processo n° 2010-0.350.888-6
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
ASSUNTO: Prestação de contas final do convênio para execução do projeto 'Programa Escola Estufa Lucy Montoro'. Rejeição parcial das contas. Termo inicial para o cômputo dos juros moratórios. Lei federal 13.019/14 e Lei municipal n° 10.734/89.
Informação n° 900/2018-PGM.AJC
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Coordenador Geral
Trata-se de consulta formulada por SMDHC acerca do termo inicial para a incidência de juros moratórios no caso de rejeição (parcial, no caso) de prestação final de contas apresentada por conveniada, no caso de convênio celebrado anteriormente à entrada em vigor da Lei federal n° 13.019/14. Segundo a d. assessoria jurídica da pasta consulente (parecer de fls. 2.789/2.792), a Lei municipal n° 10.734/89, no §3° do art. 1[1], prevê, para os débitos municipais, a incidência de juros moratórios de 1% ao mês, calculados a partir do mês imediato ao vencimento. Entretanto, a Lei federal n° 13.019/14 passou a prever, no art. 71, §4°, inc. II:
"Art. 71. A administração pública apreciará a prestação final de contas apresentada, no prazo de até cento e cinquenta dias, contado da data de seu recebimento ou do cumprimento de diligência por ela determinada, prorrogável justificadamente por igual período. (...)
§4° 0 transcurso do prazo definido nos termos do caput sem que as contas tenham sido apreciadas:
I- não significa impossibilidade de apreciação em data posterior ou vedação a que se adotem medidas saneadoras, punitivas ou destinadas a ressarcir danos que possam ter sido causados aos cofres públicos;
II- nos casos em que não for constatado dolo da organização da sociedade civil ou de seus prepostos, sem prejuízo da atualização monetária, impede a incidência de juros de mora sobre débitos eventualmente apurados, no período entre o final do prazo referido neste parágrafo e a data em que foi ultimada a apreciação pela administração pública."
Para SMDHC/AJ, configura-se a mora a partir do momento em que a Administração Pública analisa as contas da entidade e, encontrando qualquer irregularidade, confere prazo para a restituição, sendo tal prazo desobedecido pela entidade. E questiona, a propósito:
(1)A partir da entrada em vigor, para o Município, da Lei federal n° 13.019/14, qual dos diplomas legais se aplica às parcerias no que diz respeito à incidência de juros sobre valores glosados em prestação de contas, este ou a lei municipal?
(2)E no caso do convênio ter sido celebrado em data anterior à entrada em vigor da Lei federal n° 13.019/14, com prestação de contas pendente de apreciação, aplica-se o mesmo entendimento?
(3)Qual seria o termo inicial a ser considerado para os efeitos do 3° do art. 1o da Lei municipal n° 10.734/89, a apresentação da prestação de contas ou a data do escoamento do prazo para restituição dos valores, determinado pela Administração Pública?
É o relato do necessário.
Responderemos os questionamentos na ordem em que formulados.
(1) A lei federal n° 13.019/14 foi editada pela União no exercício da sua competência legislativa para instituição de normas gerais de contratação pública (art. 22, inc. XXVII, da Constituição), de modo que, na medida em que referido diploma legal passou a prever regra específica acerca da (não) incidência de juros moratórios durante o prazo de análise da prestação de contas, referida norma deve ser observada pelo Município.
Juros moratórios é matéria que diz respeito ao direito das obrigações, de forma que, mesmo que não estivesse enquadrada no ponto referente às contratações públicas (relações obrigacionais envolvendo os entes públicos), a competência de qualquer modo seria da União, na medida em que lhe cabe dispor sobre direito civil (art. 22, inc. I, da Constituição).
A legislação municipal acerca da correção e dos juros de mora no caso de débitos para com o Município (Lei n° 10.734/89) continua sendo aplicável, eis que estabelece o índice de correção e de juros, mas, no caso dos termos de parcerias previstos na Lei federal n° 13.019/14, sua aplicação deve ser compatibilizada com as previsões da legislação federal acerca do tema.
(2) Não cremos que o disposto no art. 71 da Lei federal n° 13.019/14 se aplique aos convênios celebrados anteriormente à vigência da lei com prestação de contas pendente de análise.
Nos termos do disposto no art. 83 das disposições transitórias da lei federal:
Art. 83. As parcerias existentes no momento da entrada em vigor desta Lei permanecerão regidas pela legislação vigente ao tempo de sua celebração, sem prejuízo da aplicação subsidiária desta Lei, naquilo em que for cabível, desde que em benefício do alcance do objeto da parceria.
Ainda que não fosse a disposição expressa da lei federal acerca da ultratividade da lei vigente na época da parceria, no caso em questão, quando da entrada em vigor da nova legislação no âmbito municipal (em 1/01/2017), a prestação de contas havia sido apresentada e já havia sido inclusive analisada pelo Município (a análise final deu-se em setembro de 2016, cf. fls. 2.729) e, a conveniada, notificada (fls. 2.739), de modo que a incidência da regra da lei nova sobre prestação de contas importaria em retroação inadmitida pela Constituição, por vulnerar o ato jurídico perfeito.
(3) O art. 71 da Lei federal n° 13.019/14 acabou por sanar uma omissão no que diz respeito ao fluxo dos juros moratórios no caso de glosa de valores de prestações de contas nas parcerias com entidades sem fins lucrativos. No caso em questão, entretanto, entendemos inaplicável a lei federal, tornando necessária a resolução da questão.
Muito embora inaplicável a lei federal, parece-nos que a solução para o caso não é muito diferente do que ela prevê. Nos casos de prestação de contas total ou parcialmente rejeitada, entendemos que os juros de mora somente podem ser contados a partir do momento em que a entidade foi notificada a devolver o valor glosado. Antes disso, segundo entendemos, não há mora, eis que não há uma dívida líquida (pois a liquidação depende de um ato do Município, qual seja, a análise da prestação de contas e a realização de eventuais glosas). A mora nestes casos, assim, depende de um ato do Município que informe a respeito das glosas e exija o pagamento de determinado valor - ou seja, nestas hipóteses a mora depende de um ato do credor que estabeleça o valor devido e preveja prazo para o pagamento (mora ex persona).
Nada obstante, pelo que conseguimos compreender do relatório de prestação de contas de fls. 2.726/2.729, algumas parcelas do que a entidade teria que devolver não se referem à glosa de valores da prestação de contas apresentada, mas ao saldo não utilizado (valores repassados à entidade que não foram empregados por ela e, portanto, sequer fizeram parte da prestação de contas). Nestes casos, quando o ajuste prever um prazo para a devolução dos recursos não empregados na consecução do objeto contratual, cremos que a mora ocorre ex re, independendo de um ato do credor exigindo o cumprimento da obrigação.
O convênio em análise prevê, na cláusula 5.5, que "a CONVENENTE se obriga a devolver à PMSP/SMPP, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias, o saldo eventualmente apurado quando do encerramento do convênio" (fls. 384 do PA 2009-0.252.024-1). Assim, cremos que, ultrapassado o prazo de trinta dias sem a devolução dos recursos (não aplicados na parceria, que não tenham sido objeto de prestação de contas pela entidade), a privada passa a estar em mora, como decorrência direta da previsão contratual.
Como já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo:
"AÇÃO DECLARATÓRIA - Convênio firmado entre o Município de São Paulo e particular - Início da contagem dos juros moratórios - Fim do prazo para cumprimento da obrigação, conforme estabelecido no convênio - Ter-se-á mora "ex re" nas obrigações positivas e líquidas, não cumpridas no seu termo, constituindo-se o devedor, imediatamente, em mora - Apelo da Municipalidade provido."
(TJSP; Apelação 1031688-13.2014.8.26.0053; Relator (a): Paulo Dimas Mascaretti; Órgão Julgador: 8a Câmara de Direito Público; Data do Julgamento: 25/11/2015; Data de Registro: 25/11/2015)
Nos termos do voto do Relator:
"De acordo com o convênio documentado às fls. 8 e ss., a ré ficou obrigada a restituir os saldos dos recursos repassados e não aplicados dentro do período aprazado, a saber (fls. 20): A CONVENENTE, quando da prestação de contas final, deverá recolher, através de depósito na conta corrente indicada no item 4.2.3, os eventuais saldos dos recursos repassados e não aplicados dentro do período aprazado, e posteriormente apresentar o devido extrato probatório.
Nesse caso, a regra para contagem dos juros moratórios é a do dies interpellat pro homine, ou seja, ter-se-á mora "ex re" nas obrigações positivas e líquidas, não cumpridas no seu termo, constituindo-se o devedor, imediatamente, em mora (DINIZ, Maria Helena, "in" Código civil anotado, 10a ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 333), sendo certo que, no particular, com o término do prazo para a devolução dos valores em referência, ocorrido em 19 de dezembro de 2012 (fls. 265), a ré já se encontrava em mora, devendo, portanto, os juros incidirem a partir de tal momento."
Este entendimento, aliás, segundo nos parece, aplica-se mesmo aos convênios celebrados após a entrada em vigor da Lei federal n° 13.019/14, eis que o art. 71 do diploma legal apenas dispõe sobre a prestação de contas - diga-se, sobre os valores dela objeto -, de forma que, se houver saldo residual não utilizado (que, portanto, não tenha sido objeto de prestação de contas pela entidade), e houver previsão de prazo para devolução previsto no termo de parceria, os juros de mora terão seu termo inicial após o escoamento de tal prazo, independentemente da análise da prestação de contas pela equipe técnica competente. Eventual demora em tal análise, logicamente, não suspende a fluência dos juros em relação às parcelas que não forem objeto de prestação de contas.
Sub censura.
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São Paulo, 02/08/2018.
RODRIGO BRACET MIRAGAYA
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP 227.775
PGM
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De acordo.
São Paulo, 07/08/2018.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Assessora Chefe - AJC
OAB/SP 175.186
PGM
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processo n° 2010-0.350.888-6
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
ASSUNTO : Prestação de contas final do convênio para execução do projeto 'Programa Escola Estufa Lucy Montoro'. Rejeição parcial das contas. Termo inicial para o cômputo dos juros moratórios. Lei federal 13.019/16 e Lei municipal n° 10.734/89.
Cont. da Informação n° 900/2018-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral
Encaminho, a Vossa Senhoria, manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que endosso, no sentido de que (1) o disposto no art. 71 da Lei federal n° 13.019/14, na qualidade de norma geral, deve ser observado pelo Município; (2) referida disposição legal não se aplica aos convênios celebrados anteriormente à entrada em vigor da Lei federal n° 13.019/14 para o Município; (3) os juros moratórios devem ser contados: (3.1) a partir do final do prazo para devolução dos valores glosados, estabelecido na notificação de glosa, para o montante objeto da prestação de contas, ou (3.2) a partir do prazo previsto na cláusula 5.5 do convênio, para o saldo repassado não utilizado pela conveniada na consecução do objeto do ajuste e, consequentemente, não objeto da prestação de contas, bem como para eventuais valores cujas contas não tenham sido apresentadas.
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São Paulo, 17/09/2018.
TIAGO ROSSI
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP 195.910
PGM
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processo n° 2010-0.350.888-6
INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
ASSUNTO: Prestação de contas final do convênio para execução do projeto 'Programa Escola Estufa Lucy Montoro'. Rejeição parcial das contas. Termo inicial para o cômputo dos juros moratórios. Lei federal 13.019/16 e Lei municipal n° 10.734/89.
Cont. da Informação n° 900/2018-PGM.AJC
SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
Senhor Secretário
Encaminho, a Vossa Senhoria, manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, no sentido de que (1) o disposto no art. 71 da Lei federal n° 13.019/14, na qualidade de norma geral, deve ser observado pelo Município; (2) referida disposição legal não se aplica aos convênios celebrados anteriormente à entrada em vigor da Lei federal n° 13.019/14 para o Município; (3) os juros moratórios devem ser contados: (3.1) a partir do final do prazo para devolução dos valores glosados, estabelecido na notificação de glosa, para o montante objeto da prestação de contas, ou (3.2) a partir do prazo previsto na cláusula 5.5 do convênio, para o saldo repassado não utilizado pela conveniada na consecução do objeto do ajuste e, consequentemente, não objeto da prestação de contas, bem como para eventuais valores cujas contas não tenham sido apresentadas.
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São Paulo, 01/10/2018.
GUILHERME BUENO DE CAMARGO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 188.975
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo