CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.241 de 23 de Dezembro de 2020

EMENTA N. 12.241
Loteamento aprovado antes da vigência do Decreto-Lei n. 58/37. Aquisição do domínio público por força da afetação. Impossibilidade de sustentar o domínio apenas com base em situação projetada constante da planta de loteamento. Necessidade de dar prosseguimento a tratativas propostas pela interessada.

Processo nº 2015-0.248.829-5

INTERESSADO: Porte Construtora Ltda.

ASSUNTO: Retificação de área.

Informação n. 1422/2020 - PGM-AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

O presente foi instaurado para acompanhar pedido de retificação de área e unificação das matrículas 85.205, 238.202, 153.572, 115.090, 124.898, 124.311, 125.312, 125.313, 125.314, 125.315. 140.793 e 33.874, todas do 9º Cartório de Registro de Imóveis.

Na instrução efetuada, havia sido considerada a possibilidade de interferência dos imóveis retificandos com área municipal (fls. 267/268). No entanto, em seguida, sobreveio a informação de que o procedimento havia sido cancelado (fls. 269). Não obstante, DEMAP deu seguimento aos estudos para apurar eventual invasão de próprios municipais, analisando a situação das áreas demarcadas em verde e rosa no estudo de sobreposição efetuado (fls. 267).

DEMAP-11 entendeu que não haveria elementos para sustentar a incorporação da área em rosa ao patrimônio municipal, que foi prevista como jardim interno em projeto edilício aprovado e era abrangida pela Matrícula n. 33.874, do 9º Registro de Imóveis, com origem em usucapião, não podendo o levantamento GEGRAN constituir elemento exclusivo para a apuração do domínio público (fls. 349/352).

A Diretoria de DEMAP, por sua vez, entendeu que se trata de loteamento anterior ao Decreto-Lei n. 58/37, de modo que não seria possível sustentar a aquisição do domínio público por atos meramente formais, mas pela efetiva afetação. No tocante à área rosa, portanto, endossou-se o entendimento de DEMAP-11, enfatizando-se que a situação retratada no levantamento GEGRAN ficou isolada diante dos outros elementos constantes dos autos. Por outro lado, em relação à área verde, a Diretoria entendeu que há discrepâncias entre os levantamentos GEGRAN e MDC e o loteamento não foi implantado exatamente de acordo com o projetado. Assim, em relação a essa área não seria possível utilizar o plano de arruamento para a definição do domínio municipal, que deveria ser apurando segunda a efetiva implantação (fls. 464/473).

No entanto, posteriormente foi identificado que os lotes em questão foram unificados, em outro procedimento registrário, para o qual a Municipalidade não foi notificada (fls. 493/517).

A interessada apresentou levantamento do imóvel, afirmando ter identificado seu perímetro de modo a eliminar todas as interferências alegadas. Submeteu o resultado de seu trabalho à avaliação de DEMAP e propôs a realização de reunião de trabalho para os esclarecimentos necessários (fls. 485).

DEMAP-3 efetuou novo estudo de sobreposição (fls. 543/544). Além disso, comparou as áreas constantes das matrículas originais e as áreas apuradas lote a lote no primeiro procedimento e retificação, assim como entre a soma das áreas das matrículas originais, da área total apurada no primeiro procedimento e da área total apurada no segundo procedimento, que se encontra retratada na matrícula atual (fls. 550).

É o relatório.

Parece apropriado analisar o caso tendo como referência as duas descrições apresentadas em cada um dos procedimentos registrários: o primeiro, que ensejou a análise por parte da Diretoria de DEMAP (fls. 464;473), mas que foi objeto de cancelamento, e o segundo, feito à revelia da Municipalidade, mas que produziu efeitos, tendo sido o responsável pela atual situação registrária do imóvel.

No tocante à situação do primeiro procedimento, parece assistir razão à Diretoria de DEMAP, uma vez que é preciso levar em conta as peculiaridades da aquisição do domínio de logradouros previstos em plantas de loteamento anteriores ao regime do Decreto-Lei n. 58/37. De fato, foi tal ato normativo que trouxe para o ordenamento jurídico nacional a possibilidade de transferência de imóveis ao Poder Público por força de atos formais como a inscrição e a aprovação do parcelamento, gerando uma propriedade resolúvel que pode tornar-se plena, em seguida, com a implantação do logradouro (Ementa n. 11.773 - PGM-AJC).

Antes da vigência do Decreto-Lei n. 58/37, contudo, não havia base jurídica anterior que pudesse sustentar a aquisição do domínio por meio de tais atos meramente formais. Por isso, a aquisição das áreas correspondentes aos logradouros dependia, em síntese, da afetação de tais espaços, como decorrência do chamado concurso voluntário, conforme brilhante estudo de antigo integrante da advocacia pública paulistana1.

Assim, a simples aprovação do loteamento, no regime anterior ao Decreto n. 58/37, não podia ensejar sua transferência ao domínio público, mas somente a efetiva abertura dos logradouros e oferecimento destes, já abertos, à aceitação da Municipalidade. Isso tudo exige uma demonstração de elementos fáticos pertinentes à abertura e ao oferecimento dos logradouros, o que não se dá no caso dos loteamentos aprovados no regime posterior a 1937. Não basta, pois, o ato formal de aprovação; é necessária a averiguação dos aspectos negociais envolvidos, o que somente pode ocorrer mediante a análise dos elementos probatórios pertinentes.

Sem embargo, é preciso notar que consta terem sido os logradouros do loteamento em questão objeto de doação à Municipalidade (fls. 395). No entanto, no regime da Consolidação do Código Arthur Saboya, a doação de leitos dos logradouros não podia ter efeitos autônomos, à margem da efetivação do arruamento. Embora a doação dos logradouros fosse exigida para a própria expedição do alvará de aprovação, tal negócio jurídico ficaria condicionado ao recebimento oficial da rua (art. 746, § 1º). Tal preceito, de uma parte, fixava a origem dominial das vias que viessem a ser abertas, afastando a possibilidade de qualquer reclamo por parte do particular, que já concordava, desde logo, com a incorporação de tais espaços ao patrimônio público; de outra parte, afastava a possibilidade de que a Urbe recebesse em doação tais áreas apenas para fins de acréscimo patrimonial, e não para compor o resultado do parcelamento do solo, pois o negócio jurídico não produzia efeitos caso as vias não viessem a ser recebidas e oficializadas. Seria o caso, por exemplo, do arruamento apenas aprovado e que acabou por não ser executado pelo interessado, ou mesmo do arruamento que, implantado de modo imperfeito ou incompleto, não tenha levado à existência de vias executadas nas áreas que integraram a doação primitiva (Informação n. 2842/2014 - SNJ-G).

No caso presente, não foi resgatado nenhum elemento relativo ao recebimento do logradouro envolvido, que corresponde à Praça Barão de Itaqui, anteriormente denominada Praça Lusitana (redenominada pelo Decreto n. 4635/60), não constando ter ocorrido o aceite do loteamento (fls. 400). Tampouco há informação quanto à oficialização do logradouro e, sobretudo, quanto aos termos em que ela teria ocorrido.

De outra parte, a implantação da praça, nesse trecho, não foi contemporânea ao parcelamento do solo (cf. levantamento VASP, fls. 277/278). Na verdade, identifica-se uma significativa mudança nas características da praça na implantação, sobretudo quanto ao posicionamento das vias envolvidas. Assim é que, no plano do parcelamento, os lotes confrontavam diretamente com um trecho ajardinado e um passeio, ao passo que, na situação implantada, os lotes passaram a confrontar diretamente apenas com o passeio e com a via destinada ao tráfego de veículos.

De todo modo, não consta ter havido uma espécie de ato de fixação do alinhamento no local. Em tese, a Municipalidade poderia ter imposto a observância do plano de arruamento, mas isso não ocorreu. O logradouro foi simplesmente implantado, com um alinhamento fisicamente irregular, passível de ser identificado no MDC e nas fotos existentes para o local. Houve, sem dúvida, uma oferta segundo a planta aprovada, mas ela não se consumou segundo aquelas características, e sim de acordo com a configuração retratada no MDC.

Tivesse havido uma vistoria, seria possível exigir que se mantivesse a configuração nela retratada. Não sendo esse o caso, a observância dos alinhamentos retratados no MDC parece ser a única referência para a aferição da preservação dos próprios municipais. Com efeito, caberia à Municipalidade comprovar uma afetação distinta - que indicasse uma invasão superveniente a uma implantação anterior -, o que não parece possível em função dos elementos colhidos.

Na planta apresentada no primeiro procedimento de retificação, que gerou o estudo de sobreposição de fls. 267, houve a descrição, como área privada, de modo compatível com o MDC, do trecho indicado em rosa no mesmo estudo de sobreposição, área que havia sido objeto de usucapião no passado e que fez parte, como área privada, de projeto edilício aprovado para o local.

De modo compatível com a decisão de usucapião, a requerente excluiu da descrição a área situada defronte o segmento definido pelos pontos 11 e 12 (entre os tais pontos e o ponto 55), que se mostrava ajardinada no local, mas era considerada pelo levantamento constante do MDC como interna ao alinhamento. No mais, os trechos indicados em verde no estudo de fls. 267 efetivamente não estavam ocupados por logradouro, segundo o levantamento MDC, não havendo notícia de que tenham sido no passado afetados ao uso comum.

Assim, a planta apresentada nesse primeiro procedimento de retificação poderia ser prestigiada como um levantamento representativo do que existia, justamente por ser compatível com o levantamento constante do MDC, tornando inviável sustentar a existência de interferência com próprios municipais, na linha da manifestação da Diretoria de DEMAP (fls. 464/473).

No entanto, o fato é que essa descrição já não apresenta relevância jurídica alguma, uma vez que o procedimento registrário foi cancelado. Por outro lado, foi instaurado outro procedimento, no qual sobreveio a descrição constante da Matrícula n. 282.742, de 9º Cartório de Registro de Imóveis (fls. 493/498 e 517). Em relação a essa descrição é que deve ser analisada a questão relativa à existência de interferência com próprios municipais, o que, dadas das diferenças identificadas, poderia recomendar providências para anulação do segundo procedimento de retificação, para o qual ao Municipalidade não foi notificada.

Não obstante, o fato é que a empresa proprietária manifestou o propósito de "eliminar todas as interferências alegadas", solicitando análise por parte de DEMAP para a apresentação de uma nova descrição (fls. 485).

É evidente que um entendimento com a requerente, com a exclusão das áreas de interferência, parece constituir uma solução preferível à tomada de providências para a anulação do segundo procedimento de retificação. Assim sendo, preliminarmente à avaliação quanto a tais providências, DEMAP deverá dar prosseguimento aos entendimentos com a proprietária, no sentido de afastar as interferências identificadas com próprios municipais, podendo o Departamento valer-se, em tais tratativas, das conclusões aqui alcançadas, caso venham a ser acolhidas.

Assim sendo, sugere-se o retorno do presente a DEMAP, para prosseguimento, nos termos acima expostos.

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São Paulo, 23/12/2020.

JOSE FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 30/12/2020.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

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1 São as palavras do autor: "A lição de Hely Lopes Meirelles é corretíssima, no considerar que a incorporação se dá por ato administrativo da autoridade municipal, afetando os bens ao uso comum. Há, entre a sua e a nossa opinião, absoluta identidade na solução, divergindo elas, todavia quanto ao ato administrativo que opera a afetação. Para o eminente municipalista, tal ato é o da aprovação do plano de loteamento, enquanto que para nós, e com vistas exclusivas à legislação paulistana, a afetação só se dá com a aceitação, expressa ou tácita, dos logradouros; vale dizer, para nós é necessário o fato do loteamento como pressuposto da incorporação. Quando o particular elabora o seu plano de arruamento e loteamento, e o submete à aprovação administrativa, êle começa de desencadear um processo de formação contratual: o poder público, examinando o plano apresentado, poderá introduzir modificações, ou o particular terá de elaborar o seu plano partindo de diretrizes dadas pela administração. Poderá o particular não se conformar com as modificações introduzidas, e, embora de posse de alvará de arruamento, não usará do seu direito. Interromperá o processo de convolação de particulares para públicas, quanto às vias de comunicação desenhadas. Se a mera aprovação do plano importasse na afetação e incorporação, o particular, embora não começasse de arruar e lotear, já não poderia utilizar-se, privativamente, e para seu exclusivo proveito das áreas destinadas ao uso público no plano, bem como, no caso de alienação global da área arruanda, já não venderia segundo a descrição do seu título, mas segundo a que decorresse do nôvo estado, isto é, só poderia vender as quadras. Da mesma forma, a municipalidade, se o particular não abrisse as vias públicas, poderia executar o arruamento, sem indenizar o proprietário, compelindo-o, assim, a uma ação na qual é o nosso pensar -êle ainda não se teria engajado inapelàvelmente. O raciocínio de Hely Lopes Meirelles é rigoroso, pelo que êle considera necessário uma revogação do ato de aprovação, revogação essa que a administração poderá deferir ou não. Mas o sistema legal vigente no Município de São Paulo não é assim: prevê-se prazo de caducidade para as licenças de arruamento (Código de Obras, art. 727). Esgotado o prazo, exaure-se a autorização administrativa. Assim, pois, e segundo a legislação paulistana, só com a execução do arruamento, com o fato do loteamento, e com a aceitação pela Municipalidade, que é a afetação, e ato operativo da incorporação, é que o bem convola de particular em público. E só após a execução do arruamento e afetação dos logradouros é que a Municipalidade comunicará ao Registro de Imóveis competente quais os que foram entregues ao trânsito público, em obediência ao art. 772 do Código de Obras. Essa comunicação - que caiu em desuso - não tem efeitos quanto à incorporação em si mas é medida de cautela que visa a terceiros" (Motta, Eduardo Vianna. Bens de uso comum do povo. Natureza jurídica da relação entre eles e a pessoa de direito público. Modos de aquisição. Artigos publicados na Revista dos Tribunais, n. 332 a 340, de junho de 1963 a fevereiro 1964, disponíveis, em texto consolidado, na Revista dos Tribunais on Line, de cuja página 40 foi extraído o excerto ora transcrito).

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Processo nº 2015-0.248.829-5

INTERESSADO: Porte Construtora Ltda.

ASSUNTO: Retificação de área.

Cont. da Informação n. 1422/2020 - PGM.AJC

PGM

Senhora Procuradora Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que, considerada a ausência de interferência com próprios municipais segundo a primeira descrição apresentada pela requerente, no procedimento que acabou por ser cancelado, poderá ser dado prosseguimento às tratativas por ela propostas no sentido de uma solução consensual para o caso.

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São Paulo, 17/02/2021.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo nº 2015-0.248.829-5

INTERESSADO: Porte Construtora Ltda.

ASSUNTO: Retificação de área.

Cont. da Informação n. 1422/2020 - PGM.AJC

DEMAP

Senhor Diretor

Nos termos da proposta da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, encaminho-lhe o presente, para que seja dado prosseguimento às tratativas propostas pela interessada.

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São Paulo,    /    /

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo