processo 2012-0.008.882-0
INTERESSADO: TRAJETO CONSTRUÇÃO E SERVIÇOS LTDA
ASSUNTO: Infração administrativa ambiental. Corte de um exemplar arbóreo. Aplicação de multa. Autorização da Subprefeitura da Sé. Proteção à confiança legítima.
Informação n° 0773/2015-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Assessoria Jurídico-Consultiva
Senhor Procurador Assessor Chefe
A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) formula consulta acerca da responsabilidade da empresa interessada, bem como solicita o estabelecimento de uma diretriz a respeito do imbróglio observado no presente, haja vista a quantidade de casos semelhantes, que envolvem a aplicação de penalidades pela Pasta ambiental, em razão de intervenção em exemplares arbóreos decorrentes de autorização emitida pela Subprefeitura.
No que se refere ao caso em comento, a empresa Trajeto Construções e Serviços Ltda. firmou junto à Subprefeitura da Sé o Contrato n.° 043/SP-SE/2006 (fls. 27/35), para fins de prestação de serviços de poda e de remoção de exemplares arbóreos. Por conta de tal avença, foram expedidas diversas ordens de serviço, autorizando a remoção de árvore localizada na Praça Darci Penteado, s/n.°, Pacaembu, nesta Capital (cf. cópias acostadas a fls. 26/34 do PA 2008-0.378.426-7 - acompanhante). Diante da obrigação contratual assumida, houve a efetiva remoção do exemplar pela interessada.
Ocorre que tal conduta foi objeto de sanção pela Seçfetaria do Verde e do Meio Ambiente, ante a inserção da árvore em Área de Vegetação Significativa do Município de São Paulo, sem que tivesse havido qualquer autorização para a remoção pela Pasta ambiental. Desta forma, foi lavrado o Auto de Infração n. 10729/08, com a aplicação da Multa n. 67-003.022-8.
A Assessoria Jurídica da SVMA pondera a fls. 49/52 que a interessada não deve ser responsabilizada, pois não detinha a obrigação de buscar junto à SVMA a autorização para a remoção da árvore. É feita percuciente menção ao princípio da proteção à confiança, baseada na boa-fé do cidadão, "que acredita e espera que os atos praticados pelo Poder Público sejam lícitos e, nessa qualidade, serão mantidos e respeitados pela própria Administração" (fls. 51). "Tendo em vista que o contrato de prestação de serviços de poda e remoção de exemplares arbóreos foi assinado pelo Subprefeito da Sé e a remoção foi autorizada e acompanhada por engenheiro agrônomo, a interessada agiu conforme dispõe a lei" (fls. 51).
Verifica-se entendimento contrário do Departamento de Controle da Qualidade Ambiental (SVMA-DECONT), nos termos da manifestação de fls. 46/47 do presente, assim também de fls. 47/51 do PA 2008-0.378.426-7 (acompanhante).
É o que se entende suficiente à guisa de relatório.
A análise será apartada em dois tópicos, cada qual relacionado com as questões suscitadas pela SVMA.
I - DIRETRIZ A PROPÓSITO DO ASSUNTO ENVOLVENDO A ATUAÇÃO ANTAGÔNICA DA SUBPREFEITURA E DA SECRETARIA DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE
Esta Assessoria Jurídico-Consultiva já se manifestou acerca das situações envolvendo a atuação antagônica entre a SVMA e as Subprefeituras no âmbito do manejo de exemplares arbóreos.
Nos termos da Informação n.° 845/2012-PGM.AJC, que se pautou por uma análise em tese, três aspectos foram salientados.
O primeiro deles envolveu a própria competência para autorizar o corte e a poda de árvores consideradas como "vegetação significativas". Conforme precedente desta PGM-AJC (Informação n.° 717/2012-PGM.AJC), reiterou-se que existe a necessidade de uma conjugação de vontades da Subprefeitura envolvida (nos termos da Lei municipal n. 10.365/87) e da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (segundo as Leis municipais n. 11.426/93 e 14.887/09). Trata-se, logo, de ato administrativo complexo.
Sugeriu-se, na ocasião, a normatização da questão, facultando a criação de um grupo de trabalho1. Posteriormente, foi editada a Portaria SVMA n. 130/2013, que parece ter incorporado tal entendimento, ao determinar que as solicitações envolvendo exemplar arbóreo com valor ambiental diferenciado deverão ser encaminhadas pela Subprefeitura competente, em expediente próprio, contendo a avaliação técnica conclusiva e relatório técnico fotográfico da vegetação, realizada pelo profissional da Subprefeitura, com a anuência do Subprefeito, para assinatura do Titular da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, com a publicação de despacho único (item 10, "a", da portaria).
Vale dizer, prevalece atualmente, em conformidade com os pareceres desta PGM-AJC, o entendimento que exige uma coparticipação entre a SVMA e a Subprefeitura.
O segundo aspecto ateve-se às autuações procedidas pela SVMA, após a concessão das autorizações pelas Subprefeituras.
Neste particular, foi feita alusão ao princípio da proteção à confiança, segundo o qual "as autoridades públicas devem respeitar as legítimas expectativas criadas por seus próprios atos e condutas". Daí a razão da necessidade de "extrema cautela na autuação de munícipes, por SVMA, se o corte ou poda foram autorizados pela Subprefeitura".
Nesse sentido, nas situações em que não restar configurada a má-fé do particular envolvido, a base da confiança demandará a preservação dos efeitos do ato. Ou seja, "nada impede o reconhecimento da ilegalidade do ato, mas devem ser preservados os seus efeitos se o particular já se valeu da autorização para praticar a conduta autorizada. Isso acarretará na impossibilidade, via de regra, de autuação do munícipe que tinha uma legítima expectativa".
Tal posição merece prevalecer, porquanto baseada em noção fundamental da moderna dogmática jurídica, já incorporada no direito positivo nacional: o princípio da proteção à confiança (ou proteção das legítimas expectativas). Assim, incabível uma postura contraditória àquela já demonstrada em comportamento administrativo anterior. É neste contexto que se aplica a teoria dos atos próprios (venire contra factum proprium), assentada no princípio da proteção à confiança legítima, corolário da boa-fé e da segurança jurídica2.
Vale ressaltar, contudo, que o estabelecimento de tal diretriz não elimina a necessidade de se avaliar, caso a caso, as peculiaridades envolvidas em cada situação, cujo contexto pode afastar a aplicação do princípio. Cite-se um exemplo, extraído de precedente analisado por esta PGM-AJC, em que houve autorização, pela Subprefeitura, para manejo de poda de árvore situada em Área de Vegetação Significativa, sem que a SVMA tenha se manifestado, o que gerou a aplicação de multa pela Pasta ambiental. Nesta situação, entendeu-se que sanção cominada decorreu da utilizaçao de técnica inadequada para a execução do corte das árvores3.
Já o terceiro aspecto relacionou-se com a responsabilidade do agente da Subprefeitura que autorizou o manejo de exemplar arbóreo, sem aval da Pasta ambiental.
Considerando que o tema da competência para tanto envolveu acentuada controvérsia - o que gerou, inclusive, a necessidade de manifestação desta PGM-AJC -, não se pode, a priori, atribuir à autorização concedida pelo agente público qualquer mácula que gere a responsabilização administrativa do servidor. Conforme o parecer vertido na Informação n.° 845/2012-PGM.AJC, a "competência de SVMA para analisar previamente os pedidos de autorização não é óbvia ou evidente, de forma que não vemos como se poderia responsabilizar, de antemão, os agentes das Subprefeituras pela autorizações concedidas, não havendo comprovação de má-fé".
II - RESPONSABILIDADE DA EMPRESA INTERESSADA
Concorda-se com as razões bem expostas pela SVMA-AJ a fls. 49/52, que propugna a invalidade da multa aplicada à interessada.
Conforme visto no item anterior, a incidência do princípio da proteção à confiança legítima torna inadmissível que a Administração adote um determinado comportamento envolvendo um particular, com a criação de uma expectativa adstrita a tal conduta, e posteriormente frustre a confiança daí decorrente, por meio de um outro comportamento em sentido contrário ao primeiro.
Ora, este contexto encontra plena correspondência com o caso in comento. Inicialmente, a empresa interessada, contratada pela Subprefeitura da Sé, e por força das obrigações assumidas em tal avença, executa o serviço de corte de exemplar arbóreo. Cumpre reiterar que o serviço foi antecedido de Ordem de Serviço expedida pela mesma Subprefeitura, que determinou o manejo arbóreo. Saliente-se também que a autorização foi acompanhada de laudo técnico e motivada no "risco de queda total" (cf. relatório técnico acostado a fls. 24 do PA n.° 2008-0.378.426-7 - acompanhante). Em seguida, em razão da inexistência de autorização da SVMA, e diante da supressão árvore inserida na categoria de Vegetação Significativa, foi aplicada pela Pasta ambiental multa à empresa interessada.
Nota-se, assim, uma conduta inicial (autorização pela Subprefeitura da Sé), a qual gerou na empresa uma expectativa (legítima) de que o corte estaria revestido de acerto; seguida de um comportamento (aplicação de multa pela SVMA) antagônico ao primeiro, que assumiu a aptidão para frustrar a confiança anteriormente instituída.
Presentes, portanto, os requisitos para a tutela da confiança, quais sejam4:
(a) Necessidade de um comportamento estatal anterior que gere uma razoável expectativa na pessoa5;
(b) Existência de confiança no plano subjetivo (comprovação de que a conduta anterior estatal realmente gerou no indivíduo uma expectativa)6;
(c) Exercício concreto da confiança (necessidade de que a pessoa tenha agido conforme a expectativa gerada)7;
(d) Existência de um comportamento estatal que frustre a confiança8.
Não importa que as condutas contrapostas tenham se originado de órgãos municipais diversos, vez que, pela perspectiva do particular envolvido, a Administração é única. Ou seja, a expectativa legítima gerada inicialmente pelo Município de São Paulo foi abalada ulteriormente pelo mesmo Município.
Outrossim, destaque-se a ausência de comprovação - ou de qualquer indício - de má-fé da empresa interessada, o que afastaria, caso demonstrada, a aplicação do princípio da proteção à confiança.
Relevante destacar que não consta no contrato qualquer disposição acerca da responsabilidade da interessada pela obtenção preliminar das autorizações junto à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, para a realização dos serviços de pode e supressão determinada pela Subprefeitura.
O absurdo da situação - a qual se alça, sem exagero, a um contexto verdadeiramente kafkiano - mostra-se evidente diante da análise da alternativa detida pela empresa contratada. Em virtude da Ordem de Serviço que lhe fora direcionada, o que fazer? O seu cumprimento levou à aplicação da multa pela SVMA. Por outro lado, o seu desatendimento poderia levar igualmente à aplicação de penalidade, agora pela Subprefeitura da Sé, nos termos do contrato firmado (cf. cláusulas 6.5.1 e 7.1 da avença - cópia a fls. 27/35). Embora as figuras da "cruz" e da "espada" venham logo à mente, não será preciso reproduzir a correlata expressão popular para se identificar o anacronismo da circunstância.
Por fim, saliente-se precedente desta PGM-AJC; pelo qual recomendou-se a anulação ex officio da multa aplicada pela SVMA, por força de situação semelhante ao presente caso (cf. Informação n.° 1.767/2012-PGM.AJC9).
III - CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, conclui-se o seguinte:
1o) No que se refere à diretriz solicitada pela SVMA, em relação aos casos pretéritos semelhantes, prevalece, como regra geral, a incidência do princípio da proteção à confiança, tomando ilegítima a aplicação de multa administrativa pela SVMA a particular autorizado a intervir em exemplar arbóreo pela Subprefeitura.
Vale ressaltar, contudo, que o estabelecimento de tal diretriz não elimina a necessidade de se avaliar, caso a caso, as peculiaridades envolvidas em cada situação, cujo contexto pode afastar a aplicação de indigitado princípio (como a existência de má-fé, o conhecimento da necessidade de aval da SVMA previamente à intervenção no exemplar arbóreo etc).
2o) Já em relação à multa tratada no presente expediente, envolvendo a empresa interessada, sugere-se o encaminhamento à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, propondo a anulação ex officio da sanção.
Com essas considerações, sugerimos submeter o presente à Secretaria dos Negócios Jurídicos, para deliberação conclusiva.
São Paulo, 24 de junho de 2015.
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 183.508
PGM/AJC
De acordo.
São Paulo, 25/06/2015.
TIAGO ROSSI
PROCURADOR ASSESSOR CHEFE- AJC
OAB/SP 195.910
PGM
1 Houve recomendação, no ano de 2012, de criação de grupo de trabalho pela Secretaria dos Negócios Jurídicos no âmbito do PA n.° 2012-0.163.024-6 (cf. despacho acostado a fls. 237 de referido PA). Em consulta a este processo administrativo (remetido a esta PGM-AJC por solicitação do procurador subscritor), verificou-se que indigitado grupo não havia sido constituído, encontrando-se, ainda, em fase de indicação dos respectivos membros. De todo modo, conforme será referido no presente parecer, a edição da Portaria SVMA n. 130/2013 parece ter conferido um regime mais adequado ao tema, dando ensejo à participação da Subprefeitura e da SVMA, em consonância com o entendimento desta PGM-AJC. De todo modo, entende-se conveniente que o PA n.° 2012-0.163.024-6 passe a acompanhar o presente, de modo a ser remetido à SNJ (conforme, aliás, sugerido pela SEL a fls. 258 do mesmo PA).
2 Cfr. doutrina que vem se consolidando no âmbito do direito administrativo (Alexandre Santos de Aragão, "Teoria das Autolimitações Administrativas: Atos Próprios, Confiança Legítima e Contradição entre Órgãos Administrativos", In: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 14, maio/junho/julho-2008; Paulo Modesto, "Autovinculação da Administração Pública", In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 24, out./nov./dez.-2010).
3 Nos termos da Informação n.° 2.059/2013-PGM.AJC, "dos 31 exemplares arbóreos, apenas 5 se recuperaram do corte, apresentando rebroto. Os demais exemplares morreram, o que constitui dano ambiental, por conta do uso de má técnica e falta de cuidado com os exemplares arbóreos".
4 Cf. Rodrigo Bracet Miragaya, "Regulação e moralidade: a proteção da confiança legítima na formulação reguladora", In: Revista de Direito de Informática e Telecomunicações, Editora Fórum, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, jan./jun.2010.
5 Tal comportamento representa a autorização dada pela Subprefeitura da Sé.
6 A relação contratual existente entre SP-SE e a empresa interessada preenche tal requisito, além do fato de que a remoção da árvores foi devidamente motivada tecnicamente pelo engenheiro agrônomo, servidor da SP-SE.
7 Diante da Ordem de Serviço dada, não restava outro comportamento da empresa senão a execução do serviço, sob pena de multa contratual por descumprimento.
8 Aplicação da multa pela SVMA.
9 De acordo com o parecer: "SVMA sustenta a legalidade da aplicação da multa pura e simplesmente na nulidade da autorização expedida - o que, como já reconhecemos, não é suficiente para a supressão de todos os efeitos do ato benéfico, especialmente se o seu principal efeito já se exauriu (a árvores já havia sido suprimida). Não se revela razoável, portanto, a aplicação de elevada multa ao munícipe por uma conduta equivocada da Subprefeitura para a qual ele não contribuiu."
INTERESSADO: TRAJETO CONSTRUÇÃO E SERVIÇOS LTDA.
ASSUNTO: Infração administrativa ambiental. Corte de um exemplar arbóreo. Aplicação de multa. Autorização da Subprefeitura da Sé. Proteção à confiança legítima.
Cont. da Informação n° 0773/2015-PGM.AJC
SECRETARIA DOS NEGOCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho o presente a Vossa Excelência, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho, no sentido de que:
1o) No que se refere à diretriz solicitada pela SVMA, em relação aos casos pretéritos semelhantes, prevalece, como regra geral, a incidência do princípio da proteção à confiança, tornando ilegítima a aplicação de multa administrativa pela SVMA a particular autorizado a intervir em exemplar arbóreo pela Subprefeitura.
Vale ressaltar, contudo, que o estabelecimento de tal diretriz não elimina a necessidade de se avaliar, caso a caso, as peculiaridades envolvidas em cada situação, cujo contexto pode afastar a aplicação de indigitado princípio;
2o) Já em relação à multa tratada no presente expediente, envolvendo a empresa interessada, sugere-se o encaminhamento à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, propondo a anulação ex officio da sanção.
Mantidos acompanhantes. Passa a acompanhar o presente o PA n.° 2012-0.163.024-6, nos termos do trâmite sugerido a fls. 285 do mesmo PA.
São Paulo, 2015.
ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP n° 162.363
PGM
Processo nº 2012-0.008.882-0
INTERESSADO: TRAJETO CONSTRUÇÃO E SERVIÇOS LTDA.
ASSUNTO: Infração administrativa ambiental. Corte de exemplar arbóreo. Aplicação de multa. Autorização da Subprefeitura da Sé. Proteção à confiança legítima.
Informação n.° 1908 /2015-SNJ.G.
SVMA
Senhor Secretário
Em atenção ao solicitado, encaminho-lhe o presente com o parecer da Procuradoria Geral do Município no sentido de que incide, em geral, o princípio da confiança legítima em favor de particular autorizado pela Subprefeitura a intervir em exemplar arbóreo, sem prejuízo da análise das peculiaridades de cada caso concreto, devendo a multa aplicada no âmbito deste expediente ser objeto de anulação de ofício por parte dessa Pasta.
São Paulo, 08 JUL 2015
ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO
Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos - Substituto
SNJ.G.
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo