Formaliza o protocolo integrado para atendimento a situações de trabalho infantil.
PORTARIA CONJUNTA Nº 001/SMADS/SMS/SME/2024
Formaliza o protocolo integrado para atendimento a situações de trabalho infantil.
MARCELINA CONCEIÇÃO DOS SANTOS, Secretária Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, LUIZ CARLOS ZAMARCO, Secretário Municipal da Saúde e FERNANDO PADULA NOVAES, Secretário Municipal de Educação, no uso das atribuições que lhes são legalmente conferidas,
CONSIDERANDO o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), de caráter intersetorial, integrante da Política Nacional de Assistência Social, estabelecido pelo art. 24-C da Lei nº 8.472/1993 – Lei Orgânica da Assistência Social (Loas);
CONSIDERANDO a Lei Municipal nº 15.276/2010, que estabelece diretrizes para a Política Municipal de Prevenção e Combate do Trabalho Infantil em suas Piores Formas, e dá outras providências;
CONSIDERANDO a Lei Municipal nº 17.923/2023, que institui a Política Municipal de Atenção Integral a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua e na Rua, e dá outras providências;
CONSIDERANDO o Decreto Municipal nº 61.426/2022, que cria o Programa Cidade Protetora e o Selo Cidade Protetora;
CONSIDERANDO a Recomendação nº 01/CMETI/2023, que recomenda que os órgãos que atendem crianças e adolescentes na cidade de São Paulo implementem os protocolos de identificação e atendimento a situações de trabalho infantil estabelecidos no “Caderno de Orientações Técnicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil no Município de São Paulo”;
CONSIDERANDO o Plano Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil, formalizado por meio da Recomendação nº 02/CMETI/2023;
CONSIDERANDO o protagonismo das unidades e serviços de Assistência Social, Educação e Saúde na identificação e resposta a situações de trabalho infantil,
RESOLVEM:
Art. 1º Fica estabelecido nesta Portaria Conjunta o protocolo integrado para atendimento a situações de trabalho infantil no Município de São Paulo.
§ 1º Considera-se trabalho infantil qualquer atividade econômica ou de sobrevivência, remunerada ou não, com ou sem finalidade de lucro, realizada por criança ou adolescente abaixo da idade permitida por lei, sendo caracterizado por:
I – Dependência, econômica ou de outra natureza, da atividade realizada, seja por parte da própria criança ou adolescente ou de sua família;
II – Risco à integridade física, psicológica ou moral da criança ou adolescente;
III – Comprometimento ao desenvolvimento físico, emocional ou intelectual da criança ou adolescente.
§ 2º A mendicância e o trabalho em atividades ilícitas serão considerados formas de trabalho infantil.
§ 3º Serão atendidas como trabalho infantil situações em que crianças e adolescentes acompanham adultos que trabalham ou praticam mendicância quando sua presença, presumivelmente, influenciar a renda obtida por essa atividade, ainda que a criança ou adolescente não execute tarefas diretamente.
§ 4º Para fins desta Portaria Conjunta, situações de trabalho de adolescentes em desconformidade com a legislação serão tratadas como situações de trabalho infantil.
Art. 2º O atendimento a situações de trabalho infantil pelo Município de São Paulo terá como premissas:
I – A necessidade da articulação intersetorial e interinstitucional para que se garanta a efetividade do atendimento;
II – O fomento à articulação interterritorial, considerando as dinâmicas socioespaciais do trabalho infantil no município de São Paulo, caracterizado pela frequente distinção entre o território de trabalho e o local de moradia;
III – O dever de todo agente público de receber e encaminhar casos de trabalho infantil que observe ou dos quais tome conhecimento;
IV – O fomento à articulação direta entre os diversos atores que compõem as redes de proteção de cada território;
V – A flexibilização das estratégias de atendimento, considerando a heterogeneidade e singularidade da história, do contexto de vida e das aspirações de cada criança e adolescente;
VI – A busca pela convergência com outras iniciativas e protocolos já estabelecidos pelo Município de São Paulo e por outros atores;
VII – O fortalecimento da função protetiva da família como objetivo precípuo do atendimento socioassistencial, sendo o afastamento do núcleo familiar medida excepcional e extrema, nos termos da legislação;
VIII – A construção das estratégias de resposta a situações de trabalho infantil a partir de sua compreensão enquanto fenômeno multidimensional, envolvendo aspectos:
a) Econômicos, buscando substituir ou compensar a renda gerada pelo trabalho infantil, reconhecendo seu papel na subsistência das famílias e na satisfação de seus desejos de consumo;
b) Culturais, buscando combater os “mitos” do trabalho infantil e estigmas de raça e gênero que levam determinados grupos populacionais a serem particularmente vitimizados por essa situação;
c) Subjetivos, apoiando a criança, adolescente a reconstruir o senso de propósito e pertencimento eventualmente obtido por meio do trabalho;
d) Práticos, reconhecendo o desafio de conciliar a necessidade de trabalhar e gerar renda pela(o) responsável familiar com as demandas da parentalidade.
IX – A ênfase em ações que busquem garantir a superação do trabalho infantil de forma gradual e progressiva quando a busca por sua interrupção imediata se mostrar contraproducente para a criação ou fortalecimento de vínculos com a rede de proteção ou para o fortalecimento da função protetiva da família;
X – O incentivo à inclusão protegida e qualificada no mundo do trabalho para adolescentes a partir dos 14 anos, nos termos de legislação.
Art. 3º O protocolo de atendimento a situações de trabalho infantil no Município de São Paulo será organizado nas seguintes fases e etapas:
I – Fase de identificação, composta por:
a) Suspeita;
b) Identificação e Encaminhamento;
II – Fase de atendimento, composta por:
a) Atendimento Inicial;
b) Resposta;
c) Acompanhamento;
d) Conclusão.
Art. 4º A etapa de Suspeita, parte da Fase de Identificação, será realizada quando um agente público identificar indícios de ocorrência de uma situação de trabalho infantil, cabendo a esse agente:
I – Observar e dialogar com a criança ou adolescente e/ou com outros profissionais para elucidar a suspeita;
II – Comunicar a gestão de sua respectiva unidade ou serviço para que se tomem as providências necessárias.
§ 1º Caso a suspeita seja confirmada, inicia-se a etapa de Identificação e Encaminhamento.
§ 2º Caso a suspeita seja descartada, deve-se analisar a pertinência de que se inicie outro protocolo de atendimento adequado ao caso.
§ 3º Caso a situação de trabalho infantil seja observada, o protocolo deve ser iniciado diretamente na fase de Identificação e Encaminhamento.
Art. 5º A etapa de Identificação e Encaminhamento, parte da Fase de Identificação, será realizada quando um agente público observar uma situação de trabalho infantil ou confirmar, com grau razoável de segurança, uma suspeita, cabendo a esse agente:
I – Tomar providências imediatas para a proteção da criança ou adolescente e redução de danos, as quais podem incluir:
a) Acionamento da polícia caso seja identificada, em flagrante, situação de exploração sexual ou outras formas de violência contra a criança ou adolescente que exijam atuação imediata da autoridade policial;
b) Denúncia à Ouvidoria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo (via Central SP156) ou à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (Disque 100) caso sejam identificadas situações de trabalho análogo à escravidão;
c) Concessão de benefício eventual caso a situação identificada esteja relacionada a privações materiais que exijam resposta imediata;
d) Acolhimento emergencial caso a situação identificada possa, pela sua gravidade, justificar essa medida, comunicando a Vara da Infância e Juventude em até 24 horas.
II – Registrar a situação de acordo com instrumentais e procedimentos de cada serviço, unidade ou órgão;
III – Comunicar a gestão de seu serviço ou unidade.
Art. 6º Caberá ao gestor do serviço ou unidade que identificou a situação de trabalho infantil comunicá-la:
I – No caso de serviços socioassistenciais, ao centro de referência ao qual estiver vinculado;
II – No caso dos CRAS, ao CREAS de referência do território;
III – No caso de Núcleos Sociais do Programa Cidade Protetora, à SAS do território;
IV – No caso das unidades educacionais da Rede Municipal de Ensino, ao CREAS de referência do território, ao Conselho Tutelar e ao Núcleo de Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem (Naapa);
V – No caso das unidades de saúde, por meio dos Núcleos de Prevenção da Violência, ao CREAS de referência do território, à Supervisão Técnica de Saúde, à unidade educacional de matrícula da criança ou adolescente e ao Conselho Tutelar.
§ 1º Caso um profissional de Saúde identifique a ocorrência de acidente de trabalho, o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador também deverá ser avisado.
§ 2º A comunicação de situações de trabalho infantil entre unidades e serviços de um mesmo órgão ocorrerá de acordo com os procedimentos e instrumentais estabelecidos pelo respectivo órgão.
§ 3º A comunicação de situações de trabalho infantil entre unidades de órgãos distintos deverá ser realizada por Documento de Comunicação Intersetorial (DCI).
Art. 7º A etapa de Atendimento Inicial, parte da Fase de Atendimento, será realizada quando um centro de referência – CRAS, CREAS ou Centro Pop – for comunicado sobre uma situação de trabalho infantil, cabendo a esta unidade:
I – Solicitar à SAS que notifique o Ministério Público do Trabalho quando da presença de aliciadores, fornecendo subsídios para averiguação da situação;
II - Definir o responsável pela coordenação da fase de atendimento.
Art. 8º A coordenação da fase de atendimento consiste na coordenação da articulação entre os vários atores envolvidos na resposta à situação de trabalho infantil e sistematização das informações relacionadas ao atendimento, sendo realizada por:
I – CREAS do território de moradia da família, quando a família for localizada;
II – CREAS do território em que ocorre a situação de trabalho infantil, quando o território de moradia da família não for identificado ou a família não for localizada;
III – CREAS de outro município, quando a família residir fora da cidade de São Paulo e for localizada pela rede socioassistencial de seu local de moradia;
IV – CRAS do território de moradia, quando a situação de trabalho infantil for identificada pelo Serviço de Assistência Social à Família (SASF) e não houver agravantes que demandem seu atendimento pela Proteção Social Especial;
V – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), quando a criança ou adolescente for atendida pelo serviço e não houver agravantes que demandem seu atendimento pela Proteção Social Especial;
VI – Serviço de acolhimento, quando a criança ou adolescente ou sua família estiver em acolhimento institucional;
VII – Centro Pop de referência da família, quando esta estiver em situação de rua e não desejar acessar o serviço de acolhimento.
§ 1º A manutenção da coordenação da fase de atendimento em unidade ou serviço da Proteção Social Básica deverá ser discutida junto ao CREAS do território.
§ 2º Quando a região de moradia da criança ou adolescente for identificada e distinta daquela em que ocorre a situação de trabalho infantil, caberá ao CREAS da região de trabalho solicitar ao CREAS da região de moradia a realização de visita domiciliar, a qual deverá ser realizada e ter seu relatório enviado em até 45 (quarenta e cinco) dias.
§ 3º A comunicação sobre situações de trabalho infantil entre CREAS distintos deverá ser realizada por meio de processo eletrônico único para todos os casos que envolvam seus respectivos territórios, o qual deverá ser disponibilizado para acompanhamento pelas respectivas SAS.
Art. 9º A etapa de Resposta, parte da Fase de Atendimento, consiste nas seguintes ações:
I – Inclusão do marcador de trabalho infantil no Cadastro Único;
II – Elaboração e execução de Plano Individual de Atendimento (PIA) ou instrumento equivalente voltado à superação do trabalho infantil.
§ 1º A inclusão do marcador de trabalho infantil no Cadastro Único deverá ser precedida de nova entrevista social com a família da criança ou adolescente, ainda que a realização da marcação prescinda de pergunta específica sobre o tema à família.
§ 2º O PIA deverá contemplar todas as estratégias adotadas, no âmbito da Assistência Social e de outras políticas públicas, para a superação do trabalho infantil, cabendo à unidade coordenadora da fase de atendimento realizar as articulações necessárias à sua execução.
§ 3º O PIA deverá necessariamente contemplar estratégia para garantia da frequência à escola, seja na educação regular ou na educação de jovens e adultos.
Art. 10 A etapa de Acompanhamento Social, parte da Fase de Atendimento, consiste na avaliação das estratégias previstas no PIA pelo ator responsável pela coordenação do atendimento com periodicidade no mínimo mensal e em articulação com os demais atores envolvidos na etapa de Resposta.
Parágrafo único. Caberá ao ator responsável pela coordenação do atendimento reformular as estratégias previstas no PIA a qualquer momento em resposta à avaliação da efetividade das estratégias utilizadas ou a mudanças no contexto.
Art. 11 A etapa de Conclusão, parte da Fase de Atendimento, ocorrerá quando a situação de trabalho infantil houver sido superada por pelo menos 3 (três) meses ou quando o adolescente completar idade em que a atividade realizada deixe de ser caracterizada como trabalho infantil ou desprotegido, e incluirá:
I – A remoção do marcador de trabalho infantil do Cadastro Único a partir de nova entrevista social com o responsável familiar;
II – O encerramento do atendimento no âmbito do Paefi e encaminhamento da família para que seja referenciada pelo CRAS no âmbito do Paif.
Parágrafo único. Caso seja identificada outra situação de violação de direitos, a família deverá continuar sendo acompanhada no âmbito do Paefi.
Art. 12 Os órgãos envolvidos no atendimento a situações de trabalho infantil envidarão esforços para a difusão e adoção deste Protocolo em suas unidades e serviços.
Art. 13 Casos omissos deverão ser resolvidos em conjunto pelos respectivos órgãos envolvidos.
Art. 14 Esta Portaria Conjunta entrará em vigor na data de sua publicação.
(assinado eletronicamente)
MARCELINA CONCEIÇÃO DOS SANTOS
Secretária Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social
(assinado eletronicamente)
LUIZ CARLOS ZAMARCO
Secretário Municipal da Saúde
(assinado eletronicamente)
FERNANDO PADULA NOVAES
Secretário Municipal de Educação
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo