Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 116/07
Ofício ATL nº 92/08
Ref. Ofício SGP-23 nº 1314/2008
Senhor Presidente
Reporto-me ao ofício em epígrafe, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 116/07, de autoria do Vereador Goulart, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 26 de março de 2008, o qual dispõe sobre a inclusão de uma mochila no “kit” de material escolar a ser fornecido pelo Poder Público aos alunos das EMEFs, EMEIs e CEIs, inclusive conveniadas, da Rede Municipal de Ensino.
O projeto de lei não apenas inclui o citado item no material escolar fornecido pela Administração aos alunos da educação infantil e do ensino fundamental da rede pública do Municipio, como também o estende às entidades conveniadas, além de torná-lo obrigatório para os estudantes provenientes de famílias que, comprovadamente, não possuam condições financeiras para sua aquisição. Define, detalhadamente, as características da mochila quanto à matéria-prima, modo de confecção e durabilidade do produto, chegando a prescrever até mesmo espaço para transportar o lanche – muito embora as escolas municipais forneçam merenda escolar –, bem como as regras para sua utilização, renovação e reaproveitamento, determinando, por fim, que todos os itens que compõem o “kit” de materiais e uniforme escolares sejam entregues aos estudantes no 1º dia letivo.
De acordo com a justificativa apresentada por seu autor, a propositura visa favorecer os educandos de baixa renda, cujas famílias não dispõem de recursos para adquirir uma boa mochila, sob pena de comprometer o atendimento de suas necessidades essenciais.
Não obstante o meritório intuito da iniciativa, a medida não reúne condições para ser convertida em lei, sendo indeclinável seu veto total, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.
Desde logo, resta patente que, ao inserir e especificar minudentemente novo componente do material escolar, concedê-lo às entidades conveniadas e estipular, inclusive, a data para sua entrega, a propositura legisla sobre matéria atinente à organização administrativa, incorrendo em clara ingerência nas atividades e atribuições dos órgãos municipais da área da educação, haja vista que lhes impõe novos encargos, com evidente interferência em assunto de competência privativa do Executivo.
Por outro lado, a efetivação da medida importa aumento de despesas, sem contar com a indicação dos recursos correspondentes, achando-se desprovida da imprescindível previsão de verbas para seu atendimento. Envolve, pois, questão de natureza orçamentária, ao mesmo tempo em que incide em descumprimento às normas estatuídas pela Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000.
Indiscutivelmente, as leis que tratam de organização administrativa e matéria orçamentária são de iniciativa privativa do Prefeito, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, razão pela qual a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, malferindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 5º da Constituição do Estado de São Paulo e no artigo 6º da Lei Maior Local.
A par da apontada inconstitucionalidade, o texto vindo à sanção incide em irremediável ilegalidade, vez que contraria os princípios e a sistemática adotados pela legislação que rege a organização da educação nacional, conflitando, ainda, com a normatização municipal pertinente.
Com efeito, a Constituição Federal – cujos dispositivos relativos ao ensino acham-se disciplinados pela Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB) –, elegeu, dentre os princípios norteadores do ensino, a universalidade do direito de todos à educação e a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, nos termos de seus artigos 205 e 206, inciso I, reproduzidos nos artigos 2º e 3º, inciso I, da lei supracitada e também nos artigos 200 e 204, inciso I, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Da observância a esses princípios, resulta, conseqüentemente, que os programas oferecidos, inclusive os suplementares de material didático-escolar, a que se referem o inciso VII do artigo 208 do texto constitucional e o inciso VIII do artigo 3º da LDB, são dirigidos a todos os educandos matriculados no ensino fundamental público, sem qualquer distinção, respeitada a igualdade de tratamento entre todos os alunos, a fim de assegurar sua permanência nas escolas.
O projeto aprovado, todavia, ordena ao Poder Público atendimento obrigatório e diferenciado à parcela dos estudantes que define como “provenientes de famílias que comprovadamente não possuam condições” para a compra do referido produto, contrapondo-se, pois, aos preceitos constitucionais e às normas da Lei de Diretrizes e Bases acima indicados, que não admitem a adoção de quaisquer critérios ou ações que culminem na classificação ou distinção dos alunos por categoria ou classe social, conforme sua renda familiar.
A propósito, cabe ponderar que a aferição da condição de carência, poderá, de um lado, causar constrangimentos aos alunos nessa situação e, de outro, ensejar protestos por parte daqueles que se sentirem discriminados pela desigualdade de tratamento, dando origem a duas classes diversas de estudantes dentro do mesmo sistema de ensino, o que poderá gerar conflitos e transtornos, evidenciando a desconformidade do projeto em apreço com o interesse público.
Demais disso, é imperativo ressaltar que, no tocante à extensão do benefício às entidades conveniadas, a medida não encontra respaldo legal para o custeio das respectivas despesas.
As normas gerais que regulam a celebração de convênios com entidades, associações e organizações que atendam crianças de 0 a 5 anos são estabelecidas pela Secretaria Municipal de Educação, consubstanciadas atualmente na Portaria nº 5.152, de 20 de outubro de 2007, segundo a qual tais ajustes consistem em relações de complementaridade, cooperação e articulação das redes pública e privada de serviços e de co-responsabilidade entre o Poder Público Municipal e a sociedade civil para a operacionalização da Política Pública de Educação Infantil.
No que tange à sistemática de pagamento, a Pasta competente estabeleceu sistema de escalonamento para pagamento do valor “per capita”, levando em conta, por faixa, o número de crianças atendidas, nos termos da Portaria SME nº 5272, de 30 de outubro de 2007, visando assegurar melhores condições de funcionamento da rede conveniada e ampliar o atendimento, sem prejuízo da qualidade dos serviços ofertados.
Como se vê, os convênios são regidos por regramento específico, que contempla o valor dos gastos a serem cobertos, não comportando a concessão dos mesmos benefícios atribuídos exclusivamente às unidades integrantes da rede pública municipal de ensino, por afigurar-se incabível, posto que as entidades conveniadas, ainda que sem fins lucrativos ou econômicos, têm natureza particular, cabendo-lhes também arcar com parte das despesas, na forma estipulada em instrumento próprio.
Nessas condições, à vista das razões ora explicitadas, que demonstram os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, vejo-me compelido a vetá-lo na íntegra, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo