CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.219 de 1 de Março de 2021

EMENTA N° 12.219
(I) O procedimento para autocomposição de controvérsias entre órgãos e/ou entidades da Administração Pública municipal, realizado pela Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal, da Procuradoria Geral do Município, inclui a matéria de natureza tributária;
(II) Caso frustrada a autocomposição da controvérsia, seja pela recusa de uma das partes em participar do procedimento, seja pela falta de consenso entre as partes envolvidas, a questão poderá ser arbitrada, nos termos do art. 2°, inciso IV, da Lei municipal n° 324/2020.

processo nº 6021.2019/0037788-9

INTERESSADO: SP-TRANS e SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA

ASSUNTO: Pedido de submissão de controvérsia à Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal. Restituição de indébito tributário. Autocomposição prejudicada devido à recusa de SF em participar. Alegações quanto à impossibilidade de conciliação em matéria tributária já afastadas na Informação n° 7/2017-PGM.AJC. Encaminhamento para arbitramento. Interpretação do art. 28, inc. II, do Decreto n° 58.414/18.

Informação n° 1.215/2020-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Coordenadoria Geral do Consultivo

Senhor Coordenador Geral

Preliminarmente, informamos que este expediente tramitava em meio físico (PA n° 2018-9.058.753-9) e foi digitalizado (doc. SEI n° 020312493), passando a tramitar por meio do sistema eletrônico.

Trata-se de pedido de submissão de controvérsia de natureza tributária à Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal, formulado pela SP-Trans - empresa integrante da Administração Indireta. Alega, a empresa municipal, que quando da contratação de serviços de auxílio alimentação para funcionários, recolheu indevidamente o ISS sobre as faturas apresentadas. Aduz que as faturas se referiam a créditos efetivados nos cartões dos funcionários para alimentação e que o ISS apenas incidiria sobre a taxa de gerenciamento - que, no caso em questão, era negativa. Por tal motivo, pleiteou administrativamente a repetição do indébito tributário, tendo o pedido indeferido, por decisão que se tornou irrecorrível na esfera administrativa (em função do escoamento do prazo para recurso ao conselho de contribuintes).

Diante do pleito de submissão do conflito à Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal - prevista como condição necessária para a propositura de ação judicial de entidades municipais em face do Município, e vice-versa -, encaminhamos o expediente à SF, para indicação de representantes, nos termos do art. 2°, inc. II, 'c', da Portaria 26/2016-PGM.

A Secretaria de Finanças manifestou-se às fls. 31/33, no sentido de que: (i) diante da falta de interposição de recurso ao conselho de contribuintes, encerrou-se a instância administrativa, nos termos do art. 27, II, da Lei municipal n° 14.107/05; (ii) considerando o caráter indisponível do crédito tributário, estes não poderiam ser submetidos a meios autocompositivos; (iii) o encerramento da esfera administrativa ocorreu antes da criação da Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal.

Como a questão quanto à possibilidade de conciliação em matéria tributária já havia sido analisada pela Procuradoria Geral na Informação n° 7/2017-PGM.AJC (fls. 36/41 do processo digitalizado), conclusiva no sentido da inexistência de óbices jurídicos para autocomposição em matéria tributária, reenviamos o processo à SF, que reiterou a não intenção em participar do procedimento de mediação (fls. 48).

Diante da frustração do procedimento autocompositivo, pela recusa de uma das partes em participar, a SP-Trans requereu o arbitramento da disputa, nos termos do art. 14, inc. XIX, do Decreto n° 57.263/16 (questão depois regida pelo art. 28, inc. II, do Decreto n° 58.414/18, e pelo art. 2°, inc. IV, da Lei municipal n° 17.324/2020), cf. fls. 54/58. A Procuradoria Geral, então, encaminhou o processo à SF, para oportunizar manifestação a respeito do mérito da controvérsia (fls. 59/62).

SF/SUREM/DEJUG, por sua vez, recusou-se a se manifestar sobre o mérito da controvérsia, reiterando entendimento quanto à impossibilidade de mediação em matéria tributária, aduzindo, ainda, a incompetência de SMJ para arbitrar a controvérsia em questão. (fls. 66/69). A manifestação foi endossada por SUREM (fls. 70).

A chefia de gabinete de SF devolveu o expediente à SUREM para colocações sobre o mérito da controvérsia, considerando que a questão envolvendo a possibilidade jurídica de conciliação em matéria tributária já havia sido decidida pela Procuradoria Geral, cujos entendimentos jurídicos vinculam a Administração Pública, nos termos do art. 6° do Decreto n° 57.263/16 (fls. 73).

SF/SUREM/DEJUG, às fls. 75/77, reiterou, basicamente, os apontamentos de fls. 66/69, recusando-se a se manifestar sobre o mérito do conflito. A manifestação foi novamente endossada por SUREM (FLS. 78). O expediente nos foi então devolvido pelo Sr. Secretário, cf. fls. 83, reiterando "a total ausência de interesse desta Pasta na autocomposição".

Digitalizamos o processo, que passa a tramitar como doc. SEI 020312493, e solicitamos manifestação de FISC a respeito do mérito da controvérsia. O Departamento Fiscal manifestou-se no SEI 033185490, no seguinte sentido:

"Quanto ao mérito da tributação, indaguei à unidade competente para as ações ordinárias de ISS e obtive a informação de que o tema não possui precedentes idênticos. Todavia, todos concordam que o assunto guarda grande semelhança com o mérito das demandas que discutem o "desconto condicionado", fenômeno jurídico no qual as instituições financeiras diminuem ou anulam o preço oficial do serviço prestado na hipótese de o tomador possuir determinadas condições (em regra investimentos junto ao tomador).

A semelhança, de fato, é válida para apontar, igualmente, que a tributação não pode limitar-se à camada superficial dos atos formais celebrados entre prestador e tomador do serviço. Tanto nos casos de "desconto condicionado", como na hipótese ora em análise, a mera leitura do instrumento contratual - que aponta para o preço do serviço com valor reduzido ou "zerado"- não pode, jamais, vincular o ente tributante, como quer convencer a empresa requerente no presente expediente. Se assim fosse, a tributação estaria condenada a nunca refletir a verdade contratual e econômica, reais circunstâncias que autorizam e legitimam a percepção (e dimensão) do fato tributário imponível, ficando refém da criatividade redacional dos particulares, que poderiam, por meio de cláusulas entre si acertadas, prejudicar um, ou todos, os elementos da regra matriz de incidência tributária.

(... )

No caso concreto, parece bastante claro que há uma prestação de serviços e, igualmente, que o serviço prestado é expressamente listado na Lei 13.701/2003 (item 17.11). Assim sendo, verifica-se, a princípio, competência do ente paulistano para tributar a operação e existente fato gerador a justificar a incidência. O preço do serviço, base de cálculo do imposto, é o elemento mais complexo do fenômeno tributário analisado, em virtude da disposição contratual que não prevê pagamento por parte do tomador. Contudo, referida circunstância, como já dito, de modo algum pode representar barreira para que a tributação ocorra, se verificado, como parece ser o caso, que há onerosidade, uma vez que ambas partes obtêm vantagens com o negócio jurídico.

É bem verdade que há dúvida quanto ao montante da base de cálculo, uma vez que o recolhimento se deu, aparentemente, pelo valor total dos créditos entre as partes. Todavia, nas considerações adiante feitas, parece-me que o tema teve esgotada a possibilidade de ser levado a discussão, administrativa ou judicialmente."

Em seguida, FISC abordou questões como a eventual prescrição do pleito da empresa municipal e a sua suposta ilegitimidade para requerer, em juízo, a repetição do suposto indébito tributário. Os pontos serão desenvolvidos quando tratarmos da questão de fundo controvérsia.

Derradeiramente, solicitamos que SF se manifestasse, abstratamente, a respeito de como efetua a tributação de serviços relativos aos cartões alimentação, em especial da base de cálculo do ISS em tais casos (se engloba, ou não, o valor repassado aos funcionários pela empresa e depositado nos cartões).

SF/SUREM/DEJUG anexou duas respostas a consultas pretéritas, formuladas por empresas a respeito da questão, concluindo, com base nestas, que:

"O artigo 14 da Lei n° 13.701, de 2003, determina que a base de cálculo do imposto é o preço do serviço, como tal considerada a receita bruta a ele correspondente, sem nenhuma dedução. Os valores que transitam pela conta da prestadora dos serviços, recebidos dos tomadores e repassados para os fornecedores de alimentação, não compõem o preço do serviço.

Portanto, nos termos da indagação apresentada, tributa-se apenas o valor referente à taxa de administração eventualmente cobrada, pela administradora, da empresa contratante do serviço."

A manifestação foi endossada pelas instâncias superiores e encaminhada a esta Procuradoria.

É o relato do necessário.

Duas questões merecem ser enfrentadas neste parecer. Preliminarmente, a viabilidade de mediação e arbitramento em matérias tributárias. Em segundo, a matéria de fundo, objeto da controvérsia, para fins de eventual arbitramento pela autoridade competente.

I - Sobre a viabilidade de mediação e arbitramento em matéria tributária

Quanto à primeira questão, esta Procuradoria já havia se manifestado a respeito da possibilidade jurídica de conciliação entre entes da Administração Pública municipal, em matéria tributária, na Informação n° 7/2017-PGM.AJC. Cremos adequado reproduzi-la nesta manifestação:

"O objetivo da Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal é o de criar um fórum para solução de controvérsias entre entidades integrantes da Administração direta e indireta do Município, direcionando tais controvérsias para canais autocompositivos, ao invés de direcioná-los diretamente para o Judiciário.

Bem se sabe as vantagens de construção de consensos em ambientes administrados pelos próprios interessados, vis-à-vis a delegação a uma autoridade superior (o juiz) do poder para dirimir a controvérsia, após um processo consideravelmente rígido (como é o processo judicial). Para além de evitar custos com taxas judiciárias e honorários advocatícios, que podem chegar a valores consideráveis, a opção autocompositiva evita custos indiretos, como os recursos humanos e materiais empregados para litigar em juízo. Ademais, o emprego de métodos autocompositivos tende a alcançar soluções melhores para ambas as partes do que o método judicial, eis que, por ser consensual, cuida-se de uma decisão acordada pelas partes.

Não nos parece que o emprego de mecanismos autocompositivos seja impossível tratando-se de matéria tributária. Ele, de fato, é mais restrito, considerando a quantidade e intensidade da carga legislativa que recai sobre a atividade tributária, o que acaba por diminuir as possibilidades de acordo - afinal, quanto mais uma atividade é normatízada, menor a liberdade para decidir. Isso não significa que inexista margem de discricionariedade na atividade tributária, como qualquer pessoa há de convir. Fosse assim, não seriam tantas as controvérsias nesta matéria.

A alta normatízação nessa esfera conduz a resultados contraproducentes. De um giro ela visa conferir maior segurança jurídica. Porém, cada nova norma que se sobrepõe à atividade está sujeita a diferentes interpretações, de forma que a segurança não provém diretamente da lei, mas dos processos institucionais disponíveis que conduzem à consolidação de entendimentos. Sob esta ótica, a Câmara de Solução de Conflitos da Administração Pública é mais um canal institucional de diálogo, ainda que específico para entidades municipais.

De mais a mais, a autocomposição de conflitos não significa, necessariamente, a realização de concessões recíprocas. Uma das partes interessadas, diante de esclarecimentos, de novos elementos, ou mesmo da percepção de equívoco pretérito, pode abrir mão da sua pretensão e concordar com a outra. Tomemos o exemplo do próprio caso submetído à análise: a SP-Turis entende que o recolhimento de ISS foi indevido, razão pela qual pediu a repetíção do indébito. A Secretaria de Finanças pode reconhecer o direito da empresa municipal e anuir com o pedido. Neste caso, longe de estar dispondo do tributo ou atuando à margem da lei, a Secretaria estaria dando cumprimento à legislação material.

Não cremos que o procedimento administrativo tributário delineado pela Lei municipal n° 14.107/05 obste a possibilidade de anulação ex officio de atos viciados pela Administração, para evitar prejuízos maiores no futuro (na eventualidade de resolução judicial da demanda). O procedimento, com a possibilidade de recurso ao Conselho de Contribuintes, cria canais institucionais administrativos para que as pessoas possam manifestar sua discordância em relação à atividade tributária, gerando uma preclusão para os interessados em geral (frise-se: para os particulares, e não para a Administração) demandarem nova revisão - o que é necessário, pois caso contrário o procedimento nunca teria fim.

Isso, contudo, não impede que a Administração Pública crie e disponha sobre canais internos adicionais para discussão ou rediscussão de certas questões. E foi justamente este o intuito do Decreto n° 57.263/16. Justifica-se a existência deste novo canal - mais horizontal - em função da qualidade subjetiva dos interessados: são todos entes da A dministração Pública, direta ou indireta, ainda que se tratem de pessoas jurídicas diversas. Os prejuízos e revezes sofridos pelas empresas municipais repercutem direta ou indiretamente para o Município, eis que tais empresas são responsáveis por atividades de interesse público que demandam continuidade e eficiência na execução. O resvalo de eventuais conflitos para o Judiciário denota uma incapacidade de coordenação interna que não passa desapercebida pelos juízes, que não raramente se surpreendem com demandas envolvendo entes do próprio Município, com todos os custos que isso acarreta.

Se o processo administrativo tradicional - geralmente do tipo reativo, em que a Administração Pública pratica um ato, facultando, a posteriori, a possibilidade das pessoas se insurgirem contra ele - fosse impeditivo para a utilização de meios autocompositivos, estes nunca poderiam ser empregados para nenhuma finalidade, eis que, no caso de inexistir processo administrativo especialmente regulado, aplica-se a lei geral de processo administrativo do Município (Lei n° 14.141), de forma que sempre haverá alguma norma regulando o processo. Daí porque se torna necessário conciliar os canais processuais previstos na legislação. Parece-nos que aquele previsto pelo Decreto n° 57.263 complementa o previsto na Lei 14.107.

Não vislumbramos, portanto, óbices jurídicos para a tentativa de autocomposição do conflito em questão, ainda que de natureza tributária. Convém apontar que na União Federal a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF da Advocacia-Geral da União regularmente trata de conflitos de natureza tributária envolvendo a Receita Federal ou o INSS, o que reforça a ausência de incompatibilidade entre a natureza da controvérsia e as soluções autocompositivas.

Nada obstante, a autocomposição de conflitos pressupõe o interesse da pasta consultada em participar da construção da solução da controvérsia, de forma que SF pode se recusar a tentar a autocomposição. Não parece, entretanto, que seja a melhor opção. Primeiro porque a Secretaria estaria abrindo mão de uma opção horizontal, autocompositiva, por uma vertical, de arbitramento pelo Procurador Geral ou pelo juiz - ou seja, a pasta estaria abdicando de participar da construção de uma solução em matéria, obviamente, do seu interesse. Segundo porque o encaminhamento da questão para o Judiciário levaria a custos financeiros adicionais, em possível detrimento do erário municipal."

As manifestações subsequentes de SUREM praticamente não trouxeram argumentos novos: (1) novamente ventilou a tese de que apenas no bojo processo administrativo fiscal as questões tributárias envolvendo os contribuintes poderiam ser analisadas; (2) pressupôs que a mediação significaria transação; (3) ventilou a tese de que o ordenamento não preveria a possibilidade de rediscussão de certas matérias, tratando-se de entes da Administração Pública; (4) ponderou que o fato da União utilizar a autocomposição em matéria tributária não altera suas conclusões, pois os entes possuem arcabouço jurídico próprio e os agentes públicos federais respondem pelos seus atos. O único argumento que poderia ser considerado 'novo' se refere ao §8° do art. 2° da Portaria PGM n° 26/2016, que será analisado adiante.

Vale salientar que, se prevalecessem os argumentos acima, ficaria obstada toda e qualquer mediação e conciliação no âmbito administrativo, eis que todo - frise-se, todo - ato administrativo é (e deve ser) praticado (e impugnado) no bojo de um processo administrativo regulamentado. As imposições tributárias não constituem exceção, mas a regra, da mesma forma que o fato de serem previstas e disciplinadas em lei tampouco constitui exceção em relação aos demais atos da Administração Pública. Ninguém defende que a Administração tributária possa decidir pela não incidência de um tributo previsto em lei, ou pelo seu não recolhimento em hipóteses fora das previstas nas normas, da mesma forma que ocorreria ordinariamente com multas administrativas pelo descumprimento de normas edilícias ou em outras exações derivadas do Poder Estatal. Mas qualquer pessoa há de convir que as normas legais se abrem à múltiplas interpretações, especialmente em matéria tributária: tanto assim que as questões tributárias são as mais discutidas em juízo, que comumente repele a interpretação dada pelo Fisco (federal, estaduais ou municipais) e condena o ente público, naturalmente, aos encargos sucumbenciais. Ademais, todos são passíveis de erro, de forma que, para além da possibilidade de debates hermenêuticos, é factível que um agente público se equivoque ou lavre uma autuação, lance um tributo ou negue uma restituição indevidamente.

A alegação de que o reconhecimento de um vício numa imposição tributária e a declaração da sua nulidade, ainda que de ofício, devem se dar exclusivamente no bojo do processo administrativo disciplinado pela Lei municipal n° 14.107/05 também não resiste, eis que referida lei não veda o reconhecimento e reparação dos vícios identificados ainda que esgotadas as instâncias de defesa do contribuinte. A chamada 'coisa julgada administrativa' - que em verdade nada tem de coisa julgada (esta sim uma garantia constitucional exclusiva para decisões judiciais transitadas em julgado, e que sequer perfaz uma garantia absoluta) - constitui apenas uma preclusão parcial para os contribuintes em geral questionarem a exação na esfera administrativa, não impedindo que outras normas prevejam outros canais de discussão, da mesma forma como não impede a reanálise da questão de ofício.

Tampouco tem esteio na legislação a alegação de que os entes estatais não podem ser beneficiários de um canal próprio de discussão em relação aos contribuintes em geral: é a própria legislação federal (além da municipal, conforme veremos adiante) que prevê e disciplina esse canal específico, inclusive para tratar de questões tributárias. Vejamos o que prescreve a Lei federal n° 13.140/15:

"CAPÍTULO II

DA AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS EM QUE FOR PARTE PESSOA JURÍDICA DE DIR PÚBLICO

Seção I

Disposições Comuns

Art. 32. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para:

I - dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública;

(... )

Art. 34. A instauração de procedimento administrativo para a resolução consensual de conflito no âmbito da administração pública suspende a prescrição.

§1° Considera-se instaurado o procedimento quando o órgão ou entidade pública emitir juízo de admissibilidade, retroagindo a suspensão da prescrição à data de formalização do pedido de resolução consensual do conflito.

2° Em se tratando de matéria tributária, a suspensão da prescrição deverá observar o disposto na Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional."

A possibilidade de dirimir conflitos entre entes da Administração Pública é, portanto, expressamente prevista na lei.

O §8° do art. 2° da Portaria PGM n° 26/2016[1], por sua vez, não possui o escopo mencionado por SUREM. De fato, o procedimento de autocomposição não visa suprimir ou substituir os requisitos legais para a prática de atos administrativos (ou negócios jurídicos em geral) pela Administração Pública. Se a edição ou análise de um ato depende da manifestação de um órgão ou autorização de outro, não pode o servidor designado para participar da mediação praticá-lo (ou se comprometer com a sua prática) sem a observância do procedimento previsto, da mesma forma que o ato não pode ser praticado se não cumprir os requisitos legais para tanto.

Ocorre que, vale reprisar, o procedimento de impugnação administrativa fiscal não esgota a possibilidade da Administração Pública rever seus atos. A Lei municipal n° 10.107/05 delineia o procedimento para formalização e impugnação do crédito tributário; não visa a regulamentação da anulação ex officio. E os atos da Administração Tributária também podem ser anulados de ofício, sendo desnecessário que um auditor fiscal promova a sua impugnação, tal como se fosse um contribuinte.

E - mesmo supondo que, nas hipóteses de mediação e arbitramento, o eventual reconhecimento de um vício e sua correção não se trate de exemplo anulação/revisão de ofício - na medida em que as legislações federal e municipal criaram um novo canal para resolução de divergências (entre entes da própria Administração Pública), obviamente passa a não fazer mais sentido atrelar a resolução das divergências - unicamente - ao processo administrativo fiscal delineado na Lei municipal n° 10.107/05.

Assim, se para o reconhecimento administrativo da nulidade de um ato, do direito à restituição do indébito tributário, ou para a prática de qualquer outro ato jurídico da alçada de SF, a legislação prever a necessidade de manifestação ou decisão de certo órgão, a remessa do caso ao procedimento de autocomposição não dispensará o cumprimento do procedimento previsto, mas a argumentação de que o procedimento de impugnação fiscal delineado na Lei municipal n° 10.107/05 é o único disponível e, encerrando-se a via administrativa de defesa, não há outra possibilidade de questionamento em âmbito administrativo, simplesmente não é mais aceitável, pois é dissonante do que prevê a legislação contemporânea.

Se, por um lado, na mediação é preservada a instância decisória original, na medida em que se trata de procedimento de autocomposição, na arbitragem, por outro lado, há efetivo deslocamento do poder decisório (ainda que restrito ao conflito instaurado). No caso do Município, o Decreto n° 58.414/18 atribuía ao Secretário Municipal de Justiça o arbitramento de tais conflitos: o que significa dizer que ele deveria decidir no lugar das partes. Segundo o art. 28, inc. II, do diploma legal:

"Art. 28. Ao Secretário Municipal de Justiça compete: (... )

II - arbitrar as controvérsias surgidas entre órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Municipal, após manifestação da Procuradoria Geral do Município, caso não solucionadas por meios autocompositivos, como etapa prévia indispensável ao eventual exame pelo Poder Judiciário;"

Portanto, a competência de SMJ para decidir em tais casos derivava do mencionado decreto, que por sua vez é ato do Prefeito que, na qualidade de Chefe do Executivo Municipal, pode organizar a Administração Pública e delegar atribuições. Inexiste lei que confira exclusividade à SF no controle de legalidade dos atos praticados pela pasta, mesmo os que se relacionem com a sua finalidade precípua: tanto assim que o Decreto n° 58.414/18 prevê, no mesmo art. 28 supracitado, que também compete à SMJ "assistir ao Prefeito, em conjunto com a Controladoria Geral do Município e a Procuradoria Geral do Município, no controle interno da legalidade dos atos da Administração Pública Municipal" (inc. IX).

Recentemente, foi editada a Lei municipal n° 17.324/2020, que previu de forma expressa, no art. 2°, inc. IV, o arbitramento de controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Municipal Direta e Indireta, mas conferiu à Procuradoria-Geral do Município a competência para decidir, verbis:

"Art. 2° A Política de Desjudicialização será coordenada pela Procuradoria Geral do Município, cabendo-lhe, dentre outras ações:

I - dirimir, por meios autocompositivos, os conflitos entre órgãos e entidades da Administração Pública Municipal Direta e Indireta;

(... )

IV - promover o arbitramento das controvérsias não solucionadas por meios autocompositivos, na hipótese do inciso I;"

É verdade que a redação tanto do inc. II do art. 28 do Decreto n° 58.414/18 como do inc. II do6 art. 2° da Lei n° 17.324/2020 dariam margem à interpretação apressada de que a arbitragem só poderia ser realizada após realização da mediação e a sua frustração em função da falta de acordo entre as partes. Mas não parece a melhor exegese para as disposições legais: afinal, não é isso que elas previram. A norma condiciona a arbitragem à não solução da controvérsia por meios autocompositivos, sendo que a falta de solução da controvérsia pode se dever tanto à resistência em participar da autocomposição quanto à ausência de acordo para solução da controvérsia. Em ambas as situações, a autocomposição da controvérsia resta frustrada. E, restando frustrada, a arbitragem pode surgir como forma adequada de lidar com o litígio.

Acreditamos que nem sempre a arbitragem será a melhor alternativa para lidar com a controvérsia. Em situações em que seja nebulosa a definição da parte que tem razão, parece-nos que a prudência aconselha a preservação das competências originárias e o não arbitramento da disputa: afinal, o poder de arbitramento importa num deslocamento de competência, e, como todo poder, deve ser exercido com cautela. Mas também haverá hipóteses em que salta as olhos a razão jurídica de uma das partes, caso em que o encaminhamento do conflito ao Judiciário apenas importará em custos extras para ambas as partes.

A mediação e a tentativa de conciliação entre entes da Administração Pública não é feita em detrimento da Administração municipal, pelo contrário: visa evitar a imposição de ônus sucumbenciais, que são cada vez mais relevantes financeiramente em condenações judiciais; visa evitar o consumo de recursos para batalhar judicialmente; e visa evitar, ademais, decisões judiciais que podem não satisfazer nenhuma das partes envolvidas no processo. E, especialmente no Município, em que a maioria das empresas municipais presta serviços públicos, e onde mesmo as não dependentes acabam dependendo de contratos com o Município, não importa quem ganhar ou perder a ação judicial: o Município (e o erário), ao final, sempre será onerado de alguma forma.

Na esfera federal, conforme já mencionamos, experiência da mediação e arbitramento vem de longa data. Em 2007, no parecer AGU/SRG n° 01/2007, a Advocacia Geral da União afirmou que a conciliação inclui matéria tributária:

"I. A conciliação entre Órgãos e/ou Entidades da Administração Federal, no âmbito da Advocacia-Geral da União, inclui a matéria de natureza tributária.

II. É da competência da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF, integrante da Consultoria-Geral da União, a competência para a conciliação de controvérsias envolvendo a matéria tributária.

III. Possibilidade de ampliação da competência à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, consoante art. 2°, da Portaria n° 281, de 27 de setembro de 2007"

Desde 2007, foram diversas as autocomposições em matéria tributária na esfera federal. Aliás, o primeiro arbitramento realizado pela União foi justamente em matéria fiscal, envolvendo o Banco Central e a Receita Federal, conforme mencionado em artigo por Dias Toffoli:

"Já o primeiro caso de atuação da CCAF em que a controvérsia foi dirimida por meio de arbitramento envolveu o Banco Central do Brasil e a Secretaria da Receita Federal do Brasil, em razão da cobrança de contribuição previdenciária sobre as remunerações pagas ou creditadas a profissionais autônomos que prestam serviços médicos a beneficiários do Programa de Assistência à Saúde dos servidores do Banco Central do Brasil (PASBC). Frustrada a fase conciliatória, a controvérsia foi dirimida por arbitramento, por meio do Parecer AGU/SRG-01/2008, cuja ementa ressalta a importância do então recente mecanismo de resolução de conflitos:

I. A conciliação entre Órgãos e/ou Entidades da Administração Federal, pela Advocacia- Geral da União, decorre da previsão contida no art. 131 da CF, estando inserida entre "as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo".

II. A atuação da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF, integrante da Consultoria-Geral da União, pressupõe a observância dos princípios declarados no art. 37 da CF.

III. Encerramento, por Parecer, de controvérsia jurídica entre a Secretaria da Receita Federal do Brasil e o Banco Central do Brasil, com a definição sobre a existência de obrigação tributária, do último, em relação à primeira, no tocante à cota patronal da contribuição previdenciária incidente nas remunerações pagas ou creditadas a profissionais autônomos que prestam serviços médicos a beneficiários do Programa de Assistência à Saúde dos Servidores do Banco Central - PASBC"[2]

Seguiu afirmando o seguinte:

"Quando eu era Advogado-Geral da União (2007-2009), um levantamento da Advocacia- Geral da União identificou 400 processos em tramitação no STJ envolvendo disputas entre órgãos federais. Desperdício de tempo e dinheiro público. Essa realidade, na época, mudou com a instalação de 200 câmaras de conciliação no âmbito da AGU, incumbidas de resolver administrativamente os litígios internos entre a União, as autarquias e fundações. Elas ajudaram a desafogar o Judiciário e geraram economia de quase R$ 2 bilhões, evitando gastos com tramitação de processos em juízo e otímizando o tempo dos advogados da União e dos procuradores federais com relação a outros processos. Isso possibilitou a redução das demandas judiciais e administrativas envolvendo os entes da Federação e a União, além de ter assegurado maior celeridade na concretização de políticas públicas, muitas vezes paralisadas por divergências em âmbito administrativo."

A base jurídica empregada pela AGU para mediação e arbitragem é similar à municipal: tem como esteio a Constituição, as competências da AGU, e portarias da Advocacia Geral que a disciplinam. Tais normas foram inclusive anteriores à Lei federal n° 13.140/15, que passou a dispor especificamente sobre autocomposição nas Administrações Públicas.

Em conclusão, cremos ser o caso de encaminhamento da questão para avaliação quanto ao arbitramento da disputa, já que restou frustrada a autocomposição em razão da resistência em uma das partes de participar da mediação. Nos termos do art. 28, inc. II, do Decreto n° 58.414/18, e da Portaria PGM n° 26/2016, cabe a esta Coordenadoria emitir parecer sobre o assunto em debate, para instruir decisão - atualmente da alçada da Procuradora-Geral do Município - acerca do arbitramento (tanto do seu cabimento quanto do mérito da decisão).

II - Sobre a questão de fundo, objeto da controvérsia

Admitido, em tese, o arbitramento, compete-nos falar sobre a matéria de mérito, em disputa. Trata-se de insurgência da empresa municipal interessada contra a denegação do seu pedido de repetição de indébito, referente ao recolhimento de ISS sobre o valor total da nota fiscal de empresa administradora de cartões de alimentação, tipo vale-refeição, destinados aos funcionários da empresa municipal. Conforme exposto, foi efetuada retenção, pela SP-Trans, de ISS sobre o valor total das notas fiscais, cujo valor não traduziria preço de prestação de serviço, e sim o valor total dos créditos efetivados nos cartões dos funcionários. Por outro lado, não havia previsão, no contrato, de taxa de administração pela administradora dos cartões de benefício, já que esta seria negativa (importando, assim, em desconto sobre o valor das despesas da empresa com tais créditos).

Não há dúvida de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, nos termos do art. 7° da Lei complementar n° 116/2003, verbis: "Art. 7° A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.". Defende a SP-Trans que, no caso, o preço do serviço é zero, eis que a taxa de administração é negativa.

O Departamento Fiscal informou que, ainda que seja controversa a inclusão da totalidade dos valores depositados nos cartões dos funcionários na base de cálculo do tributo, debate-se bastante em juízo a cobrança de ISS sobre serviços cujo preço é apontado como zerado pelo prestador (ou com algum desconto), mas que disfarçam, de outra forma, a onerosidade inerente ao contrato:

"A semelhança, de fato, é válida para apontar, igualmente, que a tributação não pode limitar-se à camada superficial dos atos formais celebrados entre prestador e tomador do serviço. Tanto nos casos de "desconto condicionado", como na hipótese ora em análise, a mera leitura do instrumento contratual - que aponta para o preço do serviço com valor reduzido ou "zerado"- não pode, jamais, vincular o ente tributante, como quer convencer a empresa requerente no presente expediente. Se assim fosse, a tributação estaria condenada a nunca refletir a verdade contratual e econômica, reais circunstâncias que autorizam e legitimam a percepção (e dimensão) do fato tributário imponível, ficando refém da criatividade redacional dos particulares, que poderiam, por meio de cláusulas entre si acertadas, prejudicar um, ou todos, os elementos da regra matriz de incidência tributária.

(... )

No caso concreto, parece bastante claro que há uma prestação de serviços e, igualmente, que o serviço prestado é expressamente listado na Lei 13.701/2003 (item 17.11). Assim sendo, verifica-se, a princípio, competência do ente paulistano para tributar a operação e existente fato gerador a justificar a incidência. O preço do serviço, base de cálculo do imposto, é o elemento mais complexo do fenômeno tributário analisado, em virtude da disposição contratual que não prevê pagamento por parte do tomador. Contudo, referida circunstância, como já dito, de modo algum pode representar barreira para que a tributação ocorra, se verificado, como parece ser o caso, que há onerosidade, uma vez que ambas partes obtêm vantagens com o negócio jurídico.

É bem verdade que há dúvida quanto ao montante da base de cálculo, uma vez que o recolhimento se deu, aparentemente, pelo valor total dos créditos entre as partes. Todavia, nas considerações adiante feitas, parece-me que o tema teve esgotada a possibilidade de ser levado a discussão, administrativa ou judicialmente."

Como informou FISC, não foram encontradas decisões judiciais sobre o tema envolvendo o Município. Em pesquisa jurisprudencial, não localizamos acórdão do STJ sobre a questão controversa e, no âmbito do TJSP, encontramos as seguintes decisões:

APELAÇÃO - Embargos à execução - ISS. Exercícios de 1990 a 1992. Fornecimento de vales- refeição. Base de cálculo. Taxa de administração. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. Inteligência do art. 252 do Regimento interno desta Corte. Recurso não provido.

(TJSP; Apelação Cível 9243833-29.2003.8.26.0000; Relator (a): João Alberto Pezarini; Órgão Julgador: 14^ Câmara de Direito Público; Foro de Santo André - V Anexo Fiscal; Data do Julgamento: 11/08/2011; Data de Registro: 01/09/2011)

Segundo trecho do voto:

"Como bem anotou o Juízo: 'A base do imposto sobre serviços é, efetivamente, o serviço realizado pelo contribuinte. No caso do embargante, este não fornece refeições, mas apenas os vales a serem utilizados na aquisição de suas refeições pelos usuários'. (...) 'A remuneração dos serviços do embargante é a taxa de administração cobrada para esse serviço, devendo ser esta a base de cálculo'."

Ainda:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NUUDADE DE AIIM e MEDIDA CAUTELAR PREPARATÓRIA - Empresa prestadora de serviços no ramo de refeição, convênio ou vale-refeiçào - Diferenças de ISS - Município Santo André - Discussão quanto à base de cálculo - Montante cobrado dos clientes (valor dos "tickets" mais a taxa de administração) - Valor integral da nota fiscal - Perícia que comprovou que o contribuinte recolheu o tributo a menor - Sentença reformada - Apelo da Municipalidade e recurso oficial providos - Inversão das verbas de sucumbència -

(TJSP; Apelação Com Revisão 9229420-69.2007.8.26.0000; Relator (a): Silva Russo; Órgão Julgador: Orgão Julgador Não identificado; Foro de Santo André - 6. VARA CIVEL; Data do Julgamento: N/A; Data de Registro: 14/03/2007)

Segundo trecho do voto do Relator:

"Não se discute o fato gerador, ou a hipótese de incidência, mas a base de cálculo, a qual, segundo o Decreto-Lei n° 406/6 8 e o próprio Código Tributário Municipal é o preço dos serviços, vale dizer, o montante cobrado ao cliente, neste caso, o valor do "tícket", mais a taxa de administração.

Portanto, o imposto não deve incidir apenas sobre esta. Não se tratando de construção civil, ou intermediação de mão-de-obra, a base de cálculo do ISS é o valor integral da nota fiscal, correspondente ao serviço."

E por fim:

APELAÇÃO - MANDADO DE SEGURANÇA - ISS - Recarga de cartões eletrônicos: vale alimentação e vale-transporte - Configuração de interesse de agir para combater ato coator - Provido o recurso da parte autora e desprovido o da parte ré.

(TJSP; Apelação Cível 1003937-51.2014.8.26.0053; Relator (a): Mônica Serrano; Órgão Julgador: 14° Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 5° Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 11/12/2014; Data de Registro: 07/01/2015)

Como a ementa não faz referência ao teor da decisão, segue trecho do voto:

"Conheço dos recursos na medida em que presentes os requisitos de admissibilidade. No mérito, não comporta provimento o recurso da municipalidade, mas tem guarida o da impetrante.

A lide diz respeito à incidência de ISS sobre serviços de recarga de cartões eletrônicos (v.g. vale-transporte e vale-alimentação). A parte autora alega que a base de cálculo do tributo deve ser a taxa de administração que cobra de seus clientes para prestar o serviço. Não obstante, a municipalidade passou a tributá-la pelo valor global da nota fiscal emitída, composta pela taxa de administração somada aos valores repassados pelas empresas a serem depositados nos cartões dos funcionários.

(... )

É cediço que a base de cálculo do ISS é composta pelo preço do serviço, tão somente. E, não é difícil concluir que os valores repassados para serem depositados nos cartões eletrônicos não compõem o preço do serviço prestado. Trata-se de repasse puro e simples de valores. Ou seja, eles não revelam o preço da atividade desenvolvida e tampouco são considerados como remuneração do prestador de serviço."

Há, portanto, dois julgados (dos anos de 2011 e 2015) no sentido de que o ISS deve incidir apenas sobre a taxa de administração, e um julgado (do ano de 2007) no sentido de que poderia incidir sobre o valor total da nota fiscal.

Em resposta à pergunta, formulada por esta Procuradoria, a respeito de como SF, abstratamente, entende que o serviço deve ser tributado, DEJUG anexou duas respostas a consultas formuladas em anos anteriores, no sentido de que o valor depositado no cartão-alimentação do funcionário que apenas transita pela conta da operadora do cartão (ou seja, o valor repassado pela empresa contratante à operadora e depositado nos cartões) não compõe a base de cálculo do ISS.

Considerando tal panorama, parece-nos assistir razão à empresa municipal, eis que o ISS por ela recolhido e depois questionado teve como base de cálculo justamente o montante depositado nos cartões-alimentação dos seus funcionários.

É justa e correta a preocupação de FISC com eventuais tentativas dos contribuintes de escamotear a onerosidade dos contratos nos casos de taxa de administração zerada, prevista em convenções que tentam ocultar a realidade econômica dos ajustes, com a finalidade de pagar menos tributos ou não pagá-los. Mas nos parece que, na situação analisada, a onerosidade existe na outra ponta da relação, que será tributada pelo Município: afinal, quando o funcionário usuário do cartão o utiliza para pagar uma refeição, a administradora do cartão não paga ao restaurante (ou a outro estabelecimento prestador) o valor total, retendo uma parcela deste, justamente como contraprestação pelo serviço por ela prestado. E, segundo informado por DEJUG, o valor retido pela administradora para a sua própria remuneração constitui base de cálculo do ISS: "Caso parte do valor despendido seja retido (cobrado) pela empresa administradora do cartão, este montante fará parte da base de cálculo descrita na 2° indagação".

Portanto, parece-nos que a não previsão de taxa de administração no contrato celebrado entre a empresa municipal e a SP-Trans não visou tapear a Administração tributária, escondendo a onerosidade contratual e a remuneração da administradora, que existem e será - ou deverá ser - devidamente tributada pelo Município na outra ponta da relação, quando da utilização do cartão de benefícios.

As demais circunstâncias mencionadas por FISC não impedem o arbitramento, em princípio: o indeferimento do pedido de restituição por SF ocorreu em 07/2016, e o encaminhamento da questão à Coordenadoria Geral do Consultivo, para autocomposição, ocorreu no mesmo ano, em 11/2016. O art. 28, inc. II, do Decreto n° 58.414/18, repetindo o texto de norma anterior (art. 14, inc. XIX, do Decreto n° 57.263/16), impunha o recurso à autocomposição como etapa prévia à propositura de ação judicial:

"Art. 28. Ao Secretário Municipal de Justiça compete:

(... )

II - arbitrar as controvérsias surgidas entre órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Municipal, após manifestação da Procuradoria Geral do Município, caso não solucionadas por meios autocompositivos, como etapa prévia indispensável ao eventual exame pelo Poder Judiciário,"

Portanto, a empresa municipal, nos termos do normativo anterior, não poderia propor ação judicial enquanto não apreciada a mediação e não apreciado o pleito de arbitramento da disputa. Em razão dos eventos processuais já comentados na primeira parte deste parecer, acabou que tais análises (tanto a conclusão pela frustração da mediação, quanto o encaminhamento para arbitramento) levaram significativamente mais tempo do que o usual, mas nos parece que a empresa municipal não pode ser prejudicada pelo tempo que os órgãos da Administração Direta competentes necessitaram para responder aos pedidos. Se a parte se encontrava impedida de demandar em juízo, consequentemente não poderia correr o prazo prescricional. Do contrário, os procedimentos de mediação e arbitragem constituiriam arapucas, e não tentativas honestas de resolução interna de conflitos para sua desjudicialização. E todos os entes administrativos preferirão ingressar com demandas judiciais, conduzindo os procedimentos de mediação a arbitragem à inocuidade.

Assim, por mais que a Lei federal n° 13.140/15, preveja no §2° do art. 34 que "em se tratando de matéria tributária, a suspensão da prescrição deverá observar o disposto na Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.", não se pode olvidar que: (i) não estamos aqui tratando de suspensão de exigibilidade de crédito tributário, eis que o suposto crédito já foi pago, tratando-se de questão relacionada à repetição do indébito; (ii) a prescrição só pode correr a partir do momento em que há a possibilidade jurídica de demandar em juízo, eis que a ideia de prescrição se liga a 'omissão' da parte em ingressar em juízo.

A outra questão mencionada por FISC, a respeito da ilegitimidade ativa da empresa municipal, também não impediria a análise administrativa do pleito de mediação e arbitramento, como salientado pelo próprio Departamento (que discorreu haver dúvidas sobre a possibilidade processual da empresa ingressar com demanda em juízo).

Em conclusão, feito o panorama da questão de fundo objeto do conflito, entendemos assistir razão à SP-Trans, e consequentemente sugerimos o arbitramento da disputa em favor da empresa municipal.

Revela-se pertinente acrescentar que, como SF se posicionou apenas abstratamente no que diz respeito ao mérito da controvérsia, não houve manifestação da Secretaria - e portanto, contraditório - sobre o pedido de repetição de indébito especificamente formulado pela empresa municipal e outras questões formais ligadas a ele (tirante a questão abordada na primeira parte deste parecer), embora o contraditório tenha sido oportunizado. Por outro lado, pertinente ressaltar que, no final, a pasta colaborou com esta Procuradoria, respondendo as dúvidas encaminhadas de forma abstrata, mas assertiva.

A decisão final, entretanto, tanto quanto à admissibilidade e conveniência do arbitramento, quanto ao mérito da questão em disputa, compete à Procuradora Geral do Município, razão pela qual elevamos, o presente, para deliberação.

Sub censura.

 .

 São Paulo, 01/03/2021.

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP n° 227.775

PGM

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De acordo.

São Paulo, 01/03/2021.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

Procuradora Assessora Chefe - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

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[1] 8° - Quando, em razão da existência de processo administrativo municipal regulamentado, questões abrangidas pelo acordo dependerem de decisões ou de manifestações técnicas da competência de órgãos específicos, prosseguimento do processo e a celebração do acordo dependerão de decisão ou de manifestação de tais órgãos.
[2] Movimento conciliatório e a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF): breves considerações. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 50, jul-set 2016.

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Processo n° 6021.2019/0037788-9

INTERESSADO: SP-TRANS e SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA

ASSUNTO: Pedido de submissão de controvérsia à Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal. Restituição de indébito tributário. Autocomposição prejudicada devido à recusa de SF em participar. Alegações quanto à impossibilidade de conciliação em matéria tributária já afastadas na Informação n° 7/2017-PGM.AJC. Encaminhamento para arbitramento.

Cont. da Informação n° 1.215/2020-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhora Procuradora Geral

Encaminho a Vossa Senhoria manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acompanho, no sentido de que: (I) o procedimento para autocomposição de controvérsias entre órgãos e/ou entidades da Administração Pública municipal, realizado pela Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal, da Procuradoria Geral do Município, inclui a matéria de natureza tributária; (II) caso frustrada a autocomposição da controvérsia, seja pela recusa de uma das partes em participar do procedimento, seja pela falta de consenso entre as partes envolvidas, a questão poderá ser arbitrada pela Procuradoria Geral do Município, mesmo em matéria tributária; (III) no caso submetido à análise desta Coordenadoria, parece-nos assistir razão à SP-Trans, razão pela qual propomos o arbitramento da disputa em favor da empresa municipal.

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São Paulo, 10/03/2021.

TIAGO ROSSI

Coordenador Geral do Consultivo

OAB/SP 195.910

PGM

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processo n° 6021.2019/0037788-9

INTERESSADO: SP-TRANS e SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA

ASSUNTO: Pedido de submissão de controvérsia à Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal. Restituição de indébito tributário. Autocomposição prejudicada devido à recusa de SF em participar. Alegações quanto à impossibilidade de conciliação em matéria tributária já afastadas na Informação n° 7/2017-PGM.AJC. Encaminhamento para arbitramento.

DESPACHO N° 32/2020-PGM

  1. ACOLHO o parecer da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral, no sentido de que: (I) o procedimento para autocomposição de controvérsias entre órgãos e/ou entidades da Administração Pública municipal, realizado pela Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal, da Procuradoria Geral do Município, inclui a matéria de natureza tributária; (II) caso frustrada a autocomposição da controvérsia, seja pela recusa de uma das partes em participar do procedimento, seja pela falta de consenso entre as partes envolvidas, a questão poderá ser arbitrada pela Procuradoria Geral do Município, mesmo em matéria tributária;
  2. Considerando os entendimentos supracitados, ADMITO o pleito de arbitramento da controvérsia de que trata este processo, formulado pela SP-TRANS;
  3. No exercício da competência prevista no art. 2°, IV, da Lei municipal n° 17.324/2020, e à vista dos elementos constantes do presente, em especial a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que adoto como razão de decidir, ARBITRO a controvérsia objeto deste processo em favor da SP-TRANS;
  4. Publique-se e encaminhe-se, o processo, à SP-TRANS, para ciência, e à SF, para ciência e providências de cumprimento.

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São Paulo, 02/03/2021.

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo