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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.692 de 8 de Novembro de 2016

EMENTA 11.692
Modificações subjetivas na relação jurídica contratual, que envolvam a alteração dos contratantes, não são a priori incompatíveis com o art. 37, inc. XXI, da Constituição da República, encontrando-se albergadas pelo artigo 78, inciso VI, da Lei federal nº 8.666/93 e pelo artigo 27 da Lei federal nº 8.987/95. A transferência ou cessão do objeto contratual a outrem, em contratos precedidos de licitação, depende do atendimento aos requisitos de habilitação e da ausência de vedação expressa no termo contratual, cabendo à Administração Pública seguir os procedimentos e condicionantes eventualmente previstos no contrato. Exceto na hipótese da admissão incondicional da cessão e da transferência no termo de contrato, caberá ao gestor público avaliar a sua conveniência e decidir a respeito, justificadamente, podendo, em acordo com os demais contratantes, criar mecanismos que evitem possíveis prejuízos à qualidade e continuidade da execução do ajuste.

Processo n° 2011-0.363.006-3

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

ASSUNTO: Contrato nº 36/2012-SEHAB, para obras de saneamento, proteção ambiental e recuperação das águas das bacias Guarapiranga e Billings, bem como urbanização de favelas e regularização de loteamentos precários - lote 11. Pedido do consórcio contratado de substituição de uma das empresas consorciadas por terceira.

Informação n° 1.390/2016-PGM.AJC

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Assessoria Jurídico-Consultiva

Senhor Procurador Assessor Chefe

Trata-se de processo documental da execução do contrato nº 36/2012-SEHAB, que tem como objeto a realização obras de saneamento, proteção ambiental e recuperação da qualidade das águas nas bacias Guarapiranga e Billings, bem como urbanização de favelas e regularização de loteamentos precários - lote 11.

Conforme documento de fls. 4.141, o contratado - Consórcio Manancial Paez de Lima/Simétrica - requereu a substituição da consorciada Construtora Paez de Lima Construções e Comércio LTDA. por outra empresa, a Pórtico Construtora LTDA., juntando a documentação desta última e citando precedentes administrativos de SIURB. Conforme fls. 4.142-verso, SEHAB/ATAJ solicitou verificar se o novo consórcio que seria formado atenderia as condições de habilitação técnica e econômica fixadas no edital de licitação. Em seguida, o consórcio requereu, em complementação, a assunção da titularidade do contrato por Simétrica Engenharia LTDA. (fls. 4.145).

Na manifestação de fls. 4.290, o órgão competente afirmou que a empresa Simétrica atende as condições técnicas para assumir a titularidade do contrato, por atender as exigências de habilitação, e que tecnicamente não haveria impedimento para a empresa Pórtico Construções integrar o consórcio.

Ao retornar, o processo, à SEHAB/ATAJ, a d. assessoria jurídica manifestou dúvida "acerca da possibilidade de aceitação do pedido de substituição de empresa que anteriormente participava do consórcio contratado por outra nova, independente e fora do contexto societário da empresa a ser substituída, sem que isso ferisse o caráter intuitu personae do contrato administrativo" (fls. 526/527, que, diga-se, merecem ser renumeradas). Diante da existência de precedente administrativo favorável de SIURB, sugeriu o encaminhamento da questão a esta Procuradoria Geral.

É o relato do necessário.

Preliminarmente, não compreendemos inteiramente as pretensões do consórcio contratado: se a substituição da consorciada Construtora Paez de Lima por outra empresa, Pórtico Construtora, tal como solicitado às fls. 4.141, ou se pretende a assunção integral do objeto contratual pela consorciada Simétrica Engenharia (com a consequente extinção do consórcio), como deu a entender o requerimento de fls. 4.145 - já que, em tal requerimento, a empresa Simétrica solicita a "obtenção da titularidade do contrato", e não da titularidade do consórcio. Interpretaremos a pretensão no primeiro sentido, eis que, no segundo requerimento, o consórcio contratado não pleiteou a desconsideração do pleito anterior, mas a complementação deste, o que nos leva a crer que, em verdade, ele pretende a assunção da titularidade do consórcio pela empresa Simétrica. De mais a mais, a consulta foi formulada por SEHAB/ATAJ com base nesta premissa.

Pois bem. Esta Procuradoria Geral, nos idos de 2001, havia analisado a questão da incorporação de novas empresas em consórcio contratado pelo Município, concluindo pela sua impossibilidade, por importar em vulneração da regra da prévia licitação (Ementa nº 9.945 - PGM, fls. retro).

Tratava-se, de fato, do entendimento majoritário à época, que vinculava o procedimento de transferência subjetiva do contratado à realização de nova licitação. Neste sentido, conforme a doutrina citada no supramencionado parecer: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 3a Ed. São Paulo: Atlas, 1999; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 6a Ed.. São Paulo: Malheiros, 1995. Tais autores mantiveram o entendimento nas edições mais recentes das obras citadas e, embora as lições tenham sido colhidas da análise da transferência de concessões, poderiam ser aplicadas também para os contratos administrativos que não sejam qualificados como contratos de concessão, pois tanto num caso como noutro a regra é a realização de licitação para a escolha do contratado.

Acreditamos, todavia, que o entendimento doutrinário majoritário de outrora arrefeceu. Não em virtude de profundas alterações no direito positivo, que inexistiram - embora a previsão, na Lei federal nº 11.079/04, de assunção do controle da concessionária pelos financiadores, possa ter contribuído -, mas, fundamentalmente, em função de mudanças de percepção: de que um contrato administrativo sucedido de licitação não pode ser considerado personalíssimo, e de que a realização da licitação não importa num congelamento da relação obrigacional que lhe sucede. Tendo como base estas premissas, não haveria óbice constitucional a modificações subjetivas da posição de contratado, respeitadas certas condicionantes. Passamos a tratar de tais premissas.

1. A AUSÊNCIA DE CARÁTER PERSONALÍSSIMO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PRECEDIDOS DE LICITAÇÃO. A LICITAÇÃO NÂO IMPEDE AS MODIFICAÇÕES SUBJETIVAS NA RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL.

Alguns doutrinadores notaram que seria incongruente a exigência de licitação - com seus critérios objetivos de seleção - para a contratação pela Administração Pública e a simultânea conferência, aos contratos administrativos celebrados, do caráter intuitu personae. Como leciona Marçal Justen Filho:

"A asserção de que os contratos administrativos são pactuados intuitu personae desemboca na conclusão da impossibilidade de cessão do contrato administrativo. Tendo a contratação sido efetivada em função da identidade do contratado, não seria viável transferir sua execução a terceiros.

Ocorre que o postulado do personalismo do contrato administrativo, afirmado pela doutrina estrangeira, deriva da adoção de regime jurídico peculiar, distinto daquele vigente no Brasil.

Como regra, o direito europeu não conhecia a obrigatoriedade de licitação prévia à contratação administrativa. Somente mais recentemente, com as diretivas comunitárias acerca de contratos administrativos (...) é que se generalizou o dever de toda contratação administrativa ser precedida de licitação.

O personalismo do contrato administrativo era afirmado pela doutrina francesa precisamente pela ausência de prévia licitação. Como a seleção do contratado se inseria em um processo de natureza discricionária, a identidade e os caracteres subjetivos do escolhido eram fundamentais para a Administração Pública.

(...)

Ora, a situação é radicalmente distinta no Direito brasileiro.

Como regra, o regime jurídico da contratação administrativa no Brasil afasta escolhas fundadas em critérios subjetivos (...). Não se permite a adoção de preferência em relação a determinados sujeitos.

(...)

Todos os particulares que preencherem os requisitos de habilitação presumem-se suficientemente confiáveis para contratação com a Administração Pública. É irrelevante a identidade do vencedor, desde que preencha os requisitos de habilitação.

Como consequência inafastavel, ultrapassada a fase de habilitação, torna-se irrelevante para a seleção da proposta vencedora qualquer dado atinente ao proponente.

(...)

Isso é absolutamente incompatível com a ideia de contratação intuitu personae. "1

Eventualmente, a contratação com a Administração Pública pode ser personalíssima, mas isto ocorrerá apenas quando inexistir prévio procedimento objetivo de seleção do prestador, como, por exemplo, quando a Administração Pública contrata diretamente em função de notória especialização ou de consagração artística. Nestas hipóteses, adquire relevância a figura do contratado, as suas características peculiares, na medida em que ele é selecionado discricionariamente pelo Estado com base em tais especificidades. Nos casos precedidos de licitação, contudo, não há espaço para isso, já que as condições subjetivas consideradas relevantes devem constar do edital e, assim, objetivam-se. Convém lembrar Adilson Abreu Dallari quando acentua que:

"Na subcontratação, cessão ou transferência de contrato, entra em jogo a possibilidade de se executar, ao menos, parte do objeto contratual, por meio de terceiros. Portanto, a legislação já sinaliza para o fato de que o contrato administrativo não é de cunho personalíssimo.

Tem-se uma obrigação personalíssima no caso da contratação de serviços técnicos profissionais especializados, com profissional notoriamente especializado. Nesse caso, a inexigibilidade da licitação é justificada pela singularidade do próprio objeto, cuja execução vai depender das características específicas do contratado. Nesse caso, não pode haver transferência porque a justificativa da dispensa da licitação está exatamente nas qualificações próprias e exclusivas da pessoa contratada.

O contrato não terá singularidade quando diferentes contratados podem executar igualmente a mesma obra ou serviço. Nesse caso, não há razão lógica nem óbice jurídico a que a transferência da execução se efetive, desde que devidamente autorizada pelo contratante público, daí porque ela é expressamente autorizada pela legislação.

Não faz sentido sustentar que o contrato administrativo, oriundo de uma licitação, tenha que ser necessariamente executado por uma única e mesma pessoa, física ou jurídica, do início ao término de sua vigência. Se o objeto do contrato não pudesse ser executado por uma pluralidade de executantes, não haveria de se falar em licitação.

Observe-se que a lei deixa a cargo da Administração Pública decidir no caso concreto, mediante regras editalícias e contratuais, se admite ou não a possibilidade de cessão ou transferência, total ou parcial, do contrato a ser celebrado com o particular."2

Milita em favor de tal entendimento o contido no art. 78, inciso VI, da Lei federal nº 8.666/93, nos termos do qual o contrato pode ser rescindido nos casos de cessão ou transferência do objeto contratual não admitidas no edital e no contrato - o que leva a crer que caberá ao contrato disciplinar a questão, vedando ou admitindo tais alterações:

Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

(...);

VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;

Segundo Flávio Barbalho Leite:

"Inexistentes quer disposições do instrumento convocatório do certame precedente ao contrato, quer cláusulas contratuais proibitivas da cessão contratual ou da associação do contratado com outrem, segue-se, em face da disposição legal supra, a conclusão da licitude dessas operações, as quais ficam condicionadas, especialmente, ao explícito acordo do cedido - a Administração contratante -, o qual, de seu lado, pressupõe a avaliação satisfatória da condição do candidato a cessionário perante as exigências editalícias de habilitação."3

Vale lembrar que o art. 27 da Lei federal nº 8.987/95 é ainda mais claro quanto à possibilidade de transferência da concessão:

Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão.

§ 1º Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente deverá:

I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e

II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.

Os mesmos argumentos que jogam contra a caracterização do contrato administrativo (ou da generalidade destes) como personalíssimo, também servem para explicar como a regra constitucional da licitação não é suficiente para impedir mudanças subjetivas do polo contratual.

A licitação consiste em um procedimento objetivo de seleção da melhor proposta pela Administração Pública e de garantia de isonomia entre aqueles que intentam obter uma vantagem em relação aos demais (o acesso ao mercado público). O procedimento de licitação incorpora certas condicionantes (requisitos de habilitação ou qualificação) e certo critério de julgamento, geralmente o preço. Um contrato é adjudicado, assim, no mais das vezes, a pessoa que ofertou o melhor preço e cumpriu todas as condicionantes previstas no edital, independentemente de qualquer outro critério subjetivo não contemplado nele.

Firmado o contrato, passa a existir uma relação jurídica obrigacional na qual o contratado tem o direito de executar o objeto e, simultaneamente, é obrigado a tal execução. Cabe, ao Estado, garantir que o objeto seja adequadamente executado.

Não é novidade, entretanto, que no curso da execução do contrato podem ocorrer eventos que dificultem e atrasem a execução, ou demandem alterações no conteúdo do objeto contratual. A legislação admite uma série de alterações para garantir a adequada execução do objeto e a sua continuidade. Segundo Marçal Justen Filho, "se a prévia licitação não impede a modificação das prestações contratuais, então também não pode ser obstáculo a modificações no âmbito dos sujeitos contratados"4.

Se um contratado, por algum motivo, não mais interessa executar o ajuste, e há terceiro que, possuindo os requisitos de habilitação necessários previstos no edital, deseja integrar a relação jurídica e cumprir todas as obrigações nele previstas pelo mesmo preço (caso este seja o critério de julgamento previsto no edital), a vedação da transferência da posição contratual só se poderia creditar a uma absurda lógica centrada na autoridade que poderia colocar em risco a própria execução do pacto - eis que, por mais que sejam previstas no contrato sanções pela inexecução das obrigações, isso nunca impediu pessoas que não mais queiram cumprir com o combinado de fazê-lo (embora possam efetivamente servir como fator de dissuasão). Se a lei (art. 78, inciso VI, da Lei federal nº 8.666/93) admite este tipo de alteração e o contrato não a proíbe, não será, tampouco, o princípio do pacta sunt servanda que imporá o congelamento dos polos da relação jurídica.

Tampouco é suficiente o argumento de que a alteração do contratado importa em um novo contrato, e que todo contrato deve ser precedido de licitação. Primeiro porque há um equívoco grave ao se presumir que todo contrato depende de prévia licitação: a Constituição prevê como regra geral a licitação5, mas permite que a lei contemple ressalvas a regra, como sabidamente ocorre. Em segundo, a rigor, qualquer alteração objetiva ou subjetiva da relação obrigacional dá origem a uma nova relação, ou a uma reconformação da relação obrigacional original. Isso não significa dizer que qualquer alteração deve ser precedida de novo procedimento competitivo de seleção: reprise-se que a lei admite alterações qualitativas e quantitativas no objeto6, da mesma forma que admite alterações subjetivas no polo da relação, sem necessidade de nova licitação. Trata-se de uma norma consentânea com a realidade: seria absolutamente inviável a realização de nova licitação para cada modificação que se pretendesse fazer ao longo da execução de um contrato.

É verdade que, em alguns casos, a saída de um contratado e a entrada de outro pode causar perturbações na execução do contrato: por exemplo, a eventual desmobilização de equipamentos e pessoal do contratado anterior e a necessidade de remobilização, pelo novo contratado, pode não apenas levar a atrasos no cumprimento do cronograma, como também a prejuízos de qualidade decorrentes da falta de continuidade. Nem todos os contratos, entretanto, serão afetados por este naipe de problemas e, mesmo quando puderem ser, a Administração Pública poderá lançar mão de mecanismos de forma a evitá-los, de comum acordo com as demais partes da relação. Daí porque, ao nosso ver, a legislação (tanto a Lei federal nº 8.666/93 quanto a Lei federal nº 8.987/95) conferiu ao gestor público a liberdade para conformar e delinear a questão nos instrumentos negociais.

Se um contrato não veda expressamente nem admite incondicionalmente a transferência da execução do objeto, caberá ao gestor público avaliar se o possível substituto preenche todos os requisitos de habilitação e contratação contemplados no edital e se a alteração poderá prejudicar a execução do ajuste ou, ao revés, se poderá melhorá-la. Obviamente, se for vislumbrada a possibilidade de prejuízos à execução do pacto em função da substituição, o administrador público poderá vedá-la, justificadamente, ou procurar meios para garantir a inexistência de prejuízo.

Assim, a cessão das obrigações contratuais a terceiro "depende da soma dos seguintes requisitos: (i) a ausência de previsão proibitiva no edital e no instrumento convocatório; (ii) compatibilidade com o objeto contratual (o qual não pode ser de execução personalíssima, como, p. ex., um parecer jurídico); (iii) a aquiescência do ente contratante, a qual está condicionada (iii. a) ao atendimento das exigências editalícias de habilitação ou pré-qualificação por parte do candidato a cessionário, averiguada por juízo vinculado e (iii.b) à inexistência de empecilho de conveniência e oportunidade em face do interesse público, verificada por juízo discricionário"7.

Em suma, numa relação contratual, interessa à Administração Pública zelar pelo adequado cumprimento do objeto, de acordo com o previsto no termo contratual e na lei, não importando, em regra, quem executa o contrato - se a empresa A ou a empresa B - ou como este é executado, salvo nos casos dos contratos personalíssimos (nos quais é relevante quem executa o contrato), casos em que é autorizada a contratação direta. A existência de prévia licitação (sendo um processo objetivo), portanto, não só não impede a cessão das obrigações contratuais como, ao revés, corrobora com a possibilidade.

Por fim, o STJ, ao apreciar a questão, já entendeu pela legalidade da transferência da posição contratual, embora por fundamentos diversos8:

ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. RECURSOS DE FINANCIAMENTO. INTERMEDIAÇÃO PELO PRÓPRIO CONTRATADO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 7º, §§ 2º, I, II E 3º DA LEI 8.666/93. CESSÃO PARCIAL DO CONTRATO. LEGALIDADE. ART. 72, DA LEI DE LICITAÇÕES. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LOCUPLETAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

(...)

2 - A parcial cessão do objeto contratado, pela vencedora da licitação, é ato jurídico previsto no art. 72, da Lei 8.666/93, não constituindo tal procedimento, por si só, desrespeito à natureza intuitu personae dos contratos.

3 - Na espécie, embora o Município busque a anulação de contrato de cessão praticado entre a original vencedora da licitação e a empresa recorrida, bem como de todos os atos dali decorrentes, não há qualquer ofensa à legislação federal, razão suficiente para a denegação do pedido.

(...).

6 - Recurso especial conhecido e desprovido. 

(REsp 468.189/SP; T1; Rel. Min. José Delgado; j. em 18/2/2003)

 

2. O CASO EM ANÁLISE: A PROIBIÇÃO EXPRESSA NO CONTRATO CELEBRADO

Como acima comentado, a doutrina insere, como requisito para a cessão do objeto, a inexistência de vedação no contrato. Isto porque, se a legislação deixa a questão em aberto e remete à regulamentação por meio do contrato, caberá ao termo do ajuste disciplinar acerca da possibilidade, dos condicionamentos, ou da impossibilidade da transferência da posição subjetiva na relação jurídica. O próprio parecer jurídico juntado pelo consórcio interessado segue esta linha: para que possa haver a transferência ou cessão, "é essencial que o edital ou o contrato não vedem expressamente a alteração pretendida" (fls. 520, que merece ser renumerada).

O contrato em questão, na cláusula 9.1, assevera que "A CONTRATADA não poderá ceder ou transferir o presente Contrato, no todo ou em parte." (fls. 4.165). A disposição negocial não alude a condições ou a procedimentos, simplesmente veda, de forma absoluta, a cessão e transferência.

Partimos da presunção de que, na etapa interna da licitação, o órgão contratante avaliou que a transferência do objeto contratual, de qualquer forma, poderia causar perturbação na execução do ajuste, preferindo vedá-la expressa e antecipadamente. De mais a mais, como o Tribunal de Contas da União possui entendimento restritivo quanto a possibilidade de cessão, nos contratos adimplidos com recursos federais pode, de fato, revelar-se conveniente a proibição expressa no termo do ajuste.

Portanto, por mais que, em tese, admita-se a cessão da posição contratual a terceiros e outros tipos de alteração subjetiva do contrato administrativo não-personalíssimo, na hipótese dos autos esta não se revela possível, ante impedimento constante de cláusula contratual. O consórcio, ao firmar o ajuste, já tinha conhecimento da regra e da impossibilidade de substituição, cabendo-lhe cumprir as obrigações contratuais.

Sub censura.

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São Paulo, 08/11/2016.

 

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP 227.775

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 09/11/2016.

TIAGO ROSSI

Procurador Assessor Chefe - AJC

OAB/SP 195.910

PGM


1 Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª Ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 962-963.

2 DALLARI, Adilson Abreu. Transferência do contrato de concessão. Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 156, p. 9-12, dez. 2014, versão digital.
3 A Licitude da cessão de contrato administrativo e operações similares e o mito do personalismo dos contratos administrativos. Revista de Direito Administrativo, n. 232, abr/2003, pp. 255-281, p. 264.

4 Comentários... Ob. cit., p. 964.
5 Art. 37. (...) XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
6 Aliás, a lei não apenas admite tais alterações como, para algumas delas, a lei prevê a possibilidade de imposição unilateral.

7 LEITE, Flávio Barbalho. A Licitude... Ob. cit., p. 276.

8 O STJ utilizou, como fundamento legal, o disposto no art. 72 da Lei 8.666/93, que trata da subcontratação, embora o caso julgado tratasse de cessão do objeto contratado, como revela a própria ementa. Ademais, o STJ afirma que a cessão não atentaria contra o caráter intuitu personae dos contratos, mas, no voto, o Ministro relator diferencia "contrato intuitu personae" de "contrato personalíssimo", lastreado em doutrina de Hely Lopes Meirelles: " '...todo contrato administrativo é firmado intuitu personae, isto é, tendo em vista a pessoa física ou jurídica que, através do procedimento da licitação ou de outros meios, nos casos de dispensa, demonstrou possuir idoneidade para executar plenamente seu objeto, sob o tríplice aspecto jurídico, técnico e financeiro (...). Todavia, se a execução é pessoal, nem sempre é personalíssima, podendo exigir a participação de diferentes técnicos e especialistas...' (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 26ª ed., 2001)."

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Processo n° 2011-0.363.006-3

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

ASSUNTO: Contrato nº 36/2012-SEHAB, para obras de saneamento, proteção ambiental e recuperação das águas das bacias Guarapiranga e Billings, bem como urbanização de favelas e regularização de loteamentos precários - lote 11. Pedido do consórcio contratado de substituição de uma das empresas consorciadas por terceira.

Cont. da Informação n° 1.390/2016-PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

Senhor Secretário

Encaminho estes autos a Vossa Excelência, com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que endosso, no sentido de que:

(i) modificações subjetivas na relação jurídica contratual, que envolvam a alteração dos contratantes, não são a priori incompatíveis com o art. 37, inc. XXI, da Constituição, encontrando-se albergadas pelo art. 78, inc. VI, da Lei federal nº 8.666/93 e pelo art. 27 da Lei federal nº 8.987/95;

(ii) a transferência ou cessão do objeto contratual a outrem, em contratos precedidos de licitação, depende do atendimento aos requisitos de habilitação e da ausência de vedação expressa no termo contratual, cabendo à Administração Pública seguir os procedimentos e condicionantes eventualmente previstos no contrato;

(iii) exceto na hipótese da admissão incondicional da cessão e da transferência no termo de contrato, caberá ao gestor público avaliar a sua conveniência e decidir a respeito, justificadamente, podendo, em acordo com os demais contratantes, criar mecanismos que evitem possíveis prejuízos à qualidade e continuidade da execução do ajuste;

(iv) inobstante a tese afirmada nos itens anteriores, a substituição parcial pretendida no consórcio formado para a execução do contrato, no caso em análise, esbarra na previsão da cláusula 9.1 do termo de contrato, sendo certo, ainda, que o consórcio em questão é formado por apenas duas empresas e a alteração atinge a consorciada-líder, o que evidencia a relevância da alteração.

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São Paulo, 08/12/2016.

ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP nº 173.527

PGM

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo