CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 1.546 de 30 de Outubro de 2014

Informação nº 1.546/2014-PGM.AJC
Revisão de concessão de direito real de uso. Proposta de novas contrapartidas sociais, não contempladas no contrato de concessão. A Lei municipal nº 14.652/07 restringiu sua aplicação às novas concessões e permissões de uso. Inviabilidade de alteração unilateral do contrato, para inserção de novos ônus, especialmente se desacompanhada do concomitante reequilíbrio contratual. Viabilidade de renegociação dos encargos previstos, de forma consensual, nos termos da Lei municipal nº14.869/08, ou da previsão de contrapartidas no espaço conferido pelo termo contratual. Possibilidade de rescisão unilateral por interesse público, que deve ser justificada, considerando as possíveis conseqüências do ato.

PA 1993-0.035.824-3

INTERESSADO: CLUBE ESPORTIVO DA PENHA

ASSUNTO: Revisão de concessão de direito real de uso. Proposta de novas contrapartidas sociais, não contempladas no contrato de concessão. A Lei municipal nº 14.652/07 restringiu sua aplicação às novas concessões e permissões de uso. Inviabilidade de alteração unilateral do contrato, para inserção de novos ônus, especialmente se desacompanhada do concomitante reequilíbrio contratual. Viabilidade de renegociação dos encargos previstos, de forma consensual, nos termos da Lei municipal nº14.869/08, ou da previsão de contrapartidas no espaço conferido pelo termo contratual. Possibilidade de rescisão unilateral por interesse público, que deve ser justificada, considerando as possíveis conseqüências do ato.

Informação nº 1.546/2014-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhor Procurador Assessor Chefe

Trata-se de processo de acompanhamento do cumprimento das contrapartidas fixadas no contrato de concessão gratuita de direito real de uso, celebrado entre o clube interessado e o Município de São Paulo em 1982, pelo prazo de 40 anos, com fundamento na Lei municipal autorizativa nº 9.323/81, e nos termos do instrumento encartado às fls. 4/8.

Durante o curso do processo surgiram algumas intercorrências, já solucionadas quanto ao pagamento dos tributos pelo clube; ao cumprimento das contrapartidas sociais; à invasão de área contígua pelo interessado; e à legalidade da concessão de direito real de uso ao clube, questionada pelo Ministério Público em ação civil pública (v. relatório do DGPI de fls. 338/343). Quanto a este último ponto, foi juntado o acórdão de fls. 676/679, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que não deu provimento ao recurso de apelação do MP, tirado em face da sentença de improcedência de demanda. Segundo entendimento do TJSP, a concessão foi regular, na medida em que seguiu a legislação vigente, e não foi despida de interesse público nem teria havido desvio de finalidade.

O expediente prosseguiu para reavaliação das contrapartidas sociais pelo clube, nos termos do Decreto nº 47.122/06 (que teve vida curta, sendo logo substituído pelo Decreto nº 47.531/06). Conforme havia sido informado (fls. 193), o clube praticamente não era demandado para executar a contrapartida prevista no alínea b da cláusula 5º do contrato de concessão: "franquear, gratuitamente, o uso de suas instalações às escolas da região leste, para aulas de educação física, realização de festividades e de competições desportivas". A Secretaria de Educação também afirmou que "não concorda com a fixação de contrapartidas educacionais, a serem fiscalizadas e gerenciadas pela Secretaria (...)"(fls. 377).

Já a Secretaria de Esportes solicitou, ao DGPI, a avaliação de mercado do imóvel, para, com base nele, pensar em contrapartidas esportivas e recreativas, considerando que há inúmeros clubes concedidos e dever-se-ia adotar um critério unificado para tais contrapartidas (fls. 447). DGPI encontrou o valor de R$ 351.493,00, por mês, que seria o valor locativo mensal do imóvel.

Com base em tal valor, SEME propôs que o interessado executasse alguns programas ("Vem Dançar" e "Clube Escola"), normalmente executados por entidades conveniadas (fls. 633/635). O programa "Clube Escola" deveria ser executado nos Clubes de Comunidade da região. A proposta foi endossada pela comissão de contrapartidas de SEME (fls. 636/637). Segundo consta (fls. 645/647), o clube interessado tomou ciência da proposta, mas não se manifestou.

Sobreveio, então, a questão de como o Município deveria proceder, considerando o contrato de concessão em vigor. No parecer de fls. 667/672, a d. assessoria jurídica do DGPI antevê a possibilidade de alteração unilateral do contrato em curso, considerando a superveniência da Lei municipal nº 14.652/07, mas, considerando o disposto no art. 87 da L.O.M. e as repercussões do caso, propõe a oitiva da PGM. Detalharemos os argumentos da referida manifestação abaixo.

Recebendo o processo, para nos inteirarmos melhor do assunto, solicitamos informações de DEMAP a respeito de ações judiciais que tivessem questionado a concessão de uso a clubes, bem como a fixação de novas contrapartidas, ou que tivessem tratado da Lei municipal nº 14.652/07. Em resposta, o Departamento trouxe alguns casos em que o MP questionou, judicialmente, a legalidade das concessões a clubes, inclusive caso em que ajuizou ação de improbidade contra o então Prefeito, alegando que havia se omitido (na qual o Município tomou posição no pólo passivo). As notícias que temos são as de que as ações foram improvidas (no caso da ação de improbidade, o TJSP, em recurso de agravo, deu provimento a ele para acolher a defesa prévia e extinguir a ação), ainda que não tenhamos notícia de trânsito em julgado. Não há notícia de ação em que se questione a alteração de contrapartidas ou aborde a Lei municipal nº 14.652/07.

É o relato do necessário.

Podemos adiantar, com a devida vênia, nossa posição destoante em relação argumentos lançados no parecer de fls. 667/672, que concluiu pela possibilidade de alteração unilateral dos contratos de concessão de uso (ou do direito real de uso) pela Administração, transmudando-os de gratuitos em onerosos, por meio da inserção de novas contrapartidas a serem cumpridas pelos beneficiários da concessão.

Os fundamentos nos quais se baseou a i. Procuradora oficiante foram, resumidamente, os seguintes: (1) a lei nova alcança os efeitos futuros das relações de trato sucessivo, de que a concessão de uso seria exemplo, já que, neste caso, não haveria retroatividade a prejudicar o ato jurídico perfeito, entendido como o ato já consumado, nem prejudicaria direitos adquiridos, na medida em que não existiria direito adquirido a regime jurídico, nem prevaleceria esse direito diante de normas de ordem pública; (2) as disposições da Lei municipal nº 14.652/07, ao encerrar disposições de ordem pública, pode ser aplicada aos contratos de concessão em curso, tornando-se necessária a sua alteração para a inserção de contrapartidas sociais ou o pagamento, em pecúnia, do valor da contrapartida mensal arbitrado; (3) em atendimento à legislação superveniente, a alteração do contrato de concessão poderia ser feita unilateralmente, para nele incluir as contrapartidas arbitradas, como permite a Lei federal nº 8.666/93  e, em não havendo o cumprimento das contrapartidas inseridas, justificar-se-ia a caducidade da concessão.

Com base nos apontamentos do referido parecer, dividiremos nossa manifestação nas duas questões estruturais abordadas: a aplicação da Lei municipal 14.652/07 aos contratos de concessão em curso; e a alteração unilateral de contratos desta natureza.

1. A APLICAÇÃO DA LEI MUNICIPAL Nº 14.652/07

Dispõe o art. 1º da Lei municipal nº 14.652/07, com a redação dada pela Lei nº 14.869/08:

"Art. 1° As concessões e permissões de uso de áreas municipais deverão ser feitas, doravante, a título oneroso, mediante o pagamento de remuneração mensal ou anual, fixada por critérios do Executivo, excetuadas as hipóteses de efetiva prestação de serviços à população ou de estabelecimento de contrapartidas sociais, devidamente propostas e avalizadas pela secretaria municipal competente, à qual caberá sua fiscalização."

A Lei nº 14.869/08 ainda trouxe uma regra específica para as concessões e permissões de uso outorgadas antes da entrada em vigor da Lei nº 14.652/07:

"Art. 4º, Os concessionários e permissionários que tiveram suas concessões ou permissões de uso de áreas municipais formalizadas antes da entrada em vigor da Lei nº 14.652, de 20 de dezembro de 2007, cuja contrapartida seja não pecuniária ou mediante prestação de serviços à população, poderão, por meio de requerimento condicionado á aprovação do Executivo e desde que não ocorra prejuízo ao estabelecida no artigo 1º da referida lei, conforme dispuser o regulamento."

Pela leitura dos dispositivos supratranscritos, não conseguimos depreender comando legal voltado à revisão das obrigações constantes dos contratos de concessão já firmados. Ou seja, independentemente da discussão de se a lei nova poderia ou não alcançar contratos já firmados, parece-nos claro que, no caso em análise, o diploma legal não visou atingir as situações já constituídas. Pelo contrário, afastou a sua aplicação nestas hipóteses.

Observe-se o trecho inicial do caput do art. 1º da Lei nº 14.652/07: "as concessões e permissões de uso de áreas municipais deverão ser feitas. doravante". Trata-se de claro comando voltado às futuras concessões e permissões, ou, dito de outra forma, às concessões e permissões feitas a partir da entrada em vigor da lei.

E qualquer dúvida foi dissipada a partir do momento em que a Lei nº 14.869/08, no caput do seu art. 4º, conferiu opção para os permissionários e concessionários alterarem suas contrapartidas para as previstas no art. 1º supramencionado.

Portanto, a discussão que se deve fazer no caso que nos foi submetido à apreciação não é a respeito de direito intertemporal, mas da mera aplicação das leis municipais que regem a matéria. De todo modo, caso fosse necessário adentrarmos no mérito da questão referente ao conflito de leis no tempo, teríamos sérias dúvidas quanto à possibilidade de lei nova desconstituir obrigações em contratos celebrados antes da sua vigência1 - desfigurando-os na medida em que transforma um contrato gratuito em oneroso ainda que a lei nova trouxesse matéria de ordem pública. Valemo-nos, neste ponto, das lições de Luis Roberto BARROSO, para quem: 

"Já se consignou linhas trás que a regra do art. 5º, XXXVI, dirige-se ao legislador de todos os níveis, só não se sobrepondo ao constituinte. Quanto ao conteúdo do ato normativo, não há qualquer distinção entre as chamadas 'leis de ordem pública' e as demais, como faz supor certo segmento doutrinário. A Constituição não prevê exceções. Qualquer lei, seja qual for o adjetivo que se lhe vier a agregar, está obrigada a respeitar essas garantias, mesmo porque nenhum sentido haveria em admitir-se que a lei, conferindo a si própria determinada qualificação, pudesse afastar a garantia constitucional. A tese tem robusto suporte doutrinário.

(...)

Nesse passo, o Supremo Tribunal Federal já decidiu diversas vezes que a caracterização de lei de ordem pública não tem maior relevância quando se está diante de direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. (...)"2

Não convém a reprodução aqui, nesta manifestação  dos julgados do STF no sentido preconizado pelo autor, hoje Ministro da Corte3. Mas a observação é compartilhada na doutrina. Ao tratar da jurisprudência do STF, José Adercio Leite SAMPAIO aduz que "o legislador não poderá alcançar nem mesmo as conseqüências ainda não produzidas de contratos já celebrados, porque irá 'interferir na causa que é um ato ou fato ocorrido no passado"4.

O entendimento é compartilhado mesmo por administrativistas, campo em que as normas são, naturalmente, de "ordem pública". Para Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, ao tratar dos contratos de trato sucessivo:

"Por via dele, então, as partes propõem-se a garantir, desde já, aquilo que deverá ubicar-se no futuro. Donde, ao se comprometerem, o que os contratantes estão visando é a eliminação da precariedade, porque a essência do pacto é estabilizar, de logo, eventos que deverão suceder mais além no tempo. O fulcro do instituto, portanto, repousa na continuidade dos termos que presidem a avença. Se a lei nova pudesse subverter o quadro jurídico dentro no qual as partes avençaram, fazendo aplicar de imediato as regras supervenientes, estaria negando sentido à própria essência deste tipo de vínculo, por instaurar resultado oposto ao que se busca com o instituto do contrato."5

1.1. E se (1) a Lei nº 14.652/07 expressamente determinasse a colheita dos efeitos dos contratos iá celebrados: (2) a disposição fosse entendida como constitucional. O que aconteceria?

Ao adentrarmos no campo do direito administrativo, apresenta-se uma questão que, no direito privado, toma outra forma, ainda que semelhante. Falamos da teoria da imprevisão, no direito privado, e da teoria do fato do príncipe ou da administração, no direito público, ambas no sentido do retorno ao equilíbrio inicial contratado. 

Imaginemos um contrato entre particulares. Sobrevindo uma lei que importe alteração do equilíbrio contratual (ex: lei tributária, submetida a regras especiais de anterioridade), importando em onerosidade excessiva para alguma delas, a parte prejudicada poderia invocar o disposto nos arts. 478 e ss. do Código Civil6 para pleitear a resolução do contrato ou o seu reequilíbrio.

No direito administrativo, a solução também seria o reequilíbrio contratual, derivado ou da teoria do fato do príncipe, que trata das "medidas de ordem geral, não relacionadas diretamente com o contrato, mas que nele repercutem, provocando desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado"7, ou da teoria do fato da administração, que abrange "qualquer conduta ou comportamento da Administração que, como parte contratual, pode tornar impossível a execução do contrato ou provocar seu desequilíbrio econômico"8. A diferença entre uma e outra se baseia na fonte do fato gerador do desequilíbrio: se em norma geral que indiretamente repercute sobre o ajuste, ou em determinação específica a respeito do ajuste. Mas a solução é a mesma: o reequilíbrio das prestações que as partes haviam pactuado quando da celebração do ajuste. Vale acrescentar que, diferentemente da teoria da imprevisão, as teorias do fato do príncipe e da administração tratam de condutas efetuadas pela própria Administração Pública, que ao mesmo tempo é parte no contrato e detentora de poderes extroversos - ou seja, é uma das partes contratuais que, por sua própria conduta, altera de forma direta ou indireta o equilíbrio inicial das prestações.

Ora, se a lei municipal em análise fosse aplicada aos contratos em curso, e pudesse, constitucionalmente, alterar as obrigações dos contratos em curso, a conseqüência seria o retorno ao reequilíbrio inicial pactuado de custos e benefícios; bônus e ônus; direitos e obrigações. Se ampliadas as obrigações dos contratados no montante X, eles, de alguma forma, teriam que ser ressarcidos no mesmo montante X.

Importante ressaltar que partimos do pressuposto de que o contrato em questão foi validamente celebrado ou, dito de outro modo, não é nulo. Que observou os princípios e normas da época. Que não beneficiou, indevidamente, uma das partes. Pois, se assim ocorreu, seria o caso de anulação do ajuste, e estaríamos a perder tempo discutindo teorias de reequilíbrio contratual9.

Agora, partindo do pressuposto da validade do contrato, a Administração Pública não pode ampliar os ônus do contratado, apenas com suporte na premissa de que acredita agora que estes são muito inferiores ao que seria adequado, sem reequilibrar os bônus. A Administração Pública deve levar seus contratos a sério.

2. A ALTERAÇÃO UNILATERAL DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DE USO (OU DE DIREITO REAL DE USO)

Ainda que a Lei municipal nº 14.652/07 não seja aplicável aos contratos em curso (ou mesmo que ela pudesse ser aplicada...), será que a Administração poderia, sponte própria, promover a alteração unilateral do contrato, para inserir, forçosamente, novas obrigações aos concessionários?

Inexiste norma geral regulamentando a execução e efeitos dos contratos de concessão administrativa de uso. De um lado, fosse aplicado o Código Civil, não haveria fundamento legal para a alteração unilateral. Fosse aplicada, por analogia, a Lei federal nº 8.666/93, que dispõe sobre "normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" (art. 1º, caput), a conclusão não seria diversa. Isto porque os casos de alteração unilateral previstos no art. 65, inc. I, do diploma legal são:

"a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;

b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;"

No caso em análise, não há que se falar em projeto ou especificações, elementos muito ligados aos contratos de empreitada ou de prestação de serviços, nem em alteração quantitativa do seu objeto, pois se visa a alteração da conformação do objeto, com a inserção de novas obrigações.

O caso em questão melhor se adaptaria às hipóteses previstas no inc. II do art. 65, que tratam da alteração consensual do conteúdo das obrigações originalmente pactuadas, em especial a alínea a:

"II - por acordo das partes:

a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;

b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;

c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição  da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual."

Ainda que a alteração pretendida pudesse ser incluída no inc. I do art. 65, estaria limitada nos termos do §1º do mesmo artigo, segundo o qual "o contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos". Acima ou abaixo dos de tais percentuais, deveria haver a concordância do contratado, nos termos do §2º.

Ademais, nas hipóteses de ampliação de encargos legais, a Lei nº 8.666/93 garante o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato:

"Art. 65. (...)

§5º Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.

§6º Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial."

Será que faria sentido a Administração Pública municipal exigir, unilateralmente, dos concessionários, novas obrigações, para em seguida (ou concomitantemente) ter que ressarci-los em função dos novos encargos? A referida alteração atenderia ao interesse público?

1.2. E o que o Município pode, então, fazer?

A regra, não se pode deixar de colocar, é a observância dos contratos firmados pela Administração Pública. Idealmente, os contratos devem ser bem pensados antes da sua celebração, já que qualquer modificação posterior, se necessária, pode acarretar custos para a coletividade - custos esses que poderiam ser evitados ou minimizados se bem planejado o ajuste e os riscos envolvidos.

Primeiro, pode haver alteração consensual do termo contratual, para a inclusão de novas obrigações10. Caso a contratada não aceite repactuar as obrigações, entendemos que seria possível, em tese, à rescisão do contrato de concessão por razões de interesse público, empregando-se, por analogia, a Lei federal nº 8.666/93, que a prevê (vale atentar que o termo contratual contempla expressamente a rescisão apenas nos casos de descumprimento, pelo concessionário, das obrigações estatuídas, não prevendo a rescisão por razões de interesse público). Não se trata de uma opção simples, contudo. Primeiro, em razão das próprias dúvidas que podem surgir a respeito da aplicabilidade da Lei federal nº 8.666/93. Segundo, porque não é claro o quantum indenizatório que deveria ser pago ao concessionário à título de indenização pelos prejuízos decorrentes do término do contrato antes do prazo fixado11. Terceiro porque a rescisão precisaria ser motivada em razões de interesse público "de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato", nos termos do inc. XII do art. 78 da Lei nº 8.666/93. Caso não se chegue a um consenso com os clubes interessados, a tendência é que as questões e problemas resvalem para o Judiciário.

Alternativamente (1) à renegociação do ajuste, para a inserção de contrapartidas consensuais, e (2) à sua rescisão por motivos de interesse público, a Administração Pública poderia, ainda, (3) "executar" as contrapartidas já previstas no termo contratual. Na concessão de uso em análise, dentre as obrigações da concessionária está a de "franquear, gratuitamente, o uso de suas instalações às escolas da região leste, para aulas de educação física, realização de festividades e de competições desportivas". A cláusula contratual, de textura aberta, permite a execução de diversos projetos voltados aos alunos das instituições de ensino, com o aproveitamento das instalações do clube12.

Em razão do acima exposto, permitimo-nos sugerir que se solicite, ao clube interessado, contrapropostas referentes às contrapartidas aventadas pela Prefeitura, para que se chegue, tanto quanto possível, a uma solução negociada (consensual) que, de um lado, observe às possibilidades do interessado e, de outro, às necessidades do Município. Sub censura.

 

São Paulo, 30/10/2014

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor-AJC

OAB/SP 227.775

PGM

 

De acordo.

São Paulo, 07/11/2014

TIAGO ROSSI

PROCURADOR ASSESSOR CHEFE - AJC

OAB/SP 195.910

PGM.

 

1 Já é clássica, na doutrina, a disputa entre o italiano Carlo Francesco Gabba e o francês Paul Roubier acerca da retroatividade das leis - a concepção subjetiva do primeiro baseava-se na teoria dos direitos adquiridos contra a retroatividade legal, de modo que os direitos subjetivos tornar-se-iam direitos adquiridos após a lei nova; já a concepção objetiva, do segundo, fundava-se na distinção entre efeitos imediatos e efeitos retroativos da lei nova, recusando a teoria dos direitos subjetivos e, portanto, dos direitos adquiridos (vale anotar que a nossa Constituição incorporou expressamente a teoria dos direitos adquiridos). Dentre algumas semelhanças entre as teorias, ambas, ainda que sob fundamentos parcialmente diversos, resguardavam da aplicação da lei nova os contratos celebrados sob a vigência da lei antiga, ainda que em relação aos seus efeitos futuros. É bem verdade, por outro lado, que alguns doutrinadores, como De Page e Ruggiero, apesar de entenderem pela ultratividade da lei antiga nos contratos, faziam exceções às normas de ordem pública, mas, ainda assim, com alguns temperamentos. Neste aspecto, consultamos LIMONGI FRANÇA, R. A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. São Paulo: Saraiva, 1998; SAMPAIO, José Adercio Leite. Direito Adquirido e Expectativa de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005; GABBA, C.F. Teoria delia Retroattivitá delle Leggi. V.l. Pisa: Tipografia Nistri, 1868.
2 Em Algum Lugar do Passado: Segurança Jurídica, Direito Intertemporal e o Novo Código Civil in Constituição e Segurança Jurídica. Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada. Estudos em Homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. Carmen Lúcia Antunes Rocha (Coord.). Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 147-148.
O caso paradigmático julgado pelo STF neste sentido foi a ADI 493-0/DF (Rel. Min. Moreira Alves; j. em 25/06/1992), que apreciou a constitucionalidade de artigos de lei que alteraram a forma de atualização monetária de contratos celebrados com as entidades integrantes do Sistema Financeiro de Habitação. Outras decisões se seguiram no sentido da inconstitucionalidade de disposições que alterem os efeitos dos contratos (neste sentido: RE 205.999-4/SP, que questionava a aplicação imediata de norma do CDC). É verdade, contudo, que em algumas poucas decisões, relativas a planos econômicos e padrão monetário, o STF julgou constitucionais as disposições legais tendentes a afetar os contratos, sob o argumento de que a lei apenas solucionou, quanto aos contratos em curso, um desequilíbrio que ele própria criou. Ressalte-se, contudo, que são todas decisões atinentes a planos econômicos.
4 SAMPAIO, José Adercio Leite. Direito Adquirido e Expectativa de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 209.
5 O Direito Adquirido e o Direito Administrativo in RTDP, 24/54,1998, p. 61. 

6 "Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva."
Dl PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008, p. 279.
8 Idem. 

9 Na ação civil pública noticiada neste processo, por meio da qual o MP questionava a juridicidade da concessão ao Clube da Penha, o TJSP reconheceu a existência de interesse público apto à justificar a transmissão do uso do imóvel, como noticiado por DEMAP. Tivemos conhecimento, ainda, de outras ações, nas quais o parquet questionava concessões de uso dadas a outros clubes da cidade, todas, até onde sabemos, improvidas no mérito: Apelação 9135690-09.2004.8.26.0000, 12a Câmara de Direito Público, Rel. Prado Pereira, j. em 18/03/2009, MP x MSP e Círculo Militar; Apelação nº 0107079-68.2005.8.26.0000, 12a Câmara de Direito Público, Rel. Des. Burza Neto, j. 11/11/09, MP x MSP e Clube de Regatas do Tietê.
10 Quanto a este ponto, lembramos que, na Informação nº 716/09 - PGM.AJC, de lavra do i. Procurador Ricardo Gaúche de Matos, esta Procuradoria Geral e a Secretaria dos Negócios Jurídicos entenderam que "a utilização do valor de uma hipotética retribuição mensal, conforme aventado por PATR (...), não é o critério mais adequado para o estabelecimento de eventuais contrapartidas, devendo ser consideradas, para tanto, as necessidades da PMSP e as possibilidades da entidade, tendo em vista o interesse público".
11 Há decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo que reconheceram a possibilidade de rescisão de contrato de concessão de uso por razões de interesse público (inclusive sem o pagamento de indenização ou retenção de benfeitorias), cujo fundamento, entretanto, não foi a Lei federal nº 8.666/93, mas o próprio termo contratual, que previa a dita possibilidade de: forma expressa (assim como previa a incorporação das benfeitorias, sem direito à indenização ou retenção). V. apelação na 0212449-31.2008.8.26.0000, j. em 13/12/2010; e apelação ne 0184222-80.2012.8.26.0100, j. em 14/5/2014.
12 Obviamente, a cláusula perde parte da sua efetividade se o Município já dispõe, sem custos adicionais, de locais e equipamentos disponíveis para a prática das atividades.



PA  1993-0.035.824-3

INTERESSADO: CLUBE ESPORTIVO DA PENHA

ASSUNTO: Revisão de concessão de direito real de uso. Proposta de novas contrapartidas sociais, não contempladas no contrato de concessão. A Lei municipal nº 14.652/07 restringiu sua aplicação às novas concessões e permissões de uso. Inviabilidade de alteração unilateral do contrato, para inserção de novos ônus, especialmente se desacompanhada do concomitante reequilíbrio contratual. Viabilidade de renegociação dos encargos previstos, de forma consensual, nos termos da Lei municipal nº 14.869/08, ou da previsão de contrapartidas no espaço conferido pelo termo contratual. Possibilidade de rescisão unilateral por interesse público, que deve ser justificada, considerando as possíveis conseqüências do ato.

Cont. da Informação nº 1.546/2014-PGM.AJC

SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Senhor Secretário

Encaminho estes autos a Vossa Excelência, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho, no sentido (1) da inaplicabilidade das obrigações previstas na Lei municipal nº 14.652/07 às concessões e permissões em curso; (2) da impossibilidade de alteração unilateral do contrato de concessão, restando possível (i) a modificação consensual (negociada); (ii) a exigência das contrapartidas previstas no termo de concessão; (iii) ou a rescisão justificada por razões de interesse público, devidamente demonstrados, e sopesadas as eventuais conseqüências do ato.

 

São Paulo, 2014

ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 173.527

PGM

 

 

PA 1993-0.035.824-3

INTERESSADO: CLUBE ESPORTIVO DA PENHA

ASSUNTO: Revisão de concessão de direito real de uso. Proposta de novas contrapartidas sociais, não contempladas no contrato de concessão.

Informação n.° 2594 /2015-SNJ.G 

SNJ.G

Senhor Secretário

No âmbito do presente expediente, que trata de acompanhar concessão de uso de bem imóvel municipal ao Clube Esportivo Penha, firmada em 1982, com vigência de 40 anos, surgiu a questão, desencadeada pela assessoria jurídica de DGPI, quando à possibilidade de alteração unilateral de contrato de concessão de uso de área municipal, em vista do disposto na Lei nº 14652/07 (fls. 667/673).

PGM manifestou-se pela inaplicabilidade da referida lei aos contratos em curso em vista dos termos expressos de tal diploma normativo, que se refere às concessões e permissões que "doravante" viessem a ser firmadas, dando opção aos concessionários e permissionários no sentido de adequar suas contrapartidas aos termos do novo regime. Além disso, mesmo que fosse possível a alteração unilateral do contrato, seria necessário restabelecer o equilíbrio das prestações de ambos os contratantes, de modo que caberia à Administração recompor economicamente os ônus que viessem a ser impostos ao particular. De outra parte eventual alteração unilateral, neste caso, não encontraria suporte no dispositivo que trata do tema na Lei Federal n. 8.666/93 (art. 65, I), estando a situação alcançada pelo preceito que trata da alteração consensual (art. 65, II, d), observado que, nas hipóteses de ampliação de encargos, o diploma federal assegura a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, de modo que a Administração, caso impusesse novas obrigações ao concessionário, teria de ressarci-lo logo em seguida. Ressaltando a necessidade de que a Administração cumpra os contratos por ela firmados, entendeu a PGM que a solução, neste caso, seria eventual alteração consensual do ajuste ou sua rescisão por motivo de interesse público, opção que enseja complexidades, como a aplicabilidade da Lei n. 8666/93 a esse respeito, a fixação da indenização do concessionário pelo término antecipado do, contrato e a necessidade de fundamentação do referido interesse público, fatores que tendem a levar o caso ao Judiciário. De todo modo, restaria à Municipalidade a possibilidade de executar contrapartidas já previstas no termo contratual, considerado que a cláusula correspondente é aberta o suficiente para propiciar diversas alternativas (fIs. 703/716).

É o breve relato.

O entendimento da Procuradoria Geral do Município não enseja reparo algum.

De fato, o texto expresso da Lei n. 14.652/07 não autoriza interpretação extensiva. Não se pode negar a existência da tese segundo a qual não há direito adquirido a regime jurídico; no entanto, o mínimo que se pode exigir para o afastamento de um regime jurídico é a existência de norma nesse sentido. Dessa sorte, somente se poderia ingressar na complexa constitucional alusiva à possibilidade intervenção de uma lei sobre relações jurídicas instauradas quando a lei dispor nesse sentido, o que não se verifica no caso em exame.

Além disso, partindo do pressuposto de que o contrato é válido, matéria que ensejou o pronunciamento judiciai juntado ao presente, já transitado em julgado (fis. 676/679), cabe à Administração cumprir com suas disposições, o que não afasta, por óbvio, a possibilidade de que as contrapartidas já definidas no contrato sejam concretizadas do modo mais compatível com interesse público. Da mesma forma, são possíveis as alternativas de eventual modificação definida em consenso com o concessionário e de rescisão da avença, ressalvadas, neste último caso, as dificuldades apontadas pela PGM, sobretudo no tocante à necessidade de caracterização do interesse público envolvido e às consequências patrimoniais correspondentes, tendo em vista a obrigação de indenizar o concessionário pela supressão do prazo contratual remanescente.

Assim sendo, acompanhando o entendimento, da Procuradoria Geral, sugere-se o encaminhamento ao DPGI, para prosseguimento.

É o parecer, qué submeto à sua apreciação.

 

JOSE FERNANDO FERREIRA BREGA

Procurador do Município

OAB/SP 173.027

SNJ.G.

De acordo.


VINÍCIUS GOMES DOS SANTOS

Procurador do Município

Chefe da Assessoria Técnica e Jurídica

OAB/SP 221.793

SNJ.G.

 

 

PA 1993-0.035.824-3 

INTERESSADO: CLUBE ESPORTIVO DA PENHA

ASSUNTO: Revisão de concessão de direito real de uso. Proposta de novas contrapartidas sociais, não contempladas no contrato de concessão.

Informação n.° 2594a/2015-SNJ.G

DGPI

Senhor Diretor

Em atenção à consulta formulada (fls. 673), encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Técnica e Jurídica desta Pasta, que acolho, no sentido de que, conforme opinou a Assessoria Jurídico-Consultiva da Procuradoria Geral do Município, são inaplicáveis as obrigações previstas pela Lei n. 14.652/07 às concessões e permissões anteriores, não se mostrando viável a alteração unilateral do contrato de concessão. Dessa sorte, afigura-se possível a modificação consensual do contrato, a exigência das contrapartidas já previstas no termo de concessão e a rescisão justificada por motivo de interesse público, devidamente consideradas e ponderadas, neste último caso, as eventuais consequências de tal ato.

Acompanha pa n° 1979-0.007.376-0.


São Paulo, 25 SET 2015

ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS

Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos

SNJ.G. 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo