CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 792 de 27 de Julho de 2020

Informação n° 792/2020- PGM.AJC
Substitutivo ao Projeto de Lei 539/19.

processo n° 6010.2020/0002206-3

INTERESSADO: GABINETE DO PREFEITO/CASA CIVIL

ASSUNTO: Substitutivo ao Projeto de Lei 539/19.

Informação n° 792/2020-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhor Procurador Assessor Chefe,

A Assessoria Técnico-Legislativa da Casa Civil (ATL) roga (doc. SEI 031024440) manifestação quanto ao disposto nos artigos 20, 21 e 22 do Substitutivo ao Projeto de Lei 539/19 (doc. SEI 031014989), aprovado em primeira discussão. Referida propositura institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório e dá outras providências.

É o relatório.

A análise abaixo realizada contou com a contribuição do Procurador Maurício Tonin, que participou das discussões relativas ao tema da desjudicialização no Município de São Paulo.

Os artigos 20, 21 e 22 promovem acréscimos e/ou alterações na Lei municipal 17.324/2020, que institui a Política de Desjudicialização no Município de São Paulo.

O artigo 20 acresce um parágrafo ao artigo 3° da Lei 17.324/2020, in verbis:

Art. 3° (omissis)

§6° Nas causas e nos acordos judiciais e extrajudiciais cujo valor seja até 10 (dez) salários mínimos federais, as partes comparecerão, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.

Foi criada uma alçada para a obrigatoriedade de participação de advogado na realização de acordos com a Administração municipal. Assim, nos ajustes judiciais e extrajudiciais cuja valor supere 10 (dez) salários mínimos federais, a assistência por advogado impõe-se como obrigatória.

Convém apontar, no âmbito do processo legislativo que deu ensejo à Lei 17.324/2020, que o correlato Projeto de Lei (de n.° 502/2019) instituía de modo amplo a obrigatoriedade de participação de advogado, conforme dispunha o artigo 3°, §5°[1]. No entanto, submetida a propositura ao Executivo, indigitado preceito foi objeto de veto, conforme as seguintes razões:

O dispositivo impõe a presença de advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, para assistir o devedor em todo e qualquer acordo para solução consensual de controvérsias.

Condicionar quaisquer procedimentos que envolvam métodos de solução consensual de conflitos à presença de advogado é incompatível com a legislação em vigor. A Lei da Mediação (Lei Federal n° 13.140, de 26 de junho de 2015), em seu artígo 10 determina que, na mediação extrajudicial, as partes poderão ser assistidas por advogado ou defensor público.

Ademais, o artigo 133 da Constituição Federal não pressupõe que a presença do advogado seja indispensável em qualquer expediente de solução de conflitos que é levado ao Poder Judiciário. Tanto é assim que existem exceções legais que dispensam a presença de advogado, como na Justíça do Trabalho (art. 791, CLT), no Juizado Especial Cível - JEC até 20 salários mínimos (art. 9°, Lei Federal n° 9.099, de 1995) e no Juizado Especial Federal (art. 10, Lei Federal n° 10.529, de 2001). Nestes casos, a presença do advogado não é impositiva.

De outra parte, este parágrafo está em desacordo com a Lei de Arbitragem (Lei Federal n° 9.307, de 23 de setembro de 1996), que dispõe em seu artígo 21, § 3°, que a partícipação do advogado na arbitragem é uma faculdade da parte interessada, não uma obrigação.

Frise-se, outrossim, que o dispositívo prevê expressamente somente a presença de "advogado regularmente inscrito na OAB - Ordem dos Advogados do Brasil", o que exclui os defensores públicos que, atualmente, estão desobrigados dessa vinculação com a OAB (a questão está sub judice no Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário com repercussão geral - RE 1.240.999).

Assim, considerando que o objetívo do projeto de lei é instituir a Política de Desjudicialização, que tem como finalidade reduzir a litigiosidade e fomentar a solução consensual dos conflitos, exigir a presença de advogados é impor às partes um ônus que contraria a lógica do uso de métodos consensuais de solução de conflitos.

É louvável a iniciativa do legislador municipal no sentido de permitir a cobrança mais eficaz dos créditos tributários e reduzir o número de ações envolvendo o Município. A proposta está em consonância com a necessidade de alterações na cultura do litigio e da judicialização de conflitos e na valorização das formas consensuais de solução de conflitos que permitem a redução de custos, celeridade para por fim ao conflito e valorização das partes. Porém, exigir a presença de advogado para celebração de todo e qualquer acordo não condiz com este entendimento.

Na realidade, tal previsão poderá causar o efeito contrário e indesejado de evitar a solução consensual de conflitos, já que os particulares que não tiverem condições de contratar advogados não poderão resolver seus problemas com a unicipalidade, como, por exemplo, parcelar tributos em aberto.

Para além das considerações já lançadas nas razões de veto, vislumbra-se, em relação aos acordos judiciais, usurpação de competência da União para legislar privativamente sobre direito processual, ex vi do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.

Deve-se igualmente atentar que o tema da participação obrigatória de advogados no âmbito das soluções consensuais é objeto de acirrada polêmica. Sobre o tema, cite-se a expedição, pelo Conselho Nacional de Justiça, da Nota Técnica 0010642-32.2018.00.0000, referente ao Projeto de Lei da Câmara 80/2018, dispondo sobre a obrigatoriedade da participação de advogado na solução consensual de conflitos[2]. A conclusão da nota técnica é no sentido contrário à proposta, nos termos da jurisprudência consolidada do CNJ, de "que a conciliação e a mediação pré-processual é atividade que pode ser realizada sem a necessária participação dos advogados, porque objetiva apenas facilitar a transação, ato de autonomia privada reservado a toda pessoa capaz, a fim de prevenir ou terminar litígios".

Diante disto, entende-se que referido preceito do Substitutivo ao Projeto de Lei 539/19 não se encontra ajustado à juridicidade.

Por outro lado, não se pode deixar de mencionar que recentemente a Lei municipal 17.403, de 17 de julho de 2020, inseriu no ordenamento dispositivo impondo a assistência obrigatória por advogado em sede de transações tributárias de que trata o artigo 2°, "caput", da mesma norma[3]. Tal circunstância, contudo, não elide as ponderações acima realizadas.

Por fim, ainda em relação ao artigo 20, a expressão "as partes comparecerão" esbarra na possibilidade atual de que diversos acordos podem ser realizados por meio eletrônico, de modo a tornar o preceito da propositura contrário ao interesse publico e à economia processual.

O artigo 21 altera o artigo 4° da Lei 17.324/2020, in verbis:

Art. 4° Os acordos de que trata esta lei poderão consistir somente no pagamento de débitos inscritos na dívida ativa municipal limitados até o valor R$ 510.000,00 (quinhentos e dez mil reais) para as dívidas tributárias e não tributárias, em parcelas mensais e sucessivas, não se aplicando aos acordos firmados em Programas de Parcelamento Incentivado - PPI anteriores à publicação desta lei, regidos por legislação própria.

I - Nas causas e nos acordos judiciais e extrajudiciais cujo valor seja até 10 (dez) salários mínimos federais, as partes comparecerão, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.

Verifica-se o emprego de técnica legislativa falha, porquanto é inserido um inciso ao artigo, quando mais adequada seria a inserção da mesma prescrição no "caput" ou mesmo a instituição de um parágrafo único.

Quanto ao "caput", a propositura retoma a mesma redação do já referido Projeto de Lei 502/2019 e de seu artigo 4°, a qual não foi incorporada in totum na Lei 17.324/2020. A propósito, a adoção pelo projeto de lei do advérbio "somente" pode gerar a interpretação de que a integralidade da Lei de Desjudicialização apenas se aplica aos acordos contemplados no artigo 4°, de modo a limitar significativamente a abrangência do diploma.

Ademais, no que se refere à prescrição do inciso I - referente à assistência obrigatória de advogado nos acordos superiores a 10 (dez) salários mínimos -, reiteram-se as considerações acima, realizadas em relação ao artigo 20 do Substitutivo ao Projeto de Lei 539/19.

O artigo 22 acresce inciso e altera o parágrafo único do artigo 5° da Lei 17.324/2020, in verbis:

Art. 5° (omissis)

IV - O regulamento desta lei disporá sobre as hipóteses em que a autorização prevista nos incisos II e III deste artigo exigirá, sob pena de nulidade, prévia e expressa anuência do Procurador Geral do Município.

Parágrafo único. Fica obrigatória a participação do advogado quando a solução consensual da dívida ocorrer em processos judiciais já em trâmite.

Novamente verifica-se a adoção de técnica legislativa falha, pois o atual parágrafo único do artigo 5° do diploma legal é transformado no inciso IV, acima reproduzido, enquanto que o parágrafo único, na nova redação proposta, prevê a participação obrigatória de advogado na hipótese em que a solução consensual da dívida ocorrer em processos judiciais em trâmite.

Evocam-se, mais uma vez, no tocante à participação cogente de advogados, os argumentos já lançados.

Além disso, a Fazenda Municipal celebra inúmeros acordos no âmbito do CEJUSC da Fazenda Pública em processos cujas partes não são representadas por advogados, seja em casos já judicializados (quando admitido por lei) ou em conciliações pré-processuais. Destaque-se que tais negócios, autorizados pela Procuradoria Geral do Município, são consentâneos com as diretrizes do Tribunal de Justiça de São Paulo, bem como são homologados por sentença judicial.

À consideração superior.

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São Paulo, 27/07/2020.

RODRIGO BORDALO RODRIGUES

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP 183.508

PGM

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[1]Redação: "§ 5° Todo e qualquer acordo para solução consensual de controvérsias exigirá a presença de advogado regularmente inscrito na OAB - Ordem dos Advogados do Brasil - sendo sua escolha feita pelo devedor."
[2]O Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n. 80, de 2018, pretende alterar a Lei 906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), para estabelecer a obrigatoriedade da participação do advogado na solução consensual de conflitos.
[3]"Art. 2° Para fins da Política de Desjudicialização de que trata a Lei n° 324, de 18 de março de 2020, os débitos tributários inscritos em dívida ativa relativos ao desenquadramento do regime especial de recolhimento do ISS das sociedades uniprofissionais, previsto no art. 15 da Lei n° 13.701 , de 24 de dezembro de 2003, que tenham valor total de até R$ 510.000,00, ficam sujeitos a acordos, transações ou remissões.
(... )
§2° Nas transações tributárias de que trata o caput deste artigo e a Lei n° 17.324, de 2020, com causas de valor até 20 (vinte) salários mínimos federais, as partes comparecerão para realizar a transação, podendo ser assistidas por advogados; nas causas de valor superior, a assistência é obrigatória."

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processo nº 6010.2020/0002206-3

INTERESSADO: GABINETE DO PREFEITO/CASA CIVIL

ASSUNTO: Substitutivo ao Projeto de Lei 539/19.

Cont. da Informação n° 792/2020-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhora Procuradora Geral

Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho.

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São Paulo, 27/07/2020.

TIAGO ROSSI

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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processo nº 6010.2020/0002206-3

INTERESSADO: GABINETE DO PREFEITO/CASA CIVIL

ASSUNTO: Substitutivo ao Projeto de Lei 539/19.

Cont. da Informação n° 792/2020-PGM.AJC

GABINETE DO PREFEITO/CASA CIVIL/ATL

Chefia da Assessoria Técnico-Legislativa

Nos termos do encaminhamento constante no doc. SEI 031024440, alusivo aos artigos 20, 21 e 22 do Substitutivo ao Projeto de Lei 539/2019, restituo o presente com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo (doc. SEI 031171595), que acolho na íntegra.

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São Paulo, 28/07/2020.

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

RESPONDENDO PELA SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo