processo SEI n° 6021.2025/0028818-6
INTERESSADA: Procuradoria da Fazenda Municipal
ASSUNTO: Informações atualizadas sobre os TCs n. 12764/2023 e 15413/2023, cujo objeto é a extensão dos efeitos da sanção de impedimento ou suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, aplicada com fundamento nas Leis Federais n. 8.666/93 e n. 10.520/2002, em licitações processadas sob a égide da Lei Federal n. 14.133/2021.
Informação n° 493/2025-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Coordenadoria Geral do Consultivo
Senhora Coordenadora Geral
Por meio do presente do presente, a Procuradoria da Fazenda Municipal traz ao conhecimento desta Coordenadoria Geral do Consultivo as informações atualizadas dos expedientes TC n. 12764/2023 e TC n. 15413/2023, os quais tratam, de forma mais específica, da extensão dos efeitos da sanção de impedimento ou suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, aplicada com fundamento nas Leis Federais n. 8.666/93 e n. 10.520/2002, em licitações processadas sob a égide da Lei Federal n. 14.133/2021.
Vale registrar que o primeiro dos expedientes (TC 12764/2023) foi extinto sem julgamento do mérito, pois o certame correspondente foi revogado pela Pasta de origem. De todo modo, foi ali determinada a realização de estudos em autos apartados com o objetivo de revisar a Súmula n. 6 do TCM.
Já no TC 15413/2023, ainda pendente de julgamento pela Corte de Contas, a instrução tem revelado a divergência de entendimentos entre os órgãos fracionários do Tribunal, pois a Auditoria de Controle Externo pugna pela observância da referida súmula, ainda que a licitação seja processada pela Lei Federal 14.133/2021, ao passo que a Assessoria Jurídica de Controle Externo sustenta que essa nova lei atrai para os certames processados sob suas regras o disposto em seu art. 156, § 4°, de modo que as sanções de impedimento de licitar deveriam ter abrangência apenas em relação ao órgão sancionador, ainda que aplicadas com base na Lei Federal 8.666/93.
É o relato do necessário.
Conforme se pode observar, a questão jurídica debatida nos dois expedientes do Tribunal de Contas do Município tem origem em outra controvérsia, que se refere à extensão da sanção contratual prevista no art. 87, III, da Lei Federal n. 8.666/93 e no artigo 7 da Lei Federal n. 10.520/02, correspondente ao suspensão temporária do direito de licitar e contratar com a Administração Pública.
Essa outra controvérsia tem um longo histórico, que merece ser registrado.
Em 2002, por meio do parecer objeto da Ementa n. 10.116 - PGM-AJC, a Procuradoria Geral do Município adotou entendimento no sentido da existência de uma abrangência distinta entre as sanções previstas nos incisos III e IV do art. 87 da Lei Federal n. 8.666/93, de modo que a primeira (suspensão temporária e impedimento) somente alcançaria todos os órgãos do ente que a aplicou e a segunda (inidoneidade) teria abrangência nacional.
Essa orientação foi revista pela Ementa n. 11.607 - PGM.AJC, de 2012, baseada, em especial, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, órgão jurisdicional incumbido de uniformizar a interpretação da legislação federal infraconstitucional. No entendimento desse Tribunal, a penalidade de suspensão temporária de participação em licitação e de impedimento para contratar, assim como ocorre na sanção de inidoneidade, produz efeitos para todos os órgãos e entidades de todos os entes políticos.
A nova ementa deu origem à Orientação Normativa n. 03/12 - PGM, editada nos seguintes termos: "A sanção contratual prevista no inciso III do artigo 87 da Lei Federal n. 8.666/93, tal como as previstas no inciso IV do mesmo artigo e no artigo 1° da Lei federal n° 10.520/02, projeta efeitos para todos os órgãos e entidades de todos os entes federativos".
Tal orientação, outrossim, alinhou-se com a Súmula n. 6, do TCM, acima mencionada, assim redigida: "As penalidades de impedimento e suspensão de licitar ou contratar com a Administração Pública, previstas no inciso III do art. 87 da Lei Federal n. 8.666/93 e no art. 7° da Lei Federal n. 10.520/02, não se restringem à esfera de governo do órgão sancionador, mas projetam efeitos para todos os órgãos e entidades de todos os entes federativos".
Desde então, essa orientação tem sido reiterada pela Procuradoria Geral do Município, sempre que instada a manifestar-se, considerando-se, em especial, a ausência de alteração de entendimento do STJ a respeito do tema. Nesse sentido, vale ressaltar a Informação n. 1.293/2018, na qual foi discutida uma eventual alteração parcial de tal posicionamento jurídico para as penalidades aplicadas com base no art. 7° da Lei Federal n. 10.520/2002 (Lei do Pregão), por não existir manifestação específica da Corte Especial sobre tal artigo de lei. Contudo, em análise a linha jurisprudencial majoritária, não se logrou encontrar distinção alguma na penalidade prevista por esse dispositivo, motivo pelo qual se concluiu pela manutenção integral da referida orientação normativa.
De toda sorte, em que pese o entendimento pacífico do STJ, internalizado no Município de São Paulo, jamais foi possível afirmar que a controvérsia a respeito do alcance das penalidades licitatórias estivesse solucionada, visto que o Tribunal de Contas da União manteve seu entendimento em sentido oposto, segundo o qual "a sanção prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 (suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração) tem aplicação restrita ao órgão ou entidade que a cominou"[1].
Adotando entendimento convergente com o do TCU, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo editou, em 2016, a Súmula n. 51, assim redigida: "A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar (artigo 87, IV da Lei n. 8.666/93) tem seus efeitos jurídicos estendidos a todos os órgãos da Administração Pública, ao passo que, nos casos de impedimento e suspensão de licitar e contratar (artigo 87, III da Lei n. 8.666/93 e artigo 7 da Lei n. 10.520/02), a medida repressiva se restringe à esfera de governo do órgão sancionador" [2].
Apesar de não estar solucionada a polêmica, esta PGM não identificou fundamento para uma nova mudança de entendimento adotado na Orientação Normativa n. 03/12. Eventual revisão se tornou ainda mais sem propósito no cenário atual, em que a legislação federal subjacente foi revogada.
No entanto, com a entrada em vigor da Lei Federal n. 14.133/21, uma nova controvérsia jurídica veio a desafiar tal entendimento, até então pacificado no âmbito da Administração municipal, sendo essa controvérsia referida pela PFM no ofício que inaugura o presente expediente, ao qual foram juntados elementos referentes aos casos em processamento no TCM a respeito.
A nova controvérsia decorre das disposições inseridas no art. 156, §§ 4° e 5° da nova lei:
Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa;
III - impedimento de licitar e contratar;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar. (...)
§ 4° A sanção prevista no inciso III do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos.
§ 5° A sanção prevista no inciso IV do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos VIII, IX, X, XI e XII do caput do art. 155 desta Lei, bem como pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do referido artigo que justifiquem a imposição de penalidade mais grave que a sanção referida no § 4o deste artigo, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos.
Não há dúvida de que a Lei n. 14.133/21 afastou a polêmica havida no regime anterior a respeito do tema, ao dispor explicitamente a respeito do alcance restrito da sanção de impedimento de licitar e contratar (art. 156, § 4°) e do alcance extramuros da sanção de inidoneidade (art. 156, § 5°).
Todavia, embora tal disposição empreste maior segurança jurídica aos procedimentos de licitação e contratos, em especial para as sanções aplicadas com base em certames e contratos regidos pela nova licitação, como indicado pelos casos ilustrados pela PFM, a nova controvérsia jurídica surgida diz respeito à compatibilidade entre o antigo e o novo regime das licitações e contratos no que se refere às sanções aplicadas segundo a legislação revogada, cujos efeitos se projetam em relação às licitações processadas de acordo com a nova lei.
A respeito do tema, esta Coordenadora já se manifestou nos pareceres a que se referem as Informações n. 2.106/2023, 2.492/2023 e 137/2024 - PGM.AJC, podendo-se destacar as seguintes ponderações efetuadas no segundo desses pareceres:
"A questão discutida diz respeito à extensão efeitos da penalidade de suspensão do direito de licitar e contratar aplicada com fulcro na Lei federal n° 8.666/93 (ou na Lei federal n° 10.520/02) sobre os certames municipais processados de acordo com a Lei federal n° 14.133/21.
Este processo já havia sido encaminhado a esta Procuradoria, quando ressaltamos que "a questão objeto de debate foi analisada de forma específica por esta Procuradoria na Informação n° 2.106/2023 - PGM.AJC, mais precisamente no último parágrafo da manifestação" e solicitamos que "após a apreciação final da representação pelo TCM, seja dada ciência do resultado do julgamento a esta Procuradoria, para que seja analisada eventual conveniência de mudança de entendimento por este órgão".
De fato, no parecer referido no parágrafo acima (anexado como doe SEI 092984830), esta Procuradoria tinha assinalado que o fato de a licitação estar sendo conduzida de acordo com a nova legislação (Lei federal n° 14.133/21) não altera o fato de a penalidade ter sido aplicada segundo as Leis n° 10.520/02 e n° 8.666/93, atraindo o respectivo regime jurídico, inclusive quanto à extensão dos efeitos das penalidades. Ou seja, o simples fato do certame municipal ser conduzido de acordo com a nova legislação não seria suficiente para atrair o regime nele previsto no que diz respeito à extensão das penalidades previstas nesse novo regime, já que a penalidade discutida no processo (suspensão do direito de licitar e contratar) foi aplicada por ente federativo diverso com fundamento no regime legal anterior - e, portanto, os efeitos da penalidade seriam aqueles condizentes com o regime anterior.
A d. Assessoria Jurídica de Controle Externo do TCM entendeu de forma diversa, no sentido de que o processamento da licitação de acordo com a nova legislação atrairia o seu regime, mesmo no que diz respeito à penalidade aplicada com base nas Leis n° 10.520/02 e n° 8.666/93, anexando algumas decisões judiciais a respeito, conforme SEI 094012639.
A questão, de fato, é tormentosa, como bem revelam as interpretações divergentes desse órgão e da AJCE do TCM. Embora reiteremos o nosso entendimento, não se pode olvidar que a nova regra da
Lei federal n° 14.133/21 poderá influenciar a interpretação da questão pelo Judiciário, que poderá aplicá-la mesmo para penalidades contratuais aplicadas com fulcro nas Leis n° 10.520/02 e n° 8.666/93.
Acredito que esses são os esclarecimentos que nos parecem pertinentes. Na manifestação anterior da Coordenadoria Geral do Consultivo, havíamos solicitado que nos fosse comunicado o julgamento final da questão pelo TCM, para que pudéssemos avaliar eventual mudança do entendimento manifestado na Informação n° 2.106/2023- PGM.AJC. Isto porque não interessa à Prefeitura adotar interpretação divergente da adotada pelo Tribunal neste assunto, especialmente em matéria controversa, sem jurisprudência consolidada. Ocorre que referido julgamento ainda não ocorreu, sobrevindo apenas nova manifestação da AJCE, de forma que parece prematura avaliação acerca de mudança de entendimento por esta Procuradoria.
Assim, reiteramos pedido de encaminhamento a esse órgão após a apreciação final da matéria pela Corte de Contas" (Informação n° 2.492/2023 - PGM.AJC).
Como se observa, diante da novidade da matéria e da ausência de posicionamentos consolidados em qualquer dos sentidos, adotou-se, por cautela, posição segundo a qual os efeitos das sanções aplicadas sob a égide da Lei Federal n. 8.666/93 devem ser mantidos, ainda que a apenada esteja participando de certame ou contratação abarcado pelo novo regime da Lei Federal 14.133/21, sem prejuízo de revisão oportuna de tal entendimento. Tantas foram as reiterações nesse sentido que acabou por ser editada a Ementa n. 12.344 - PGM.AJC:
"Os efeitos das sanções contratuais são aqueles previstos na lei que fundamentou a aplicação da penalidade, de forma que a sanção de impedimento ou suspensão de licitar e contratar com a Administração Pública possuirá os efeitos previstos na ON n° 03/PGM/2012 se a sua aplicação for fundamentada no regime jurídico das contratações públicas anterior à Lei federal n° 14.133/21, independentemente de tais efeitos atingirem a participação de licitante em um certame municipal processado nos termos da nova lei."
As manifestações anteriores desta Coordenadoria parecem basear-se em uma determinada aplicação do consagrado critério tempus regit actum, de modo que a sanção deve observar a lei que rege o certame ou licitação da qual se originou, não podendo a superveniência de lei diversa ou revogação da lei anterior modificar, via de regra, a sanção antes aplicada.
Nesse sentido, especificamente sobre o tema, também a orientação da Advocacia Geral da União: "o regime jurídico das sanções previstas na Lei n. 14.133, de 2021 não é aplicável aos contratos firmados com base na legislação anterior, nem alterará as sanções já aplicadas ou a serem aplicadas com fundamento na legislação anterior, em respeito à proteção do ato jurídico perfeito" (Orientação Normativa n. 78 da AGU).
Conforme manifestação acima transcrita, esta Assessoria havia sinalizado a possibilidade de modificação da orientação a respeito dessa nova questão caso houvesse consolidação de entendimento diverso no âmbito do TCM, considerando-se prematura, na ocasião, tal providência. Justamente por esse motivo, aliás, é que a PFM procedeu à atualização das informações relativas à matéria, por meio do ofício que gerou o presente expediente.
No entanto, com o devido respeito, parece inevitável afastar esse critério, uma vez que não é provável que se forme um entendimento firme a respeito de uma questão dessa espécie, de caráter marcadamente transitório. Por outro lado, não se vislumbra a hipótese de que ocorram idas e vindas no entendimento sobre o assunto, seja pela transitoriedade da questão, seja pelo fato de que eventual modificação do entendimento implicaria, na prática, a adoção plena e irreversível dos critérios da Lei Federal n. 14.133/21 no tocante às sanções aplicadas, critérios estes que serão adotados em todas as licitações a serem processadas no âmbito da Municipalidade.
Por outro lado, é preciso observar que a controvérsia em questão ultrapassa os contornos meramente doutrinários, interferindo de forma direta na condução dos negócios administrativos. Foi o que ocorreu no caso da Secretaria de Direitos Humanos, tratado no TC n. 12764/2023, no qual a licitação para contratação de serviços de limpeza, asseio e conservação predial foi revogada, bem como, em última análise, até mesmo no caso dos programas municipais, tais como a compra de gêneros alimentícios oriundos da agricultura familiar no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (TC n. 15413/2023).
Por isso, em havendo aspectos a serem analisados em relação à questão, não parece apropriado, salvo melhor juízo, aguardar a definição do TCM a respeito para uma reavaliação a respeito.
Assim, sob perspectiva diversa, cabe revisitar as manifestações desta Coordenadoria Geral para tratar exatamente da extensão dos efeitos da sanção de impedimento ou suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, aplicada com fundamento nas Leis Federais n. 8.666/93 e n. 10.520/2002, em licitações processadas sob a égide da Lei Federal n. 14.133/2021. A leitura atenta de tais manifestações permite notar que aspectos relevantes ainda não foram considerados na análise da questão controvertida.
Entre esses aspectos não está a questão de eventual aplicação retroativa da Lei n. 14.133/21, em vista de um suposto caráter benéfico, que já foi enfrentada por esta Assessoria, em análise que não parece passível de crítica alguma. De fato, ainda que se entenda que, pelo aspecto da abrangência, a Lei n. 14.133/21 seja mais benéfica, o STF entendeu, em sede de repercussão geral (Tema 1.199), que a retroatividade da lei penal mais benéfica está restrita ao ramo do direito penal. Na mesma linha, o STJ proferiu entendimento no sentido de que a penalidade administrativa deve ser estabelecida com base na norma que estava em vigor quando o fato gerador ocorreu, não sendo possível retroagir uma norma sancionadora administrativa posterior sob o pretexto de ser mais benéfica, salvo previsão expressa em sentido contrário [3].
Na verdade, os efeitos da Lei n. 14.133/21, no que diz respeito às sanções aplicadas no regime anterior, cuja aplicação se estende a licitações processadas no atual regime, podem ser analisados sob duas perspectivas distintas, ainda não consideradas no âmbito das análises já efetuadas.
A primeira perspectiva é aquela no sentido de que a nova legislação procurou efetivamente superar as discussões havidas no regime anterior, posicionando-se a respeito de tais matérias. Não se trata, pois, de buscar na nova lei elementos a respeito de questões que estivessem resolvidas no regime revogado, mas de identificar que a lei nova trouxe critérios para a solução de questões em relação às quais a lei anterior era simplesmente omissa.
É evidente, ademais, que, estivesse a questão restrita ao regime anterior, não caberia reavaliar os efeitos de atos precedentes, praticados de acordo com determinada interpretação adotada para o fim de suprir tal omissão. No entanto, há outra peculiaridade na questão ora enfrentada, que se reflete em uma segunda perspectiva de análise, qual seja, o fato de que a interpretação quanto à questão existente no regime anterior traz implicações presentes para as licitações processadas de acordo com a atual Lei Federal n. 14.133/21.
De fato, a análise dos efeitos das sanções na transição dos regimes de licitação e contratos não se esgota apenas com a definição da lei aplicável para a imposição da sanção. Outro aspecto de fundamental importância deve ser observado: as condições de participação na licitação, que são expressamente disciplinadas na nova lei.
Com efeito, o novo regime de licitação e contratos, ao tratar da abrangência das sanções de impedimento e de inidoneidade, não apenas estabeleceu novas regras de intensidade e prazo da sanção, mas criou regra específica de participação do interessado em certames ou contratos regidos pela nova lei, ao dispor:
Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente: (...)
III - pessoa física ou jurídica que se encontre, ao tempo da licitação, impossibilitada de participar da licitação em decorrência de sanção que lhe foi imposta;
Verifica-se, aqui, uma forma distinta de aplicação do cânone interpretativo já mencionado, segundo o qual tempus regit actum. Se a aplicação da sanção deve observar a lei vigente por ocasião de sua imposição, a habilitação em licitação também deve atender a tal critério. Perfeitamente adequado, portanto, que a verificação quanto à aptidão para participar da licitação seja efetuada de acordo com a lei em vigor, sobretudo no tocante a questão que não era expressamente regrada pela legislação anterior.
Convém ressaltar: mesmo que houvesse disposição a respeito na legislação revogada, subsistiriam motivos para a aplicação dos critérios das normas atuais. De fato, sendo vedada pela própria Lei Federal 14.133/21 a combinação entre o antigo e o novo regimes (art. 191, parte final), o alcance do disposto no art. 14, III deve ser buscado na própria lei, que delimitou os efeitos das sanções de impedimento. Assim, os efeitos das sanções, mesmo que aplicadas no regime anterior, não podem ser compreendidos apenas segundo a perspectiva da legislação revogada: trata-se, de fato, de reconhecer que as condições de participação no certame configuram uma cláusula de barreira, que mitiga o princípio da competitividade tão caro nessa seara. Por isso, faz-se apropriado aplicar concretamente tal regra de participação de acordo como o regime em que foi instituída, em especial quando o novo regime amplia as possibilidades de participação e, portanto, amplia a competitividade.
É claro que a licitante apenada com base na Lei Federal n. 8.666/93 sofre os impactos da sanção de acordo com o regime então vigente, o que não é alterado pelo advento da nova lei. Contudo, caso essa licitante pretenda participar de novo certame, processado com base no novo regime, suas condições de participação devem ser avaliadas apenas e tão somente com fundamento nas regras do regime que pretende ingressar.
Não se pode admitir aqui que o regime anterior - sobretudo no que diz respeito aos efeitos das sanções, matéria que jamais foi pacificada em sua vigência - permeie o novo regime, não somente em vista da expressa vedação legal relativa à combinação de regimes (art. 191 parte final), mas também porque isso acarretaria restrição de participação de licitante, observado, no mais, que as regras limitadoras de direitos devem ser objeto de interpretação restritiva.
Vale mencionar, por oportuno, os ensinamentos doutrinários referentes à ampla participação de interessados na licitação como consectário do princípio da isonomia:
"Pode-se dizer que o princípio da isonomia é a gênese da licitação pública. Do princípio da isonomia é possível deduzir que, se não houver uma razão suficiente em sentido contrário, todos os interessados em contrato administrativo gozam do direito de disputá-lo, logo de participar de licitação pública e, a depender do êxito na licitação pública, de ser contratados. Dessa sorte, do princípio da isonomia reconhece-se o direito geral de acesso às licitações e contratos administrativos" [4].
A interpretação das condições de participação de acordo com a nova legislação, inclusive no que diz respeito às sanções anteriores, não poderia, ademais, ser tida como violação a um ato jurídico perfeito, pois, caso adotado esse entendimento, a sanção aplicada não seria modificada. Apenas os seus efeitos, que se protraem no tempo, não poderiam ser entendidos com aptos a "invadir" o novo regime, erigido sob novas premissas.
Assim sendo, considerando os aspectos ora levantados, parece apropriado que se proponha a modificação parcial das manifestações anteriores desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que culminaram com a edição da Ementa n. 12.344 - PGM.AJC, para entender que extensão dos efeitos da sanção de impedimento ou suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, aplicada com fundamento nas Leis Federais n. 8.666/93 e n. 10.520/02, não alcançam as licitações processadas sob a égide da Lei Federal n. 14.133/21, a qual, ao inaugurar um novo regime, estabeleceu regras próprias como condição de participação nos certames e contratos por ela regidos, conforme os artigos 14, III e 156, §§ 4° e 5°, combinado com o art. 191, parte final.
Vale observar, ademais, que, caso acolhida a proposta ora apresentada, seriam mantidas, com plena higidez, as decisões administrativas tomadas com base no entendimento alterado, conforme disposto no art. 24 Decreto-Lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro - LINDB).
Por fim, em caso de acolhimento, sugere seja dada ciência à Procuradoria da Fazenda Municipal para as comunicações pertinentes no âmbito do Tribunal de Contas do Município.
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São Paulo, 16/05/2025.
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
Procurador Assessor Chefe - AJC
OAB/SP 173.02
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processo SEI n° 6021.2025/0028818-6
INTERESSADA: Procuradoria da Fazenda Municipal
ASSUNTO: Informações atualizadas sobre os TCs n. 12764/2023 e 15413/2023, cujo objeto é a extensão dos efeitos da sanção de impedimento ou suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, aplicada com fundamento nas Leis Federais n. 8.666/93 e n. 10.520/2002, em licitações processadas sob a égide da Lei Federal n. 14.133/2021.
Cont. da Informação n° 493/2025-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho-lhe o presente, com a proposta da Assessoria Jurídico Consultiva desta Coordenadoria, que acolho, no sentido da alteração parcial do entendimento contido no parecer objeto da Ementa n. 12.344 - PGM.AJC, para o fim de que se adote orientação no sentido de que a extensão dos efeitos da sanção de impedimento ou suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, aplicada com fundamento nas Leis Federais n. 8.666/93 e n. 10.520/02, não alcançam as licitações processadas sob a égide da Lei Federal n. 14.133/21.
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São Paulo, 19/05/2025.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Coordenadora Geral do Consultivo - CGC
OAB/SP 175.186
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processo SEI n° 6021.2025/0028818-6
INTERESSADA: Procuradoria da Fazenda Municipal
ASSUNTO: Informações atualizadas sobre os TCs n. 12764/2023 e 15413/2023, cujo objeto é a extensão dos efeitos da sanção de impedimento ou suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, aplicada com fundamento nas Leis Federais n. 8.666/93 e n. 10.520/2002, em licitações processadas sob a égide da Lei Federal n. 14.133/2021.
Cont. da Informação n° 492/2025-PGM.AJC
PFM
Senhor Procurador Chefe
Encaminho-lhe o presente, com a proposta da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, para o fim de rever parcialmente o entendimento contido no parecer objeto da Ementa n. 12.344 -PGM.AJC, adotando-se, doravante, orientação no sentido de que a extensão dos efeitos da sanção de impedimento ou suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, aplicada com fundamento nas Leis Federais n. 8.666/93 e n. 10.520/02, não alcançam as licitações processadas sob a égide da Lei Federal n. 14.133/21.
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São Paulo, 16/05/2025.
LUCIANA SANT'ANA NARDI
Procuradora Geral do Município
OAB/SP 173.307
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo