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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.126 de 22 de Abril de 2020

EMENTA N.° 12.126
Administrativo. Estado de emergência de saúde pública. Pandemia causada pelo COVID-19. Mecanismos de participação popular (debates, audiências e consultas públicas, entre outros). Realização por meio virtual. Decreto municipal n.° 59.283, de 16 de março de 2020 (artigo 12, inciso I). Efetivação do princípio da gestão democrática participativa.

Processo nº 6011.2020/0002313-8

INTERESSADO: SECRETARIA DE GOVERNO MUNICIPAL

ASSUNTO: Consulta. Audiência pública virtual.

Informação n° 486/2020- PGM.CGC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhor Procurador Assessor Chefe,

Trata-se de consulta formulada pela Secretaria de Governo Municipal sobre o cabimento de audiência pública virtual no âmbito de projeto de concessão administrativa a ser implementada pela Secretaria Executiva de Desestatização e Parcerias.

Pronunciando-se a respeito, a Assessoria Jurídica expediu o parecer doc. SEI 027974317, no sentido da possibilidade de a audiência ser realizada de modo remoto, assinalando o "bom termo na ponderação entre o interesse público na prestação daquele objeto a ser licitado e o direito do cidadão de participar da tomada de decisão pública".

É o relatório.

O objeto da presente análise restringe-se à possibilidade jurídica na realização de audiência pública em ambiente virtual (bem como de outros mecanismos de participação popular), restando excluída a verificação dos aspectos referentes à própria exigibilidade deste mecanismo de participação popular no bojo do projeto mencionado pelo órgão consulente. O parecer contou com a contribuição analítica do Procurador Municipal Celso Coccaro, integrante da Coordenadoria Geral do Consultivo.

De fato, merece prevalecer a conclusão alcançada pela Assessoria Jurídica na pertinente manifestação doc. SEI 027974317.

O princípio democrático, compreendido em seu sentido lato, apreende múltiplos significados. Canotilho refere-se às "teorias complexas da democracia"1, que, ao final, podem ser delimitadas em dois vetores: a representativa e a participativa. Enquanto aquela se baseia nos postulados da representação popular, eleições periódicas e partidarismo plúrimo, entre outros; esta reflete a integração dos cidadãos no âmbito do processo de exercício das funções estatais. "Não há democracia sem participação", ensina Paulo Bonavides2.

É preciso, contudo, contextualizar a democracia participativa à realidade atual, revestida de trágico ineditismo.

Vive-se um cenário de pandemia provocado pela disseminação do COVID-19 ("novo coronavírus"). Trata-se de situação de emergência de saúde pública de importância internacional, conforme declaração feita pela Organização Mundial da Saúde em 30 de janeiro de 2020. Para além de representar fato notório, diversos atos normativos já formalizaram no plano jurídico interno, por todas as entidades federativas, o contexto da emergência sanitária.

A Lei federal 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispõe sobre as medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, assumindo como objetivo expresso a "proteção da coletividade" (art. 1°, §1°)3. As medidas giram na órbita, entre outros aspectos, da premissa de se evitar a aglomeração de pessoas, de modo a se justificar a quarentena (art. 3°, inc. II). Ainda no âmbito federal, cite-se a Portaria n.° 454, de 20 de março de 2020, do Ministério da Saúde, que declarou, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do COVID-19, tendo sido antecedida pela Portaria n.° 188, de 3 de fevereiro de 2020, que declarou Emergência em Saúde Pública de importância Nacional.

Na seara do Estado de São Paulo, foi expedido o Decreto n.° 64.879, de 20 de março de 2020, que reconheceu o estado de calamidade pública decorrente da pandemia. Já o Decreto 64.881, de 22 de março de 2020, decretou quarentena do Estado de São Paulo4, ressaltando-se o seu art. 4°, que recomendou que a circulação de pessoas no âmbito do Estado de São Paulo se limite às necessidades imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercício de atividades essenciais.

No âmbito do Município de São Paulo, destaque-se a edição do Decreto 59.283, de 16 de março de 2020, que declarou situação de emergência na capital paulista, cidade brasileira mais atingida pela pandemia. Diversos outros atos normativos municipais foram expedidos5, todos eles embasados na inequívoca necessidade de restringir a circulação de pessoas, de modo a evitar aglomerações.

Com efeito, as diversas Administrações brasileiras vêm efetivando medidas de contenção do avanço da contaminação, a exemplo da suspensão de aulas, recomendações para a adoção do trabalho remoto, fechamento de parques e do comércio, interrupção de atividades de lazer e recreação etc6. Assim, a excepcionalidade da situação que vive a sociedade e o Estado brasileiro, com alcance planetário, exige a adoção de medidas jurídicas também excepcionais.

Como apontado pelo Supremo Tribunal Federal, "a gravidade da emergência causada pela pandemia do coronavírus (COVID-19) exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreto da proteção à saúde pública (...)"7, estendendo-se às diversas formas de manifestação da função administrativa, entre as quais a implementação dos mecanismos de participação popular, que encontra previsão na Lei Orgânica do Município de São Paulo (art. 143, §3°8).

Nesse sentido, mais do que recomendável, impõe-se a realização das audiências públicas por meio virtual (ou remoto, ou eletrônico), de modo a se evitarem situações que possam facilitar a disseminação da contaminação do COVID-19. Tal medida, inclusive, já representa uma diretriz imposta pelo Executivo municipal, nos termos do art. 12, inc. I, do Decreto municipal 59.283, de 16 de março de 2020, in verbis (grifo nosso):

Art. 12. Sem prejuízo das medidas já elencadas, todas as unidades da Administração Direta, Autarquias e Fundações deverão adotar as seguintes providências:

I - adiar as reuniões, sessões e audiências que possam ser postergadas, ou realizá-las, caso possível, por meio remoto.9

Concluir de modo contrário seria desprezar a realidade ou, pior do que isso, ensejar uma situação de incremento de perigo à saúde pública.

Como acentuado por Carlos Maximiliano, em passagem já clássica, "deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis"10. Destaque-se a necessidade, no âmbito do exercício da função administrativa, de aferição dos efeitos das decisões públicas, conforme estabelece o art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual não se decidirá "com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão". Ora, o valor abstrato atinente ao princípio da participação popular não pode ser dissociado dos respectivos efeitos quanto à escolha do modo de sua implantação.

Além disso, não se pode desprezar que a participação popular virtual poderá até mesmo ampliar o acesso democrático, que encontra amiúde, no âmbito da participação presencial, limitações físicas e temporais.

Como apontado pelo órgão consulente (doc. SEI 027848477), diversas esferas públicas já vêm adotando o modelo das audiências públicas virtuais. Adicionalmente aos exemplos referidos, cite-se recente ato normativo expedido pela Secretaria de Diretoria Geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Comunicado n.° 14/2020), orientando a utilização de meio eletrônico nas audiências públicas durante os processos de elaboração e discussão das leis orçamentárias11. Diversos entes públicos, inclusive, já promoveram tais medidas, como o Estado de São Paulo e o Município de Goiânia.

Conclui-se, portanto, à luz do estado atual de emergência de saúde pública, que os mecanismos de participação popular (debates, audiências e consultas públicas, entre outros) devem ser implementados de modo remoto, em formato virtual ou eletrônico.

Evidentemente, a fim de dar máxima efetividade ao postulado da democracia participativa, os modos de sua implementação devem assegurar a real possibilidade de participação da sociedade, inclusive com a adoção, se o caso, de mecanismos virtuais múltiplos, como a realização de seminários explicativos na web, com possibilidade de interação online da sociedade; a recepção de propostas escritas pela via eletrônica; a votação remota de propostas prioritárias etc.

À consideração superior.

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São Paulo, 22/04/2020

RODRIGO BORDALO RODRIGUES

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP 183.508

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 22/04/2020

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE

OAB/SP 175.186

PGM / AJC

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1 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, Coimbra: Almedina, 2003, p. 288.

2 Curso de direito constitucional, 13.ed., 2003, São Paulo: Malheiros, p. 51.

3 A Lei 13.979/20 foi regulamentada pelos Decretos 10.282/20 e 10.292/20.

4 Cuja vigência ainda se impõe, nos termos da prorrogação imposta pelo Decreto 64.920, de 7 de abril de 2020.

5 Portaria 03/2020/SMSUB/ABAST (ref. feiras livres e equipamentos de abastecimento); Portaria 154/2020-SMS.G (ref. suspensão parcial e temporária de consultas, exames, procedimentos e cirurgias de rotina); entre outros.

6 Cf. decisão do Ministro Alexandre de Moraes na ADPF 672, expedida em 8 de abril de 2020.

7 ADPF 672.

8 "É assegurada a participação direta dos cidadãos, em todas as fases do planejamento municipal, na forma da lei, através das suas instâncias de representação, entidades e instrumentos de participação popular."

9 Acrescente-se que o Decreto federal 10.282/2020, que regulamenta a Lei federal 13.979/20, aplicável às pessoas jurídicas de direito público interno, dispõe em seu art. 3°, §5°: "Os órgãos públicos manterão mecanismos que viabilizem a tomada de decisões, inclusive colegiadas, e estabelecerão canais permanentes de interlocução com as entidades públicas e privadas federais, estaduais, distritais e municipais", o que reforça o disposto no art. 12, inc. I, do Decreto municipal 59.282/20 a propósito do mecanismo eletrônica de implementação.

10 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 166.

11 A participação popular está prevista na Lei de Reponsabilidade Fiscal - LC 101/2000 (art. 48, §1°, inciso I). Embora o STF não tenha determinado a suspensão desse dispositivo na Medida Cautelar ADI 6357, que desta não é objeto, os mesmos princípios que embasaram a suspensão dos artigos 14, 16, 17 e 24 do mesmo diploma são aplicáveis para o art. 48, §1°, inciso I, que envolve mera adaptação da norma à hodierna realidade, em caráter de exceção.

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Processo nº 6011.2020/0002313-8

INTERESSADO: SECRETARIA DE GOVERNO MUNICIPAL

ASSUNTO: Consulta. Audiência pública virtual.

Cont. da Informação n° 486/2020 - PGM.CGC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhora Procuradora Geral

Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente.

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São Paulo, 22/04/2020

TIAGO ROSSI

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo nº 6011.2020/0002313-8

INTERESSADO: SECRETARIA DE GOVERNO MUNICIPAL

ASSUNTO: Consulta. Audiência pública virtual.

Cont. da Informação n° 486/2020 - PGM.CGC

SECRETARIA DE GOVERNO MUNICIPAL

Senhor Secretário Adjunto

Nos termos do encaminhamento constante no doc. SEI 027990363, restituo o presente com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho na íntegra.

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São Paulo, 22/04/2020

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP n° 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo