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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 176/2002; OFÍCIO DE 13 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 176/02

OF ATL Nº 046/04

Ref.: Ofício 18 - LEG 3 nº 0793/2003

Senhor Presidente

Por meio do ofício referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção desta Chefia do Executivo cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara em sessão de 27 de novembro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 176/02, de autoria do Vereador Augusto Campos, que dispõe sobre a obrigatoriedade da realização, nos recém-nascidos, de Triagem Auditiva Neonatal-TAN.

Sem embargo dos elevados propósitos que certamente nortearam o Parlamentar autor da propositura, impõe-se veto total ao texto aprovado, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, como a seguir se demonstrará.

Para bem explicitar a questão faz-se necessário aduzir, preliminarmente, que a mensagem aprovada obriga estabelecimentos públicos e privados a realizar, nos recém-nascidos, o chamado “teste da orelhinha”, com o objetivo de identificar casos de surdez infantil.

Isso posto, o que cabe observar, de plano, é que o texto trazido à sanção não define os tipos de estabelecimentos públicos e privados que são obrigados à realização do exame laboratorial em causa, circunstância que compromete a boa técnica legislativa e da qual adviriam óbvios questionamentos se a mensagem fosse convertida em lei. A esta impropriedade é de se somar, ainda, o fato de a propositura não ter estabelecido a sanção em caso de descumprimento da norma, o que tornaria inócua sua aplicabilidade.

De toda forma, e mesmo presumindo-se que os estabelecimentos pelo texto em pauta referidos sejam, de modo geral, aqueles vinculados à prestação de serviços de saúde, o certo é que a sanção pretendida revela-se inviável.

Com efeito, e cogitando, por primeiro, dos estabelecimentos que integram a rede municipal de saúde, é de se assinalar o evidente vício de iniciativa que compromete a mensagem. De fato, o impulso oficial para legislar sobre serviço público — como o seria aquele que viesse a ser oferecido pelas unidades de saúde da Administração Municipal — é privativo do Prefeito, “ex vi” do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Do exposto deflui que a mensagem em evidência, ao invadir área típica de atuação do Executivo e ao afrontar a competência legalmente atribuída ao Prefeito, termina por transgredir o princípio constitucional de independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 5º da Carta Estadual e no artigo 6º da Lei Maior local.

Ainda com relação aos estabelecimentos públicos de saúde, impende enfatizar que, ao tornar obrigatória a realização do teste laboratorial em comento, a propositura interfere nas atribuições da Secretaria Municipal da Saúde, ferindo, mais uma vez, o princípio constitucional antes mencionado.

Efetivamente, de acordo com o que estabelece o artigo 69, inciso XVI, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, compete privativamente ao Prefeito propor à Câmara projetos de lei que disponham sobre criação e alteração das Secretarias Municipais, inclusive sobre suas estruturas e atribuições.

De outra parte, e no que diz respeito aos estabelecimentos particulares pelo texto aprovado mencionados, a inconstitucionalidade da medida é manifesta. Senão vejamos.

Dispõe o artigo 199 da Constituição Federal que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Nesse ponto, portanto, nada há a questionar. A mesma Carta Magna estatui, desta feita no artigo 30, inciso VII, competir ao Município a prestação, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, de serviços de atendimento à saúde da população. Conseqüentemente, tem-se que a instituição, pelo Poder Público Municipal, de obrigatoriedade do oferecimento de determinado exame por estabelecimento de saúde privado configura matéria de todo alheia às competências municipais, quer sob a ótica do direito econômico, quer sob o ponto de vista do direito do consumidor.

Ainda assim, não é tão-só de inafastável inconstitucionalidade que o texto aprovado padece. Sua contrariedade ao interesse público é também evidente, como passo a expor.

Em verdade, a Lei Municipal nº 12.556, de 8 de janeiro de 1998, regulamentada pelo Decreto nº 42.214, de 22 de julho de 2002, já contempla o tema abordado na propositura, fazendo-o de forma mais ampla, eis que institui o Programa de Saúde Auditiva para crianças no Município de São Paulo, tendo por finalidade desenvolver ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde auditiva das crianças no Município.

Tanto assim é que o artigo 7º do mencionado decreto impõe que as ações do referido programa deverão voltar-se aos recém-nascidos e às crianças do Município de São Paulo, acrescentando, ainda, no parágrafo único, que aquelas direcionadas às crianças recém-nascidas deverão ser realizadas em todas as maternidades e hospitais similares da Rede Pública Municipal e naqueles integrados no Sistema Único de Saúde.

Aliás, essas disposições legais já vêm sendo implementadas na prática, mediante a atuação, desde agosto de 2002, do Grupo de Trabalho Interdisciplinar e Intersecretarial em Saúde Auditiva, composto por representantes das Secretarias Municipais da Saúde, de Assistência Social e de Educação, de Universidades (USP, PUC, UNIFESP, Unicastelo) e de instituições e organizações civis, na forma prevista pelos artigos 3º, 4º e 5º do aludido decreto.

Como resultado desse trabalho, foram definidas as estratégias relativas ao diagnóstico de audição em neonatos nas unidades municipais (cerca de 25.000 nascimentos/ano), as quais contarão com o apoio dos serviços de saúde especializados para acompanhamento dos bebês em risco de déficit auditivo e com testes auditivos alterados.

Também estão sendo realizadas ações visando à implantação de Serviços de Diagnóstico Audiológico, com a indicação e fornecimento de aparelhos de amplificação sonora individual, bem como ao acompanhamento clínico, conforme a Portaria nº 432/MS/SAS, de 14 de novembro de 2000, do Ministério da Saúde e da Secretaria de Assistência à Saúde, serviços esses que atenderão tanto os recém-nascidos provindos das maternidades municipais, como os bebês referidos pela rede básica (cerca de 100.000 SUS-dependentes/ano).

Verifica-se, assim, que, para o adequado tratamento da questão, não é suficiente apenas o diagnóstico de audição — como preconizado na medida aprovada —, mas é necessária a organização de todo o sistema de saúde de referência para dar suporte aos casos diagnosticados e apoio às famílias, bem assim aos casos falso-positivos que habitualmente são identificados com testes universais de triagem.

Ademais, na atuação do Poder Público é imperioso que os recursos humanos e materiais sejam otimizados, priorizando-se, nessa hipótese, a adoção de ações de saúde voltadas à população com maior probabilidade de apresentar deficiência auditiva, conforme o quadro de indicadores de risco publicado no Caderno Temático da Criança — SMS — São Paulo, 2002.

Portanto, como se observa, a legislação municipal em vigor já trata do assunto, inclusive, com maior profundidade, sendo, pois, inoportuna e contrária ao interesse público a superveniente edição de norma legal que venha a dispor sobre a mesma matéria, em descompasso, também, com disposto no inciso IV do artigo 7º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998 (alterada pela Lei nº 107/01).

Por último, importa notar que o ato vindo à sanção, ao determinar o diagnóstico de audição em todos os recém-nascidos a par das medidas já levadas a efeito, e de forma mais adequada, pela Administração Pública, implica aumento de gastos públicos. Contudo, não indica os recursos correspondentes, achando-se em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com os artigos 15 e 16 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Nessas condições, seja pelas apontadas inconstitucionalidade e ilegalidade, seja pela inquestionável contrariedade ao interesse público, eis que, como remarcado, vige, no âmbito deste Executivo, legislação mais abrangente para a matéria em questão, vejo-me na inarredável contingência de, na íntegra, vetar o texto aprovado, o que faço com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo