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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 83 de 11 de Fevereiro de 2020

Informação n° 83/2020 - PGM.AJC
Imóveis particulares ocupados com existência de risco. Arrecadação de bens abandonados. 

Processo n° 6014.2019/0004506-3

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

ASSUNTO: Imóveis particulares ocupados com existência de risco. Arrecadação de bens abandonados.

Informação n° 83/2020 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Coordenadoria Geral do Consultivo Senhor

Coordenador Geral

Considerando a existência de imóveis particulares ocupados por terceiros (sem anuência do proprietário), cuja precariedade coloca em risco a situação dos ocupantes, foi constituído grupo de trabalho intersecretarial pela Portaria n° 648/2018 - PREF para avaliar a questão. Um dos relatórios desse grupo, encartado no SEI 022404916, deu origem a este processo. Em tal relatório, o grupo alerta especialmente para reocupações de prédios particulares já desocupados pela Prefeitura.

Encaminhado, o relatório, à SEHAB, a assessoria do gabinete posicionou-se no seguinte sentido:

"Em comum, os prédios listados, especialmente os três últimos, demonstram que a ação da municipalidade ocorre, principalmente, em edifícios que se encontram vazios há muito tempo e que apresentam muitas dívidas com a municipalidade. Ou seja, os proprietários se recusam a realizar a segurança de seus bens e transferem para a Prefeitura os ônus gerados pela falta de trato que lhes é pertinente. Conforme pode ser verificado nos documentos (022397200, 022397685, 022398196 e 022398459) os referidos imóveis somam R$ 11.262.187 em dívidas referentes a IPTU/CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA/TRSD; conforme o site da dívida ativa do município (http://www3.prefeitura.sp.gov.br/DividaAtivaConsDebSimp/Forms/frm001_Entrada.aspx), enquanto que seus Valores Venais de Referência (segundo o site http://www3.prefeitura.sp.gov.br/tvm/frm_tvm_consulta_valor.aspx) somam R$ 19.416.058,00.

De maneira contrária, não há informações a respeito de reocupações nos imóveis que passaram a ser acompanhados e que foram reintegrados na posse pelos proprietários, já que os responsáveis arcaram com todos os custos referentes às desocupações.

Tendo em vista que essas ocupações já foram avaliadas e acompanhadas pelo Grupo Técnico Intersecretarial, o entendimento atual é que não haverá diálogo para permanência ou atendimento dos atuais ocupantes nesses casos em específico, já que sequer é possível argumentar que o poder público não cumpriu com suas obrigações, pois, como já dito, houve ação de desocupação há menos de um ano. Além disso, há também o questionamento quanto à pertinência jurídica do dispêndio de recursos públicos para solucionar problemas nos imóveis particulares, sem que haja responsabilização dos proprietários, uma vez que os custos para manutenção e segurança dos imóveis particulares da cidade devem ser de seus proprietários, cabendo a urbe se responsabilizar pela fiscalização das posturas municipais e não pela atuação direta nesses imóveis.

Por isso, conforme consta no registro da reunião do GTI ocorrida em 13/09/2019 (022404916), é necessária a adoção imediata de providências cabíveis para nova desocupação desses imóveis, mas com a perspectiva de que não se tornem outra vez áreas de risco. E nos parece evidente que medidas devem ser tomadas para com os proprietários, haja vista que se demonstram incapazes de arcar com as obrigações previstas para com seus imóveis, já que não é competência municipal o monitoramento dessas áreas após sua desocupação.

Portanto, sugerimos que seja feita uma reflexão pelas áreas competentes quanto à viabilidade de adoção de medidas distintas, quais sejam: a realização de uma desapropriação amigável, a propositura de um processo judicial em face do proprietário para a demolição do imóvel em risco ou a arrecadação dos bens abandonados, de acordo com o artigo 1.276 do Código Civil."

Considerando a proposta final constante do encaminhamento, o expediente foi-nos encaminhado para manifestação.

É o relato do necessário.

Dentre as três medidas sugeridas por SEHAB (desapropriação amigável, a propositura de um processo judicial em face do proprietário para a demolição do imóvel em risco e a arrecadação dos bens abandonados), duas delas - a desapropriação, que pode se resolver amigavelmente, e a propositura de demanda judicial em face do proprietário pedindo a demolição do prédio em risco - já são adotadas, quando convenientes, pela Administração Pública. Elas não ensejam, ademais, maiores questionamentos.

Por outro lado, não temos registro recente de promoção da arrecadação de imóvel abandonado em situação de risco. A vantagem óbvia deste procedimento em relação à desapropriação é que o Município poderia adquirir a titularidade do bem sem o dispêndio de uma indenização (mesmo a desapropriação sancionatória, prevista no art. 8° do Estatuto da Cidade, depende do pagamento por meio de títulos de dívida, além de demandar, previamente, cinco anos de cobrança de IPTU progressivo). Daí porque pode interessar o seu emprego pelo Município, quando lhe convier a aquisição da propriedade particular.

A arrecadação de imóveis abandonados encontra-se inicialmente prevista nos arts. 1.275, III, e 1.276, do Código Civil, verbis:

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:

(... )

III - por abandono;

(... )

Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§ 1º O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§ 2º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

Diante das eventuais dificuldades em se comprovar a intenção do proprietário de abandonar o imóvel (bastaria o proprietário se contrapor ao pedido do Município, por exemplo, para descaracterizar o ânimo em abandonar o bem), o §2° do art. 1.276 fornece um valioso instrumento para os entes públicos, presumindo de forma absoluta a intenção de abandonar quando o proprietário cessar a posse e deixar de satisfazer os ônus fiscais. Conforme anotado por SEHAB, muitos dos proprietários dos imóveis mapeados pelo grupo de trabalho devem IPTU há anos, o que autorizaria o emprego da presunção prevista no §2°.

Uma questão relevante diz respeito ao fato dos imóveis encontrarem-se ocupados, mas não acreditamos que tal fato por si só inviabilize a arrecadação, considerando as situações fáticas em análise e a alteração legislativa promovida pela Lei federal n° 13.465/17.

Primeiro porque tal ocupação não decorre do exercício da posse pelo proprietário, seja a posse direta ou indireta. Geralmente a ocupação decorre da invasão dos imóveis por grupos mais ou menos organizados. Daí porque, mesmo estando o imóvel ocupado, podemos considerar que o proprietário 'cessou os atos de posse': a própria invasão do imóvel evidencia a cessação da posse pelo proprietário.

Em segundo, embora haja decisões judiciais que afastam a possibilidade de arrecadação quando o imóvel está ocupado por terceiros sem qualquer relação com o proprietário, ao argumento de que, em tais casos, o imóvel estaria cumprindo a sua função social (pois servindo como lar de família)1, parece-nos que tal raciocínio não se aplica tranquilamente aos casos analisados. Nestes, os prédios ocupados apresentam problemas de segurança que tornam a ocupação inviável, de forma que o correto seria a desocupação do imóvel, ainda que forçosa, para que os ocupantes não permaneçam em situação de risco à vida. Portanto, na situação em que se encontram, os prédios não podem servir como moradia de famílias. Dito de outro modo, não é razoável, em nossa opinião, considerar como cumprindo a função social um prédio que coloca as pessoas que nele se encontram em risco de vida. Ademais, em tais casos, para além das questões de segurança, torna-se muito mais difícil a futura propositura de ação de usucapião pelas famílias ali residentes do que em imóveis unifamiliares, o que coloca os moradores em uma situação de permanente insegurança jurídica.

Portanto, parece atender muito mais a função social da propriedade a sua arrecadação pelo Município e recolocação do prédio em situação de habitabilidade, para que aí sim, ser ocupado por famílias economicamente vulneráveis, preferencialmente com algum título.

Em terceiro, a Lei federal n° 13.465/17, que passou a disciplinar a arrecadação de imóveis abandonados, não repetiu, como um requisito para a arrecadação, a necessidade do imóvel 'não se encontrar na posse de outrem', como previa o CC. Veja, no caput do art. 64 do novo diploma legal, que tem redação semelhante à do art. 1.276 do CC, que foi extirpado tal requisito:

"CAPÍTULO IX

DA ARRECADAÇÃO DE IMÓVEIS ABANDONADOS

Art. 64. Os imóveis urbanos privados abandonados cujos proprietários não possuam a intenção de conservá-los em seu patrimônio ficam sujeitos à arrecadação pelo Município ou pelo Distrito Federal na condição de bem vago.

§ 1° A intenção referida no caput deste artigo será presumida quando o proprietário, cessados os atos de posse sobre o imóvel, não adimplir os ônus fiscais instituídos sobre a propriedade predial e territorial urbana, por cinco anos.

§ 2° O procedimento de arrecadação de imóveis urbanos abandonados obedecerá ao disposto em ato do Poder Executivo municipal ou distrital e observará, no mínimo:

I - abertura de processo administrativo para tratar da arrecadação;

II - comprovação do tempo de abandono e de inadimplência fiscal;

III - notificação ao titular do domínio para, querendo, apresentar impugnação no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação.

§ 3° A ausência de manifestação do titular do domínio será interpretada como concordância com a arrecadação.

§ 4° Respeitado o procedimento de arrecadação, o Município poderá realizar, diretamente ou por meio de terceiros, os investimentos necessários para que o imóvel urbano arrecadado atinja prontamente os objetivos sociais a que se destina.

§ 5° Na hipótese de o proprietário reivindicar a posse do imóvel declarado abandonado, no transcorrer do triênio a que alude o art. 1.276 da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), fica assegurado ao Poder Executivo municipal ou distrital o direito ao ressarcimento prévio, e em valor atualizado, de todas as despesas em que eventualmente houver incorrido, inclusive tributárias, em razão do exercício da posse provisória.

Art. 65. Os imóveis arrecadados pelos Municípios ou pelo Distrito Federal poderão ser destinados aos programas habitacionais, à prestação de serviços públicos, ao fomento da Reurb-S ou serão objeto de concessão de direito real de uso a entidades civis que comprovadamente tenham fins filantrópicos, assistenciais, educativos, esportivos ou outros, no interesse do Município ou do Distrito Federal."

A Lei federal n° 13.465/17 é posterior ao CC, de forma que não faria sentido interpretá-la de acordo com o CC - a nova disposição se sobrepõe ao previsto na lei anterior, revogando implicitamente as disposições em contrário.

Outra questão envolvendo a arrecadação diz respeito ao procedimento. Até muito recentemente, prevalecia o entendimento de que seria necessária a propositura de demanda em juízo, pelo Município, pleiteando a arrecadação e a futura aquisição da propriedade (ao fim do triênio previsto no caput do art. 1.276 do CC) - localizamos algumas decisões do Judiciário no bojo de procedimentos (judiciais) de arrecadação, e nenhuma delas apontou que faleceria interesse de agir aos Municípios autores. Esta situação mudou em 2017, quando a Lei federal n° 13.465/17 passou a dispor sobre a arrecadação de imóveis abandonados e o seu procedimento nos arts. 64 e 65, supratranscritos.

Destaque-se, em primeiro lugar, o §1° do art. 64, que especificou o prazo de inadimplemento dos ônus fiscais sobre o imóvel para que se presuma a intenção de abandoná-lo. Dada a extensão do prazo estabelecido - de cinco anos -, se ele ainda não tiver se escoado, o Município deve avaliar quanto à possibilidade ou conveniência de demonstrar eventual ânimo em abandonar de outra forma, para dar início ao procedimento de arrecadação. Deve estar ciente, contudo, que, neste caso, bastará o proprietário manifestar oposição à arrecadação, para que esta fique inviabilizada (ao menos até o decurso do prazo quinquenal).

No que se refere ao procedimento para a arrecadação, o §2° especificou que se trataria de um processo administrativo, e não judicial, sucintamente regulamentado pela disposição legal, a qual faz alusão à disciplina prevista em ato do Executivo municipal - até agora inexistente no Município de São Paulo, salvo melhor juízo. Ademais, prevê, nos §§ 4° e 5°, que, arrecadado o bem, o Município 'poderá realizar, diretamente ou por meio de terceiros, os investimentos necessários para que o imóvel urbano arrecadado atinja prontamente os objetivos sociais a que se destina' e que o Município terá 'o direito ao ressarcimento prévio, e em valor atualizado, de todas as despesas em que eventualmente houver incorrido, inclusive tributárias, em razão do exercício da posse provisória', caso o proprietário, no triênio a que alude o art. 1.276 do CC, reivindique a posse do bem abandonado. Tal disposição confere maior segurança ao Município que arrecada o bem a realizar os investimentos necessários nele. Para recuperar o bem dentro do triênio legal, o proprietário terá não apenas que adimplir, ainda que parceladamente, os tributos em atraso (como já vinha entendendo o Judiciário), como ainda reembolsar o Poder Público por todas as despesas com o bem.

Concluindo, recomenda-se a edição de decreto disciplinando a arrecadação de imóveis abandonados pelo Município, tal como previsto no §2° do art. 64 da Lei federal n° 13.465/17. Editada a norma, o Município poderá se valer desse instrumento quando for conveniente, cabendo lembrar que, arrecadado o bem, o Município passa a ter as responsabilidades associadas ao exercício da posse do imóvel, o que pode envolver, logicamente, o dispêndio de recursos.

Sub censura.

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São Paulo, 11/02/2020

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP n° 227.775

PGM

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1 Neste sentido:

"APELAÇÃO - Arrecadação de Bens Vagos - Requisitos do artigo 1.276 do Código Civil não comprovados - Demonstrada a ocupação dos imóveis, ainda que por terceiros, inviável sejam considerados bens vagos - Verba honorária fixada dentro dos ditames legais - Sentença mantida - Precedente deste Sodalício - Recurso improvido."

(TJSP; Apelação Cível 0002778-07.2012.8.26.0459; Relator (a): Rebouças de Carvalho; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Pitangueiras - 1ª Vara Judicial; Data do Julgamento: 17/08/2016; Data de Registro: 17/08/2016)

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Processo n° 6014.2019/0004506-3

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

ASSUNTO: Imóveis particulares ocupados com existência de risco. Arrecadação de bens abandonados.

Cont. da Informação n° 83/2020 - PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhora Procuradora Geral

Encaminho a Vossa Senhoria a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acompanho, recomendando, diante do previsto no §2° do artigo 64 da Lei federal n° 13.465/17, a edição de decreto para regulamentar a arrecadação, pelo Município, de imóveis abandonados.

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São Paulo, 14/02/2020

TIAGO ROSSI

Coordenador Geral do Consultivo

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo n° 6014.2019/0004506-3

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

ASSUNTO: Imóveis particulares ocupados com existência de risco. Arrecadação de bens abandonados.

Cont. da Informação n° 83/2020 - PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

Senhor Secretário

Encaminho a Vossa Senhoria a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que endosso, em que se recomenda, diante do previsto no §2° do artigo 64 da Lei federal n° 13.465/17, a edição de decreto para regulamentar a arrecadação, pelo Município, de imóveis abandonados.

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São Paulo, 28/02/2020

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo