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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.296 de 1 de Setembro de 2021

EMENTA N. 12.296
AMICUS CURIAE. ADI 5.780-STF. LEI FEDERAL N° 13.022/2014 - ESTATUTO GERAL DAS GUARDAS MUNICIPAIS (ART. 5°, INC. VI: POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DAS COMPETÊNCIAS DE TRÂNSITO PELOS GUARDAS MUNICIPAIS). PROPOSTA, DA SMSU, DE INGRESSO NA AÇÃO PARA DEFESA DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI E DO DISPOSTIVO LEGAL MENCIONADO. INGRESSO DO MUNICÍPIO NA AÇÃO PARA DEFESA DA CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA FEDERAL.

Processo nº 6029.2020/0014141-4

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SEGURANÇA URBANA - SMSU

ASSUNTO: Proposta de ingresso do Município na ADI 5.780 (STF) para defesa da constitucionalidade da Lei Federal n° 13.022, de 08/08/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais), em especial do seu art. 5°, inciso VI (exercício das competências de trânsito pelas Guardas Municipais).

Informação n°. 0718/2021-PGM.AJC

PGM/CGC

Senhor Procurador Coordenador

Trata-se de proposta, formulada pela Secretaria Municipal de Segurança Urbana - SMSU, de ingresso do Município como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n° 5780, ajuizada pela Associação Nacional dos Agentes de Trânsito do Brasil - AGTBRASIL perante o Supremo Tribunal Federal, que tem por finalidade declarar a inconstitucionalidade integral da Lei Federal n° 13.022, de 08 de agosto de 2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais), por vício de iniciativa legislativa, ou, ao menos, do seu art. 5°, inc. VI[1], por ofensa ao art. 144, §10[2], da Constituição Federal (doc. 032785703).

O Departamento Judicial - JUD, após indicar que não cabe àquele Departamento a avaliação da conveniência de ingresso como amicus curiae, sugeriu a instrução do presente "com informações a respeito do impacto de eventual declaração de inconstitucionalidade dos artigos tratados naquela ADI, além de elementos que possam auxiliar a Corte Suprema em sua decisão" (033039035).

Com o retorno à SMSU, aquela Pasta providenciou a juntada dos subsídios que entendeu cabíveis ao exame da sua proposta, dentre os quais se destacam (a) a discussão jurídica ao redor da preservação da autonomia dos Municípios, (b) a demonstração da relevância das Guardas Municipais, (c) os relatos de experiências de Guardas Municipais de outros Municípios, especificamente dos Municípios de Votorantim, Jundiaí e Rio de Janeiro, e (d) o resgate de decisão do Supremo Tribunal Federal - STF que confirmou a possibilidade de o Guarda Municipal aplicar multas de trânsito (039206344).

É o relato do essencial.

Como inclusive já apontado neste processo pelo próprio Setor Técnico do Comando da SMSU, já havia sido ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Lei Federal n° 13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Civis).

Trata-se da ADI n° 5.156/STF, ajuizada pela Federação Nacional das Entidades Oficiais Militares Estaduais - FENEME, que, embora tenha sido indeferida liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal (sem apreciação do mérito, portanto, por ter sido reconhecida a ilegitimidade ativa da federação autora, cf. doc. 051177285), já tendo se operado o trânsito em julgado (doc. 051177431), na qual houve o ingresso deste Município, na qualidade de amicus curiae, oportunidade na qual se pugnou pela inconstitucionalidade de todo o diploma legal, por inconstitucionalidade formal, conforme Informação n° 0327/2016-PGM-AJC (doc. 051178636) e Informação n° 0694a/2016-SNJ.G (doc. 051178693).

A petição de ingresso do Município nessa ação precedente encontra-se encartada, por cópia neste processo eletrônico, como doc. 032786191, merecendo transcrição o seguinte trecho:

"8. Neste contexto, não há dúvida de que 'Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei', de acordo com o §8° do artigo 144 da Constituição Federal. Não se olvida, também, a clareza do artigo 30, inciso I, da Carta Magna no sentido de que 'compete aos Município legislar sobre assunto de interesse local'.

9. De fato, o constituinte não atribuiu à União Federal nenhuma competência em relação às guardas municipais, vez que são órgãos facultativos a serem criados pelos Municípios, segundo seu interesse local.

Há, portanto, inconstitucionalidade formal, que vicia o diploma federal.

A "lei" que genericamente se refere o § 8° do art. 144 da Constituição Federal certamente não é uma lei federal, mas leis municipais, hábeis a enfrentar as variações ditadas pelo 'interesse local' que, nos termos do art. 30, inciso I da Constituição Federal, confere aos Municípios a competência legislativa própria."

Todavia, mesmo no precedente citado acima, nunca se cogitou da inconstitucionalidade material da Lei Federal n° 13.022/2014, tão pouco do inciso VI do seu art. 5°, mas, apenas, do vício formal da mesma.

Muito pelo contrário, a simples leitura de outro trecho da petição de ingresso do Município na ADI 5.156-STF permite verificar que foi expressamente ressalvada a constitucionalidade, quanto ao mérito, do referido inciso VI:

"11. Nesse sentido as guardas municipais não foram excluídas da 'segurança pública' definida pelo art. 144 da Constituição Federal, mas tiveram suas atribuições especificadas, de modo a evitar sobreposição e conflitos atributivos com os órgãos policiais federais e estaduais. Às guardas municipais cabem ações de 'segurança urbana', descritas na Lei Maior coo 'proteção de seus bens, serviços e instalações e que exigem, naturalmente, intervenções de complexidade variada, em função das características dos municípios, cuja heterogeneidade é manifesta. Daí a menção à disposição em lei, consentânea, como afirmado, ao disposto no inciso I do art. 30 da Lei Maior.

12. Nessa esteira, a Lei Federal 13.022/2014 descreve atribuições plenamente compatíveis com a Constituição. Os dispositivos merecem avaliação mais atenta, sob tal aspecto:

...

i. Art. 5°, VI exercer as competências de trânsito que lhe forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou, de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal. A inconstitucionalidade deste inciso implicaria a inconstitucionalidade por arrastamento das normas do Código de Trânsito, e não trata de atribuições originárias das guardas, mas daquelas que segundo a referida lei, podem ser delegadas. Também não é atribuição policial descrita na Constituição a atuação no sistema viário municipal. Não há inconstitucionalidade.

...

13. Teme-se que a procedência da ação, além do reconhecimento do vício formal apontado, com a eventual declaração de inconstitucionalidade material dos dispositivos elencados, possa afetar a legislação municipal correlata e prejudicar as imprescindíveis atribuições das guardas municipais, de inegável utilidade social, e que não se sobrepõem nem invadem a competência dos órgãos policiais declinados no art. 144 da Constituição." (grifos e negrito no item "i" pela peticionária).

Do quanto relatado, podemos extrair duas conclusões:

1. É possível o ingresso do Município, na qualidade de "amicus curiae", na ADI 5.780-STF (até porque assim já foi feito no precedente, a ADI 5.156-STF, que tinha por objeto a mesma lei, como visto acima); e

2. Nunca este Município cogitou a inconstitucionalidade material da Lei Federal 13.022/2014, inclusive do citado inciso VI do art. 5°, que é o objeto da consulta ora formulada por SMSU, tendo sido arguida tão somente a inconstitucionalidade formal da mesma, por suposta usurpação de competência municipal.

E, quanto a este tópico - inconstitucionalidade formal da Lei Federal n° 13.022/2014 - ousamos divergir do posicionamento anteriormente externado por esta Procuradoria Geral.

Na verdade, não se trata propriamente de uma divergência, mas, salvo melhor juízo, de um amadurecimento sobre o entendimento da questão, com a devida vênia.

E isso é intrínseco a todo o processo dialético: o direito se modifica durante o decorrer do tempo. Ou, segundo a teoria tridimensional do direito, do Professor Miguel Reale, "O direito é uma integração normativa de fatos segundo valores" (Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Saraiva, 1994, p. 97). E prossegue afirmando que "Direito não é só norma, como quer Kelsen. Direito não é só fato como rezam os Marxistas, ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito é ao mesmo tempo norma, fato e valor" (op. cit., p. 119), só podendo ser entendido na visão conjunta desses três fatores científico-positivo, sociológico e filosófico.

Portanto, é natural que o direito - e, consequentemente, a sua interpretação - mude com o tempo, com a evolução da sociedade. A própria manifestação precedente desta Municipalidade, acima mencionada e encartada como doc. 051178693, ao se referir a diversos outros precedentes sobre o tema, bem demonstra essa dinamicidade (e aproveitamos para colacionar ao presente a Ementa n° 9.948 e a Informação n° 1460/2004-PGM.AJC, ambas desta Assessoria Jurídico-Consultiva, trazem também esse relato das manifestações atinentes à competência da Guarda Civil no decorrer do tempo - docs. 051187801 e 051187948, respectivamente).

E, considerando as mudanças que vêm sofrendo as guardas municipais ao longo do tempo, se mostrou necessária uma melhor delimitação das suas atribuições, mitigando-se os possíveis conflitos de competência com os demais órgãos que exercem a segurança pública, de forma que o Governo Federal editou a Lei Federal n° 13.022/2014 - o Estatuto Geral das Guardas Municipais.

Assim, se analisarmos com mais vagar o quanto disposto nesse Estatuto Geral das Guardas Municipais, vemos que, de fato, se trata de uma norma geral - tanto que constou da petição do Município, encartada como doc. 032786191, que ficava expressamente refutada a inconstitucionalidade material da norma federal, já que não foi atribuído às guardas municipais o poder de polícia ostensiva - restando apenas o argumento, para sustentar a sua inconstitucionalidade formal, que o "conforme dispuser a lei", mencionado no § 8° do art. 144 da Constituição Federal, seria uma lei municipal.

E é exatamente nesse ponto que vislumbramos um novo olhar em relação aos posicionamentos anteriores desta Procuradoria Geral.

Assim dispõe o art. 144, § 8°, da Constituição Federal:

"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

...

§ 8° Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei."

De fato, lei federal alguma poderia determinar a constituição de guardas municipais, de forma obrigatória, por todos os Municípios, diante do quanto disposto na primeira parte desse § 8° do art. 144 - "Os Municípios poderão constituir guardas municipais" (grifos nossos), bem como diante do quanto previsto no art. 30, inciso I, da Carta Magna:

"Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;"

Violaria frontalmente a autonomia dos Municípios, prevista e protegida constitucionalmente, qualquer norma federal que visassem a obrigar os Municípios a implantarem guardas municipais.

Todavia, não foi isso que a Lei Federal ora em comento fez: ela simplesmente delimitou os limites máximos das atribuições das guardas municipais, quando se deliberar pela sua implantação, ressalvando, de forma clara, as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal quanto ao tema da segurança urbana, tendo regulamentado, portanto, apenas a segunda parte do § 8° do art. 144 da Constituição Federal: "...conforme dispuser a lei".

Assim, quer nos parecer se tratar, de fato, de uma lei geral e que não viola a autonomia municipal.

E o tema é absolutamente relevante, tanto que, conforme demonstra a tela de andamento retro anexada como doc. 051114758, o Supremo Tribunal Federal tem aceitado praticamente todos os pedidos de ingresso, na qualidade de "amicus curiae", nessa ADI 5.780, ainda não julgada.

Diante do exposto, proponho a alteração do entendimento anterior da Administração, defendido quando do ingresso na ADI 5.156-STF (doc. 032786191), com o ingresso do Município, na qualidade de "amicus curiae", na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.780-STF, para a defesa da constitucionalidade do Estatuto Geral das Guardas Municipais.

Na sequência, caso acolhida a proposta ora formulada, deverá o presente ser encaminhado a JUD, para elaboração da petição de ingresso no feito, e, após, à Secretaria Municipal de Segurança Urbana, para ciência.

À elevada consideração.

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São Paulo, 01/09/2021

LILIAN DAL MOLIN SCIASCIO

Procuradora Assessora - AJC

OAB/SP n° 179.960

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De acordo.

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São Paulo, 01/09/2021

MÁRCIA HALLAGE VARELLA GUIMARÃES

Procuradora Assessora Chefe - AJC

OAB/SP 98.817

PGM

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[1] "Art. 5° São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:

...

VI - exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos da Lei n° 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal;" (g.n.)

[2] "Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

...

§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: (Incluído pela Emenda Constitucional n° 82, de 2014)

I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e (Incluído pela Emenda Constitucional n° 82, de 2014)

II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional n° 82, de 2014)" (g.n.)

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Processo nº 6029.2020/0014141-4

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SEGURANÇA URBANA - SMSU

ASSUNTO: Proposta de ingresso do Município na ADI 5.780 (STF) para defesa da constitucionalidade da Lei Federal n° 13.022, de 08/08/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais), em especial do seu art. 5°, inciso VI (exercício das competências de trânsito pelas Guardas Municipais).

Informação n°. 0718/2021-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhora Procuradora Geral

Encaminho-lhe o parecer da Assessoria Jurídico-Consultiva da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, e opino pelo ingresso do Município, na qualidade de "amicus curiae", na ADI 5.780 (STF) para defesa da constitucionalidade da Lei Federal n° 13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais).

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São Paulo, 01/09/2021

CAYO CÉSAR CARLUCCI COELHO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 168.127

PGM

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Processo nº 6029.2020/0014141-4

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SEGURANÇA URBANA - SMSU

ASSUNTO: Proposta de ingresso do Município na ADI 5.780 (STF) para defesa da constitucionalidade da Lei Federal n° 13.022, de 08/08/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais), em especial do seu art. 5°, inciso VI (exercício das competências de trânsito pelas Guardas Municipais).

Informação n°. 0718/2021-PGM.AJC

PGM/JUD

SENHOR PROCURADOR CHEFE DE PROCURADORIA

Nos termos da análise da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral, que acolho, restituo o presente para ingresso do Município, na qualidade de "amicus curiae", na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.780, do Supremo Tribunal Federal, para defesa da constitucionalidade da Lei Federal n° 13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais).

 

SMSU

SENHORA SECRETÁRIA

Para ciência da deliberação acima.

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São Paulo, 01/09/2021

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo