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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 214 de 17 de Fevereiro de 2020

Informação nº 214/2020-PGM.AJC
Contrato de obra pública. Aditivo. Modificação subjetiva. Substituição de empresa integrante do consórcio contratado. Ementa nº 11.692/2016-PGM.

processo nº 2013-0.358.978-0

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

ASSUNTO: Contrato de obra pública. Aditivo. Modificação subjetiva. Substituição de empresa integrante do consórcio contratado. Ementa nº 11.692/2016-PGM.

Informação nº 214/2020 - PGM.AJC

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Coordenador Geral

Trata-se de processo documental da licitação e execução do contrato SEHAB n° 28/2012, celebrado com o Consórcio Água Limpa, que tem como objeto a execução de obras do programa de saneamento, proteção ambiental e recuperação da qualidade das águas em áreas degradadas de manancial hídrico das bacias de Guarapiranga e Billings, urbanização de favelas e regularização de loteamentos precários.

Foi proposto um 6º aditamento ao contrato para alteração da composição do consórcio, prorrogação do prazo de vigência, alteração de cronograma, inclusão de cláusula de compliance, dentre outros objetos. O processo foi encaminhado a esta Coordenadoria, por proposta de SEHAB/AJ, em razão da pretendida alteração do consórcio, diante do posicionamento anterior da Procuradoria Geral no sentido de que, embora seja, em tese, admissível a alteração da composição do consórcio contratado, devem ser observados certos requisitos, dentre os quais a inexistência de cláusula impeditiva no contrato (Ementa n° 11.692/16 - PGM). Foi este requisito em específico que motivou a consulta formulada pela assessoria jurídica de SEHAB.

Conforme exposto por SEHAB/AJ às fls. 13.694/13.701, o contrato objeto deste processo possui, na cláusula 9.1, a seguinte regra: "A CONTRATADA não poderá ceder ou transferir o presente contrato, no todo ou em parte" - redação idêntica à cláusula do contrato analisado por esta Procuradoria na Ementa n° 11.692/16, e que foi considerada impeditiva da alteração da composição do consórcio, com a substituição de uma das empresas consorciadas por terceira.

No entendimento de SEHAB/AJ, entretanto, a cláusula contratual em questão veda a modificação subjetiva (i) sem anuência da Administração Pública; (ii) nos casos em que a contratada é totalmente excluída da relação contratual; ou (iii) quando a contratada transfere parte do objeto do contrato para terceiro. Havendo anuência do contratante, a cláusula não vedaria a alteração da composição consorcial, substituindo-se uma das consorciadas por outra empresa.

É o relato do necessário.

Convém, de início, reprisar que esta Procuradoria, na Ementa n° 11.692/161, admitiu a modificação subjetiva dos contratos públicos (alterando posicionamento anterior deste órgão), desde que observadas certas condicionantes -condicionantes estas repetidas quase que unanimemente pela doutrina. A posição da PGM está, portanto, em linha com o Acórdão 2.130/16 do TCU (que foi praticamente contemporâneo ao parecer deste órgão).

Dentre as condicionantes, estaria a inexistência de previsão proibitiva da alteração subjetiva no contrato. Vale lembrar que no parecer jurídico. Vale lembrar que no parecer jurídico anexado aos autos do processo, na época, pela própria contratada interessada, afirmava-se que seria possível a alteração consorcial apenas se não houvesse cláusula proibitiva no contrato. Transcrevemos trecho da manifestação desta Procuradoria ementada sob o n° 11.692:

Como acima comentado, a doutrina insere, como requisito para a cessão do objeto, a inexistência de vedação no contrato. Isto porque, se a legislação deixa a questão em aberto e remete à regulamentação por meio do contrato, caberá ao termo do ajuste disciplinar acerca da possibilidade, dos condicionamentos, ou da impossibilidade da transferência da posição subjetiva na relação jurídica. O próprio parecer jurídico juntado pelo consórcio interessado segue esta linha: para que possa haver a transferência ou cessão, "é essencial que o edital ou o contrato não vedem expressamente a alteração pretendida" (fls. 520, que merece ser renumerada).

O contrato em questão, na cláusula 9.1, assevera que "A CONTRATADA não poderá ceder ou transferir o presente Contrato, no todo ou em parte." (fls. 4.165). A disposição negociai não alude a condições ou a procedimentos, simplesmente veda, de forma absoluta, a cessão e transferência.

Partimos da presunção de que, na etapa interna da licitação, o órgão contratante avaliou que a transferência do objeto contratual, de qualquer forma, poderia causar perturbação na execução do ajuste, preferindo vedá-la expressa e antecipadamente. De mais a mais, como o Tribunal de Contas da União possui entendimento restritivo quanto a possibilidade de cessão, nos contratos adimplidos com recursos federais pode, de fato, revelar-se conveniente a proibição expressa no termo do ajuste.

Portanto, por mais que, em tese, admita-se a cessão da posição contratual a terceiros e outros tipos de alteração subjetiva do contrato administrativo não-personalíssimo, na hipótese dos autos esta não se revela possível, ante impedimento constante de cláusula contratual. O consórcio, ao firmar o ajuste, já tinha conhecimento da regra e da impossibilidade de substituição, cabendo-lhe cumprir as obrigações contratuais."

Conforme já apontado por SEHAB, o texto da cláusula proibitiva naquele contrato é idêntico ao texto deste contrato. Porém, o texto, segundo entendimento de tal órgão, não vedaria a alteração do consórcio, desde que a contratada não seja totalmente excluída da relação contratual (o que não se verificaria nos casos de alteração parcial do consórcio).

Respeitosamente, dissentimos do entendimento exposto pela consulente. No caso de consórcio, o contratado pelo Município é o consórcio, composto por duas ou mais empresas, de acordo com o previsto no termo de constituição apresentado quando da contratação. Por isso, qualquer alteração do consórcio implica alteração subjetiva do contratado - trata-se de uma nova relação jurídica, eis que com um novo contratado, distinto do anterior. Portanto, não vislumbramos diferença, sob a perspectiva da admissibilidade jurídica, entre a modificação total ou parcial de um consórcio - num caso ou noutro, há um novo contratado, ainda que haja alguma participação da mesma empresa que outrora também participava da sua composição. Tanto assim que, na Ementa n° 11.692, esta Procuradoria admitiu a cessão do objeto contratual a outrem, sem restringir sua aplicabilidade às alterações consorciais.

Se partimos da premissa de que o contratado é o consórcio, e que a alteração da composição do consórcio implica na alteração da pessoa do contratado (lembrando que consórcio não é uma pessoa jurídica, tal como uma sociedade de propósito específico), forçoso seria concluir que haveria, neste caso, uma transferência do contrato para outrem.

Em relação à anuência da Administração Pública, cabe apontar que as regras contratuais vinculam ambas as partes, contratante e contratado. São as 'regras do jogo', que deverão ser observadas na execução contratual. Se a cláusula 9.1 do contrato previsse que 'A CONTRATADA não poderá ceder ou transferir o presente Contrato sem a anuência do contratante', concordaríamos com SEHAB no sentido de que a cessão seria possível, desde que com a anuência do Município. Nesta situação hipotética, o contrato conferiria ao contratante uma decisão discricionária. Entretanto, a vedação da cláusula 9.1 é incondicional, vinculando ambas as partes: o contratado, obviamente, o qual não poderá ceder o objeto do ajuste, e também o contratante, que deverá zelar pelo cumprimento da regra, vedando qualquer tentativa neste sentido.

Dito isto, parece-nos que, inobstante reafirmarmos o teor da Ementa 11.692 - PGM (inclusive a interpretação de que a cláusula em questão veda a  alteração da composição do consórcio), SEHAB poderá optar por um aditamento contratual para extirpar a vedação do contrato, ou para modificar a cláusula impeditiva, permitindo a cessão da posição de contratado observados certos pressupostos -decidindo, em seguida, pela alteração pleiteada pela contratada.

Não vislumbramos impedimento jurídico para a alteração de cláusula contratual como a discutida neste processo, na medida em que não há alteração do objeto, dos parâmetros financeiros repercutidos na proposta vencedora, nem violação da regra licitatória ou da isonomia.

De forma geral, as partes de um contrato podem alterá-lo para melhor adequação às suas finalidades, diante de fatos supervenientes. Os contratos são naturalmente mutáveis, especialmente em casos de relações jurídicas de longa duração. Os contratos administrativos - que, nos termos do art. 58, I, da Lei federal n° 8.666/93, podem ser inclusive alterados unilateralmente pelo ente público - não fogem desta premissa. Nos termos do art. 65, II, 'b' da Lei federal n° 8.666/93, os contratos podem ser alterados consensualmente "quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários". Segundo Marçal Justen Filho, "embora não haja definição legal para 'modo de fornecimento', infere-se que também se alude à forma jurídica prevista para o cumprimento da prestação devida pela parte" (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª Ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 886).

A doutrina administrativista há muito tempo tem diferenciado as cláusulas regulamentares (ou de serviço) dos contratos públicos das cláusulas econômicas, justamente com a finalidade de traçar limites para a mutabilidade do contrato, eis que enquanto as primeiras (que dizem respeito às regras de execução do objeto e ao seu delineamento) seriam passíveis de alteração, as segundas, não, eis que o equilíbrio econômico-financeiro da avença é tutelado.

Segundo Jorge Ulisses Jacoby:

"Considera-se alteração contratual toda e qualquer modificação no objeto contratado e demais disposições a ele relacionadas no regime de execução, no prazo, no valor ou forma de pagamento do contrato e na garantia financeira oferecida. E, ainda, todas as alterações devem visar à melhoria das condições contratuais e ao suprimento das necessidades do órgão" (FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. O gestor do contrato e alterações das cláusulas contratuais. Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 4, n. 46, out. 2005)

De outro giro, em casos de ajustes precedidos de processo seletivo, entretanto, a modificação não pode ser tamanha a ponto de frustrar os objetivos da licitação - dentre os quais a obtenção da melhor proposta e da isonomia entre os potenciais interessados. Ao comentar os limites para alteração dos contratos públicos, Marçal Justen Filho leciona:

"Como princípio geral, não se admite que a modificação do contrato, ainda que por mútuo acordo entre as partes, importe alteração radical ou acarrete frustração aos princípios da obrigatoriedade de licitação e da isonomia"2

Isso geralmente ocorre quando se pretende alterar a essência do objeto contratado: uma ponte rodoviária, por exemplo, não pode se tornar uma ponte metroviária, ainda que ambas as partes concordem com a alteração do objeto, e ainda que novos fatos tenham tornado desnecessária a construção da ligação rodoviária. Nesta hipótese, pode-se rescindir o contrato e licitar o novo objeto.

Mas, para além da alteração do objeto, certas cláusulas inseridas no contrato - cuja minuta integra o edital de licitação - são essenciais para os licitantes decidirem a respeito da participação no certame e do preço oferecido. São disposições que criam expectativas determinantes para a tomada de decisão pelos potenciais licitantes. Daí que a criação superveniente de condições potencialmente mais favoráveis para um contratado, ainda que consentâneas com o interesse estatal, também podem frustrar os objetivos da licitação realizada.

No caso em análise, não vislumbramos quaisquer dos impeditivos á alteração. A cláusula contratual impeditiva da cessão ou transferência da posição de contratado trata-se de típica cláusula regulamentar, dizendo respeito à execução da atividade objeto do contrato; não importa em alteração do objeto contratual; e, segundo nos parece, não frustra os objetivos da licitação pretérita nem a isonomia, eis que não parece lógico pressupor que a referida cláusula seria prejudicial ou restritiva a ponto de afastar potenciais interessados na época do certame (prejudicando a competitividade) ou que importou na obtenção de valores mais altos do que se não constasse do contrato (prejudicando a obtenção do melhor preço) - afinal, nenhum consórcio entra em uma licitação com expectativa de alterar a sua composição (lembrando que qualquer alteração deve preservar as condições de habilitação) nem precifica eventual restrição ou admissão de tal alteração.

Ademais, eventual modificação contratual neste sentido decorreria de fatos supervenientes: nem tanto a pretensão da contratada formulada às fls. retro e a (eventual) pretensão do contratante em manter o contrato em questão; mas em especial a existência de entendimento jurídico restritivo, na época da contratação, quanto à modificação do contratado (a Ementa n° 9.945 - PGM, de 2001, era refratária à alteração do consórcio), entendimento este que acabou alterado em 2016 pela Ementa 11.692, já citada.

Por fim, é preciso que fique claro que aqui tratamos da admissibilidade jurídica, em tese, de modificação ou supressão da cláusula contratual referida, impeditiva da cessão e transferência do contrato. Não há - até por falta de competência legal - posicionamento deste órgão a respeito da conveniência da alteração de tal cláusula, muito menos anuência com o pleito da contratada, que depende de uma análise de mérito, pelo gestor público, quanto à pertinência da alteração, vis-à-vis a extinção do contrato e a realização de nova licitação. Este contrato já dura mais de sete anos e, ao que parece, muito pouco foi executado.

Caso SEHAB decida pela alteração da disposição do contrato, importante deixar expresso que a eventual cessão da posição de contratado (i) não deve gerar qualquer ônus financeiro para o Município, de forma que todos os custos e eventuais prejuízos decorrentes da substituição devem correr exclusivamente por conta do consórcio contratado; (ii) enseja subrrogação do novo contratado nos direitos e obrigações decorrentes da relação contratual. A pasta competente para a análise poderá, ainda, agregar outras condicionantes e requisitos (como, por exemplo, a apresentação de um plano para retirada da empresa que está deixando o consórcio e para o ingresso da nova empresa, que demonstre a inexistência de prejuízo para a continuidade do contrato). Importa lembrar que uma alteração subjetiva do contratado, se não for bem planejada, especialmente no que tange aos recursos humanos, financeiros, bens e serviços próprios e de terceiros alocados pela contradada retirante na execução da avença, pode causar intensa perturbação na relação jurídica em curso.

Sub censura.

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São Paulo, 17/02/2020

RODRIGO BRACET MIRAGAYA
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP nº 227.775
PGM

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1Ementa 11.692: "Modificações subjetivas na relação jurídica contratual, que envolvam a alteração dos contratantes, não são a priori incompatíveis com o art. 37, inc. XXI, da Constituição da República, encontrando-se albergadas pelo artigo 78, inciso VI, da Lei federal n° 8.666/93 e pelo artigo 27 da Lei federal n° 8.987/95. A transferência ou cessão do objeto contratual a outrem, em contratos precedidos de licitação, depende do atendimento aos requisitos de habilitação e da ausência de vedação expressa no termo contratual, cabendo à Administração Pública seguir os procedimentos e condicionantes eventualmente previstos no contrato. Exceto na hipótese da admissão incondicional da cessão e da transferência no termo de contrato, caberá ao gestor público avaliar a sua conveniência e decidir a respeito, justificadamente, podendo, em acordo com os demais contratantes, criar mecanismos que evitem possíveis prejuízos à qualidade e continuidade da execução do ajuste".

2Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15a Ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 880.

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processo nº 2013-0.358.978-0

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

ASSUNTO: Contrato de obra pública. Aditivo. Modificação subjetiva. Substituição de empresa integrante do consórcio contratado. Ementa nº 11.692/2016-PGM.

Cont. da Informação nº 214/2020 - PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO
Senhor Secretário

Encaminho, a Vossa Senhoria, a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que endosso, no sentido: (i) da manutenção do entendimento esposado no parecer desta Procuradoria ementado sob o n° 11.692, inclusive quanto aos requisitos e vedações para modificações subjetivas na relação jurídica contratual; (ii) da possibilidade jurídica, em tese, de eventual alteração da cláusula contratual proibitiva da cessão ou transferência do contrato, total ou parcialmente, para outrem, cabendo à pasta contratante a análise quanto à conveniência da referida alteração contratual, resguardados os interesses da Administração Pública, nos termos do observado pela Assessoria Jurídico-Consultiva.

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São Paulo, 13/03/2020

MARINA MAGRO BEHINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 169.314
PGM

 

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo