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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 585 de 11 de Março de 2015

Informação n° 585/2015-PGM.AJC
Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei Municipal n° 12.637/98, vetada pelo Município e promulgada pela Mesa da Câmara Municipal, que dispõe sobre a colocação de placas e faixas de caráter permanente, nos pontos críticos de acidentes e atropelamentos da Cidade.

Processo n° 1996-0.138.023-0

INTERESSADA: ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

ASSUNTO: Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei Municipal n° 12.637/98, vetada pelo Município e promulgada pela Mesa da Câmara Municipal, que dispõe sobre a colocação de placas e faixas de caráter permanente, nos pontos críticos de acidentes e atropelamentos da Cidade.

Informação n° 0585/2015-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Assessoria Jurídico-Consultiva

Senhor Procurador Assessor Chefe

O presente versou inicialmente acerca de projeto de lei, de autoria do então Vereador, hoje Deputado Estadual JOOJI HATO, dispondo acerca da colocação de placas e faixas de caráter permanente nos pontos críticos de acidentes e atropelamentos da Capital, alertando pedestres e motoristas sobre o perigo.

O citado projeto de lei foi vetado por força das seguintes motivações:

a) vício de inconstitucionalidade, por contrariedade ao artigo 22, inciso XI da Constituição Federal, que outorga à União competência exclusiva para legislar sobre trânsito e transporte;

b) existência de lei de abrangência nacional disciplinando o assunto, qual seja, o CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO, que confere ao CONTRAN a competência sobre a matéria, editando Resoluções a respeito;

c) infringência à Lei Orgânica do Município, por vício de iniciativa, em virtude do conteúdo da norma aprovada poder acarretar aumento de despesa, situando-se, assim, na esfera da competência privativa do Sr. Prefeito;

d) contrariedade ao princípio da harmonia entre os Poderes, inscrito no art. 2º da Constituição da República, no art. 5º da Constituição do Estado e no art. 6º da Lei Orgânica deste Município.

e) promoção de campanhas educativas e de segurança no trânsito, pelo DSV e CET, que têm se revelado mais eficientes no combate aos acidentes do que meramente placas de aviso.

O veto foi objeto de rejeição, restando promulgada pela Mesa da Câmara Municipal a Lei n° 12.637/1998 (cf. fls. 48).

Na sequência, foi proposta pelo Prefeito a competente ação declaratória de inconstitucionalidade no tocante à lei municipal em questão (Autos n° 066.001-0/8-00).

Contudo, a mencionada ADIN foi julgada extinta sem julgamento de mérito (fls. 98/101), tendo o feito já transitado em julgado.

Colhida a ciência de SNJ e SGM, os autos foram remetidos à SMT para igual finalidade, ocasião em que foram encaminhados à CET.

Após oitiva da Gerência de Segurança no Trânsito da CET, a assessoria jurídica daquela companhia manifestou-se no sentido de que a regulamentação da norma deveria abordar, dentre outros aspectos, a delimitação das competências da CET e do DSV no cumprimento da norma e eventual teor das "frases de efeito" citadas no respectivo artigo 2º.

Sem embargo, foi solicitada avaliação quanto à propositura de nova medida judicial questionando a constitucionalidade da norma em discussão.

É o relatório.

Consoante se observa pelo acórdão acostado às fls. 98/101, a ADIN proposta foi julgada extinta, sem julgamento de mérito, porque não houve ingerência do Legislativo em matéria privativa do Executivo, tal como repudia o artigo 5º da Constituição Estadual, na medida que o Executivo municipal nem sequer detém competência para legislar sobre trânsito, mas tão somente a União, nos termos do artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal.

Com efeito, não pairam dúvidas de que a Lei n° 12.637/98 ofende a Constituição Federal vigente. Não foi outra a conclusão do Tribunal de Justiça no acórdão proferido no caso em comento. In verbis:

"Indisputável, portanto, que a Lei n° 12.637/98, vetada pelo Prefeito e promulgada pela Mesa da Câmara Municipal de São Paulo, padece do vício de inconstitucionalidade, por direta afronta à Constituição Federal" (fls. 101)

Ocorre que nosso ordenamento não previu a possibilidade de ser realizado controle abstrato, por via da ação direta de inconstitucionalidade, de lei municipal frente à Constituição Federal.

De igual sorte, não há como vislumbrar ofensa direta à Constituição Estadual hábil a fundamentar a propositura de nova ADIN.

A medida judicial cabível para aferição de inconstitucionalidade de lei municipal em face de norma constitucional é a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Contudo, a ADPF tem como legitimados ativos os mesmos da ADIN, grupo do qual não faz parte o Prefeito Municipal, o qual poderia, enquanto interessado, apenas representar junto ao Procurador-Geral da República na tentativa de que este, caso considerasse ter ocorrido violação a preceito constitucional fundamental, ingressasse com a referida ação.

Vale lembrar que a ação civil pública não pode ser manejada como instrumento para o controle concentrado de constitucionalidade. Quanto ao tema, assim leciona o Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

Em outros termos, admitida a utilização da ação civil pública como instrumento adequado de controle de constitucionalidade, tem-se ipso jure a outorga à jurisdição ordinária de primeiro grau de poderes que a Constituição não assegura sequer ao STF. É que, como visto, a decisão sobre a constitucionalidade da lei proferida pela Excelsa Corte no caso concreto tem, necessária e inevitavelmente, eficácia inter partes, dependendo a sua extensão da decisão do Senado Federal.1

Diante desse quadro, não se vislumbrando outra medida judicial a ser adotada, caberia indagar se seria possível a recusa ao cumprimento da Lei Municipal n° 12.637/98, a qual por sinal até hoje não foi aplicada e nem regulamentada.

A possibilidade do exercício do poder de recusa ou de rejeição de leis inconstitucionais, por parte do Chefe do Executivo, já acarretou uma série de controvérsias no campos doutrinário e jurisprudencial.

Luis Roberto Barroso, hoje Ministro do STF, ao tratar a questão, afirmou que o Chefe do Poder Executivo não só pode como deve deixar de aplicar a lei reputada inconstitucional, pois cabe-lhe reverenciar, antes de tudo, a Constituição Federal. Esta decisão é autoexecutória e independente de prévio pronunciamento do Judiciário.2

O imortal Hely Lopes Meirelles também defendeu a possibilidade do Chefe do Executivo deixar de cumprir uma lei por considerá-la inconstitucional. Segundo seu magistério: "o cumprimento de leis inconstitucionais tem suscitado dúvidas e perplexidades na doutrina e na jurisprudência, mas já se firmou o entendimento - a nosso ver exato - de que o Executivo não é obrigado a acatar normas legislativas contrárias à Constituição ou a leis hierarquicamente superiores".3

Lucéia Martins Soares4, ao analisar julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo que reconheceram a possibilidade excepcional do Executivo negar cumprimento à leis inconstitucionais, enumera algumas condições para tanto, dentre as quais destaca-se:

# norma reputada inconstitucional teria sido aprovada com vício de competência;

# descumprimento de norma reputada inconstitucional deveria provir de decisão do Chefe do Poder Executivo;

# a lei reputada inconstitucional, ou os dispositivos dela impugnados, deveria ter sido objeto de veto pelo Poder Executivo quando do sancionamento do projeto legislativo;

# a abstenção do cumprimento só seria possível quando a inconstitucionalidade da lei alegada pelo Poder Executivo fosse evidente e manifesta.

# a decisão do Chefe do Poder Executivo em descumprir a lei deveria ser motivada.

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, ainda que se manifestando contrariamente em regra à negativa, nos planos federal e estadual, do cumprimento de lei com base no argumento da inconstitucionalidade, aponta que subsistem algumas questões que poderiam legitimar a conduta de repúdio, cabendo trazer à colação o entendimento a seguir transcrito:

"Da mesma forma, no plano do Município, inexiste a possibilidade de se provocar, de forma direta, um pronunciamento definitivo do STF sobre a incompatibilidade entre lei municipal e a CF. Também aqui, seguindo a orientação fixada pelo STF, poder-se-ia admitir que a autoridade administrativa negasse aplicação ao direito municipal sob o argumento da inconstitucionalidade"5

Cumpre observar que esta Assessoria Jurídico-Consultiva já se manifestou pela possibilidade do exercício do "poder de rejeição de leis inconstitucionais" no tocante à Lei n° 13.977/2005, que denominou como "Complexo Turístico Caio Alcântara Machado" o conjunto arquitetônico instalado no Parque Anhembi, localizado na Avenida Olavo Fontoura, por também evidenciar-se manifestamente inconstitucional (Ementa n° 11.093 - fls. retro).

De outra parte, além da ofensa ao artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal, há outro ponto a ser observado e que conduz para que sejam afastadas as disposições da Lei n° 12.637/98, qual seja, o conflito destas com as estipulações do Código de Trânsito Brasileiro.

Como é cediço, no exercício de sua competência, a União editou a Lei n° 12.637/98, que institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), cuja vigência é posterior à elaboração do projeto de lei que deu azo à norma municipal em comento.

Confira-se o estipulado no artigo 80 do CTB:

Art. 80. Sempre que necessário, será colocada ao longo da via, sinalização prevista neste Código e em legislação complementar, destinada a condutores e pedestres, vedada a utilização de qualquer outra.

§ 1º A sinalização será colocada em posição e condições que a tornem perfeitamente visível e legível durante o dia e a noite, em distância compatível com a segurança do trânsito, conforme normas e especificações do CONTRAN.

§ 2º O CONTRAN poderá autorizar, em caráter experimental e por período prefixado, a utilização de sinalização não prevista neste Código. (grifo nosso)

Assim como esta, várias outras regras de sinalização estão previstas no CTB, obrigando o Município, através de seus órgãos competentes de trânsito, eis que esse código, de caráter nacional, dispõe sobre as competências dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito.

Ademais, o CTB conferiu ao CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO (CONTRAN), competência para disciplinar a questão atinente à sinalização. Nestes termos, segue o que consta transcrito no seu artigo 90:

Art. 90. Não serão aplicadas as sanções previstas neste Código por inobservância à sinalização quando esta for insuficiente ou incorreta.

§ 1º O órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via é responsável pela implantação da sinalização, respondendo pela sua falta, insuficiência ou incorreta colocação.

§ 2º O CONTRAN editará normas complementares no que se refere à interpretação, colocação e uso da sinalização. (grifo nosso)

No mesmo sentido, dispõe o artigo 12, inciso XI, do CTB, que compete ao CONTRAN aprovar, complementar ou alterar dispositivos de sinalização. Já o artigo 91 prevê que o CONTRAN estabelecerá normas e regulamentos a serem adotados em todo o território nacional, assim como padrões a serem praticados por todos os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito.

Os mencionados padrões a serem seguidos estão regulamentados pelos CONTRAN, por meio das Resoluções n° 160/2004, 180/2005 e 243/2007, as quais definem o que pode ser objeto de sinalização, a função das correspondentes placas, a padronização de suas formas, cores, dimensões; distância de visibilidade (legibilidade); altura e largura das letras e algarismos; materiais; localização, dentre outros dispostos no Manual de Sinalização elaborado pelo CONTRAN.

Patente, pois, que deve o Município cumprir o regramento constitucionalmente atribuído ao CONTRAN no tocante às placas educativas e sinalização de advertência, o que não se coaduna com o cumprimento da norma ora atacada.

Com base em tais argumentos, na ocasião da análise do projeto de lei, a Assessoria de Segurança de Trânsito da CET já havia pontuado ser desnecessária norma municipal tratando do tema (fls. 13).

Em verdade, além a violar a Constituição Federal e o Código de Trânsito, a aplicação da Lei n° 12.648/2007 atentaria contra o princípio da eficiência administrativa, gerando gastos e riscos aos motoristas e pedestres, já que a prática do uso excessivo de placas e sinais de advertência pode fazer com que o grau de obediência à sinalização seja afetado.

O Manual de Sinalização de Trânsito, elaborado pelo CONTRAN e que acompanha as mencionadas Resoluções, é composto por 7 (sete) volumes, apresentando dentre seus princípios a suficiência e a padronização, assim definidas:

"Suficiência: permitir fácil percepção do que realmente é importante, com quantidade de sinalização compatível com a necessidade;

Padronização: seguir um padrão legalmente estabelecido; situações iguais devem ser sinalizadas com os mesmos critérios"6

Contudo, pelo que se pode aferir, o louvável objetivo da Lei Municipal n° 12637/98 seria a existência efetiva de sinalização de alerta a motoristas e pedestres sobre o perigo de acidentes.

Por todo o exposto, sugiro seja o presente encaminhado à Superior Administração para deliberação acerca da proposta de que seja definida, excepcionalmente, adoção do poder de recusa, por parte do Chefe do Executivo, do cumprimento à lei inconstitucional n° 12637/98, sem prejuízo de que seja reforçado junto à Secretaria Municipal de Transportes para que, nos termos do determinado no artigo 90, § 1º, do CTB, sejam constantemente revisadas as sinalizações, previstas nas Resoluções do CONTRAN atinentes à matéria, nos pontos críticos de acidentes e atropelamentos desta cidade.

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São Paulo, 11 de março de 2015.

SIMONE FERNANDES MATTAR

Procuradora do Município

OAB/SP n° 173.092

PGM/AJC

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De acordo.

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São Paulo,  21/05/2015.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR ASSESSOR CHEFE - AJC

OAB/SP 195.910

PGM

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1 O poder executivo e o poder legislativo no controle de constitucionalidade, in Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional, vol. 5, p. 205, maio de 2011

2 O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p.386

3 Direito municipal brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 538.

4 Poder executivo e inconstitucionalidade de leis. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, n° 39, 2002

5 Op. cit., p. 08.

6 Item 3.1 do Anexo constante da Resolução Contran n° 180/2005

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Processo n° 1996-0.138.023-0

INTERESSADA: ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

ASSUNTO: Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei Municipal n° 12.637/98, vetada pelo Município e promulgada pela Mesa da Câmara Municipal, que dispõe sobre a colocação de placas e faixas de caráter permanente, nos pontos críticos de acidentes e atropelamentos da Cidade.

Cont. da Informação n° 0585/2015-PGM.AJC

SNJ.G

Senhor Secretário,

Nos termos da manifestação retro elaborada pela Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho, encaminho o presente à Vossa Excelência, com a conclusão de que é viável a deliberação do Prefeito acerca da recusa do cumprimento da Lei Municipal n° 12637/98, pelo exercício excepcional do "poder de rejeição de leis inconstitucionais", sem prejuízo de concomitante orientação à Secretaria Municipal de Transportes para reforçar que, nos termos do determinado no artigo 90, § 1º, do CTB, sejam constantemente revisadas as sinalizações, previstas nas Resoluções do CONTRAN atinentes à matéria, nos pontos críticos de acidentes e atropelamentos desta cidade.

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São Paulo,     /      /2015.

ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP n° 162.363

PGM

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Processo n° 1996-0.138.023-0

INTERESSADO: ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

ASSUNTO: Lei Municipal n. 12.637/98, vetada pelo Executivo e promulgada pela Mesa da Câmara Municipal, que dispõe sobre a colocação de placas e faixas de caráter permanente nos pontos críticos de acidentes e atropelamentos da cidade.

Informação n.° 1464/2015-SNJ.G.

Senhor Secretário

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Procuradoria Geral do Município, que acolho, no sentido da viabilidade de eventual deliberação do Senhor Prefeito pela recusa ao cumprimento da Lei Municipal n. 12.637/98, pelo exercício do poder de rejeição de leis inconstitucionais, sem prejuízo de orientação a SMT para que a sinalização do trânsito seja constantemente revisada nos pontos críticos de acidentes e atropelamentos, nos termos do art. 90, § 1º, do Código de Trânsito Brasileiro e das resoluções editadas pelo CONTRAN.

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São Paulo, 27/05/2015

ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS

Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos

SNJ.G.

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo