliar de Serviços de Saúde – Área de Zoonoses (que exige formação escolar equivalente à 4ª série do antigo 1º grau) e de Agente de Apoio (segmento de atividades de auxílio à saúde, que exige formação escolar correspondente ao ensino fundamental completo) em cargos de Auxiliar de Saúde e Controle de Endemias, para os quais é exigida formação escolar em nível de ensino médio.

Com efeito, esse tipo de transformação de cargos, com o aproveitamento dos atuais titulares, contraria a regra estabelecida no artigo 37, inciso II, da Constituição da República, segundo a qual a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei.

Nesse sentido foi, pois, o entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1030-1-Santa Catarina, cujo v. Acórdão, relatado pelo então Ministro Carlos Veloso, encontra-se assim ementado:

“Constitucional. Servidor Público. Escrivão de Exatoria e Fiscal de Mercadorias em Trânsito. Estado de Santa Catarina. Lei Complementar nº 81, de 10.03.93, do Estado de Santa Catarina.

I - Transformação, com os seus ocupantes, de cargos de nível médio em cargos de nível superior. Espécie de aproveitamento. Inconstitucionalidade, porque ofensivo ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal.

II - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, declarada a inconstitucionalidade dos Anexos I, II-55 e II-56 da Lei Complementar 81, de 10.03.93, do Estado de Santa Catarina.” (J. em 22.08.96 - D.J.U. de 13.12.96)

Ainda sob a ótica da legalidade, o veto do texto aprovado é igualmente de rigor com alicerce no artigo 11 da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a alteração e a consolidação das leis, ante a ausência de clareza e precisão do texto aprovado.

É o que ocorre, por exemplo, com a denominação da nova carreira, no texto identificada ora por Auxiliar de Serviços de Saúde de Zoonoses (artigo 1º), ora por Agente de Saúde e Controle de Endemias (artigo 2º) e ora por Auxiliar de Saúde e Controle de Endemias (artigo 3º). Demais disso, o artigo 4º refere-se a um “Anexo Único” de cargos que não existe. Existem, sim, duas tabelas, porém contendo apenas as novas referências de vencimento de acordo com as jornadas de trabalho, não os cargos.

Essas imperfeições legislativas, além de contrárias à lei complementar federal em apreço, comprometeriam, a evidência, a execução da futura lei, daí a necessidade de impedir a sua incorporação ao ordenamento legal do Município.

De todo modo, admitindo-se a remota superação desses óbices, isso apenas e tão-só para possibilitar a continuidade da argumentação, impende dizer que, no mérito, a propositura também não reúne condições para ser convertida em lei.

Por primeiro, deve ser esclarecido que o cargo de Agente de Apoio pertence ao Quadro de Nível Básico da Prefeitura, enquadrado como multifuncional, vale dizer, compreendendo uma aglutinação de atribuições de mesma natureza de trabalho. Assim, o Agente de Apoio com atuação em determinado segmento (como é o caso das atividades de auxílio à saúde), além de exercer as funções gerais e básicas do cargo de que é titular, pode desempenhar todas as atribuições específicas para ele previstas, visto cuidarem de atribuições que guardam identidade entre si, pois todas exigem o mesmo conhecimento e as mesmas habilidades, mediante aproveitamento, tudo nos termos dos artigos 61 e 62 da Lei nº 13.652, de 2003.

A transformação de cargos objetivada pelo presente projeto de lei, se concretizado, acabaria por se contrapor à estrutura e à diretriz concebida pela Administração para os novos planos de carreira (Nível Básico – Lei nº 13.652/03, Nível Médio – Lei nº 13.748/03 e Nível Superior – Lei nº 14.591/07), vez que cargos com as mesmas atribuições passariam a pertencer a quadros de profissionais diversos. O atual cargo de Agente de Apoio permaneceria vinculado ao Quadro de Nível Básico (Lei nº 13.652/03) e o novo cargo de Auxiliar de Saúde e Controle de Endemias passaria a integrar o Quadro de Nível Médio (Lei nº 13.748/03).

De outra parte, considerando o conceito de cargo multifuncional, como acima apontado, a pretendida transformação de cargos não se afina com o interesse público, porquanto a adoção da medida poderá comprometer o atendimento demandado no âmbito da própria área da saúde, tendo em vista que a alteração atingirá apenas os Agentes de Apoio (segmento auxiliar em saúde) que estejam atuando no controle de zoonoses, com isso criando obstáculo intransponível para outros Agentes de Apoio que, na conformidade da legislação em vigor, encontram-se em pé de igualdade em matéria de direitos funcionais.

Nessas condições, evidenciadas as razões de inconstitucionalidade, ilegalidade e de interesse público que me conduzem a vetar integralmente o projeto de lei aprovado, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo