CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.097 de 13 de Janeiro de 2020

EMENTA N. 12.097
Patrimônio Imobiliário. Ocupação irregular de área pública. Inexistência de vedação à outorga da permissão de uso ou à alienação do bem pela existência de débitos pelo seu uso pretérito. 

processo n° 2017-0.154.845-0

INTERESSADO: CARLOS DOS SANTOS MARTINS

ASSUNTO: Regularização de área remanescente de desapropriação situada na rua Mestre José Antônio, 63, mediante permissão de uso onerosa.

Informação n° 42/2020-PGM.AJC

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Procurador Coordenador

O objeto do presente expediente é a regularização, mediante permissão de uso onerosa, da ocupação, pelo expropriado e também proprietário do único imóvel lindeiro, de área remanescente de desapropriação e inaproveitável isoladamente.

A partir da identificação dessa ocupação no Processo Administrativo n. 1987-0.022.906-7, pela Subprefeitura do Butantã - SP-BT, em 10 de abril de 2015 (fls. 306/309 daquele expediente), o Departamento de Desapropriações - DESAP entendeu, corretamente, não ser o caso de cumprimento do mandado de imissão na posse, inclusive pelo fato de o imóvel ser desnecessário ao Município e sua incorporação ter sido realizada por razões jurídicas (remanescente inaproveitável), motivo pelo qual sugeriu o envio ao Departamento de Gestão do Patrimônio Imobiliário - DGPI, atual Coordenadoria de Gestão do Patrimônio - CGPATRI, para exame de eventual regularização da ocupação.

Após diversas providências para definição da área e da data de sua ocupação, aquele expediente foi remetido a esta Assessoria Jurídico-Consultiva-AJC, oportunidade na qual foi afirmada a necessidade de autuação de expediente próprio pelo DGPI para o exame da sua alienação, bem como indicada a possibilidade daquele Departamento examinar, paralelamente, a viabilidade da outorga de permissão de uso do bem (Informação n. 484/2016 - PGM.AJC, fls. 17/20). Esse entendimento não só foi reiterado, como reforçado em nova manifestação desta AJC, na qual se afirmou a possibilidade de alienação independentemente de autorização legislativa e de licitação, nos termos do artigo 112, §1°, I, b, da Lei Orgânica do Município, e se recomendou que, paralelamente, DGPI verificasse a possibilidade de outorga de permissão de uso onerosa aos ocupantes, a qual perduraria até a efetivação da venda (informação n. 698/2016-PGM.AJC, fls. 36/38).

Diante dessas manifestações, o DGPI providenciou a autuação deste expediente para o exame da permissão de uso onerosa.

Notificado o ocupante em 13/11/2017 (fl. 100), ele questionou os valores apresentados e a possibilidade de parcelamento em caso de alienação (fl. 101).

A Coordenadoria Jurídica da Secretaria Municipal de Gestão SG/COJUR considerou possível a outorga da permissão de uso e entendeu que o pagamento dos valores devidos pelo uso pretérito, desde 17/01/2012, data do registro da carta de adjudicação, é imprescindível à alienação do bem (fls. 107/108).

Novamente notificado (fl. 159), o interessado se opôs à cobrança de valores pelo uso pretérito, pois nunca fora notificado sobre a ilicitude de tal ocupação (fl. 160).

Em nova manifestação, a SG/COJUR, a título de colaboração, concluiu ser possível o pagamento de retribuição mensal, mesmo sem a outorga da permissão de uso, pagamento esse que não está condicionado ao adimplemento da indenização pelo uso pretérito. Contudo, indicou que o inadimplemento da indenização poderá servir como fator de avaliação da conveniência da alienação do bem (fls. 175/177).

Por sua vez, a Assessoria Jurídica da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano - SMDU/AJ discordou das conclusões da SG/COJUR, tanto no que se refere à possibilidade de pagamento sem ato formal, como no que diz respeito à permissão de uso sem prévio equacionamento do pagamento de indenização pelo uso pretérito.

Realizada nova notificação (fl. 194), o interessado manifestou sua concordância com o valor da permissão de uso, informando o pagamento do Documento de Arrecadação do Município de São Paulo - DAMSP e solicitando esclarecimentos para o pagamento dos posteriores, e sua discordância com o "débito pretérito", dada a inércia do Município. Ademais, novamente questionou a possibilidade de pagamento parcelado do valor para aquisição da área (fl. 197).

Diante da divergência entre a SMDU/AJ e a SG/COJUR, a CGPATRI considerou não ser razoável a outorga da permissão de uso diante da recusa do ocupante em quitar o débito pelo uso pretérito, mas razoável a alienação do bem, motivo pelo qual encaminhou a esta AJC a presente consulta, formulada nos seguintes termos: "seria possível a alienação direta ao interessado, sem prejuízo de se manter, em processo apartado, a cobrança pelo tempo pretérito".

É o que nos cabe aqui relatar.

Sem a pretensão de realizar juízos de valor sobre as manifestações ou os atos praticados neste expediente, tampouco de encontrar as causas pela ausência de desfecho ou os seus responsáveis - os quais não existem, vale desde já asseverar -, a realidade é que a tramitação deste processo por tantos anos sem solução não se mostra razoável, em especial por haver concordância entre os interessados (Município e ocupante) no que se refere às questões fundamentais ao desenlace dessa situação: a titularidade pública do bem e o desejo de transferência onerosa, do uso ou do próprio domínio, ao particular.

Muitas vezes, de maneira desapercebida, perdemo-nos em discussões jurídicas abstratamente pertinentes, mas concretamente prescindíveis, esquecendo-nos da realidade que as originou, dos dados fáticos que deveriam permeá-las ou mesmo dos fins que deveriam orientá-la. Conquanto a sua adequação tenha sido posta à prova há muito tempo, trata-se de uma cultura jurídica, em cujo caldo fomos doutrinados, mais preocupada em saber "como o direito é feito" do que "para que o direito serve"1, nas palavras de Noberto Bobbio. Sob outro viés, podemos citar Eros Grau: "pois não é senão disso que tratam, imediatamente, os juristas — dos problemas do direito, apenas; os Juristas, em regra, não tratam dos problemas que o direito estaria destinado a resolver..."2.

O interessado reconhece o domínio público do bem. O Município considera inaproveitável a área. O interessado deseja regularizar a situação, por meio de permissão de uso onerosa ou da aquisição do bem, inclusive solicitando instruções para seu pagamento. O Município entende juridicamente possível ambas as alternativas. Cada dia sem solução representa um prejuízo financeiro ao Município. Cada dia sem solução representa o agravamento do sentimento de insegurança do particular e da sua descrença no Poder Público.

A SG/COJUR bem compreendeu esse cenário, mas a solução por ela proposta mostra-se juridicamente impossível, pois não há como exigir o cumprimento de determinada obrigação (pagamento mensal de valores, no caso) sem a existência de fundamento jurídico para tanto. Na realidade, estar-se-ia outorgando de maneira tácita a permissão de uso, providência vedada pelo ordenamento jurídico, dados os princípios que informam a prática de atos pela Administração Pública e as regras relacionadas à gestão do patrimônio público.

As soluções juridicamente possíveis são conhecidas e já apontadas por esta AJC (Informações n. 484/2016 - PGM.AJC, fls. 17/20, e n. 698/2016-PGM.AJC, fls. 36/38). Esta Assessoria indicou, inclusive, uma solução provisória, por meio da atuação de expediente próprio visando à permissão de uso. Aliás, interessante notar que apesar da adoção dessa providência, o exame da permissão de uso e da alienação do bem voltaram a se confundir, tratando o presente da viabilidade de ambas as medidas.

A permissão de uso é um ato discricionário e precário. A Administração pode, analisando a oportunidade e a conveniência, outorgá-la ou não; outorgando-a, esse juízo de oportunidade e conveniência pode ser revisto, com a extinção sem indenização ao particular3. Essas duas qualidades permitem a outorga da permissão de uso visando à solução provisória de uma situação irregular, como indicado por esta AJC, afastando-se desde logo, ainda que momentaneamente, o infortúnio experimentado pelos envolvidos.

Por sua vez, não há nenhum dado ontológico que prejudique a outorga da permissão de uso diante da irregularidade da ocupação do bem público ou da inexistência de débitos por tal ocupação.

O ordenamento jurídico poderia estabelecer essa relação de prejudicialidade, vedando a outorga da permissão de uso quando o bem estivesse irregularmente ocupado ou o seu ocupante não indenizasse o Município por tal uso, mas não o fez. Aliás, a legislação municipal parece ter ido em sentido contrário, pois o Decreto Municipal n. 48.832/07, que trata da defesa da posse de bens imóveis municipais, prevê a permissão de uso como instrumento jurídico adequado à cessação da utilização ilícita de bem imóvel municipal (artigo 5°, inciso V), não estabelecendo o pagamento de indenização pelo uso pretérito como condição para a sua outorga em tal hipótese.

Portanto, a nosso ver, a existência de débitos pelo uso pretérito e a recusa do ocupante em quitá-los não constituem óbices à outorga da permissão de uso, desde que preenchidos os requisitos para tanto.

Diga-se, de passagem, que as providências mais demoradas e custosas da instrução do procedimento de permissão de uso parecem já ter sido adotadas pela CGPATRI, razão pela qual acreditamos que a permissão seria célere, ao contrário do quanto afirmado pela SG/COJUR.

Além disso, não vislumbramos relação entre a outorga de permissão de uso e o possível reconhecimento da prescrição quanto à indenização pelo uso pretérito, como suscitado pela SMDU/AJ, pois a regularização da ocupação não influencia o transcurso do prazo prescricional. Na realidade, a permissão de uso não representará um prejuízo ao Município, mas sim a sua ausência, pois o ocupante deixará de recolher os valores devidos pelo uso, o que faria se formalizada a cessão do uso, ocasionando uma desvantagem à Administração.

Também não consideramos óbice à alienação do bem a existência de débitos pelo uso pretérito. Assim como na permissão de uso, a ausência de pagamento pelo uso pretérito não prejudica per se a transferência do domínio e não há nenhuma vedação na legislação de regência.

Aqui, como se trata de relação de natureza contratual, além das regras próprias da gestão do patrimônio imobiliário, incidem igualmente aquelas próprias dos contratos dessa espécie; contudo, essas também não impedem a alienação em caso de débito pelo uso pretérito.

A Lei Federal n. 8.666/93, ao tratar das alienações de bens públicos, não impõe qualquer vedação nesse sentido. Do mesmo modo a Lei Municipal n. 13.278/02 e o Decreto Municipal n. 44.279/034. Aliás, interessante registrar que o artigo 18 da Lei Federal n. 8.666/935, ao tratar da habilitação na concorrência para alienação de bens imóveis, prevê que se limitará à comprovação do recolhimento de quantia correspondente a 5% (cinco por cento) da avaliação. Por fim, até mesmo a Lei Municipal n. 14.094/05, que cria o Cadastro Informativo Municipal - CADIN MUNICIPAL, não prevê vedação dessa natureza.

A ausência de vedação significa única e tão somente a possibilidade jurídica de a permissão de uso ou a alienação do bem ser realizada, não a obrigatoriedade de a Administração transferir o uso ou o domínio ao particular, devendo a autoridade competente atentar ao preenchimento dos requisitos previstos na legislação de regência e a conveniência e oportunidade dessas medidas.

Nesse ponto, como dito pela SG/COJUR, pode-se entender inconveniente a alienação da área por existir débitos pelo uso pretérito. Repita-se: a recusa ao pagamento de indenização pelo uso do bem pode ser considerada quando da aferição da conveniência e oportunidade da alienação, o que não significa que essa providência é juridicamente vedada por tal razão.

Entretanto, ao realizar tal juízo, a autoridade também deverá considerar outras questões, especialmente no que se refere aos custos e dificuldades da imissão na posse, única medida que restará em caso de ser negada a regularização da ocupação.

Ainda que seja uma providência possível de ser adotada pelo Município, a imissão na posse implicaria em fornecimento de meios para desalojamento dos ocupantes e demolição da construção, sem que haja interesse específico no imóvel, como já demonstrado pelo DESAP (fl. 14).

Não só. Os débitos pelo uso pretérito ainda estão em discussão e, apesar de considerarmos que os mesmos são devidos, sob pena de enriquecimento sem causa do ocupante, não se trata de questão pacífica na jurisprudência6.

Portanto, não só a recusa ao pagamento dos débitos pelo uso pretérito, mas também esses outros dados devem ser levados em consideração pela autoridade competente ao realizar o juízo de conveniência e oportunidade da permissão de uso ou da alienação do bem.

Diante do exposto, em resposta à consulta que nos foi formulada pela CGPATRI, entendemos juridicamente possível a outorga da permissão de uso ou a alienação direta ao interessado, independentemente do pagamento dos débitos pelo uso pretérito, os quais podem ser objeto de cobrança em expediente próprio.

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São Paulo, 13 de janeiro de 2020.

FÁBIO VICENTE VETRITTI FILHO

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 255.898

PGM

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De acordo.

São Paulo, 13/01/2020.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

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1 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função, novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007, p. 53.

2 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 7a ed., rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, p. 25.
3 "O que a precariedade indica é que as permissões podem ser extintas sem gerar, de per se, o dever de indenizar o particular. Dizemos de per se, pois o dever de indenizar poderá ter lugar caso o ato extintivo seja eivado de desvio de finalidade ou caso estejamos diante de permissão qualificada" ( MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Bens públicos, função social e exploração econômica: o regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 343).
4 A princípio, não nos parece adequado sustentar a incidência do artigo 40 do Decreto Municipal aos casos de alienação de bens imóveis, inclusive pelo artigo 18 da Lei Federal n. 8.666/93, mas, ainda que assim não fosse, aquele dispositivo não impediria a celebração do contrato de compra e venda.
5 Importa mencionar que há quem sustente que o artigo 18 da Lei Federal n. 8.666/93 não é norma geral (FERRAZ, Sérgio. A alienação de bens públicos na lei federal de licitações. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 198, p. 53-59, out. 1994. ISSN 2238-5177. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46410>. Acesso em: 10 Jan. 2020. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v198.1994.46410), mas não entraremos nesse debate por ser impertinente ao exame da presente consulta.
6 Em sentido contrário ao nosso entendimento: TJSP; Apelação Cível 1004675-05.2015.8.26.0053; Relator (a): Marcelo L Theodósio; Órgão Julgador: 11a Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 3a Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 10/07/2019; Data de Registro: 10/07/2019; TJSP; Apelação Cível 1046058-89.2017.8.26.0053; Relator (a): Rubens Rihl; Órgão Julgador: 1a Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 3a Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 25/04/2019; Data de Registro: 25/04/2019; TJSP; Apelação Cível 1031394-59.2016.8.26.0224; Relator (a): Spoladore Dominguez; Órgão Julgador: 13a Câmara de Direito Público; Foro de Guarulhos - 1a Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 17/04/2019; Data de Registro: 23/04/2019; e TJSP; Apelação Com Revisão 9177821-33.2003.8.26.0000; Relator (a): Moreira de Carvalho; Órgão Julgador. 6a Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 12.VARA; Data do Julgamento: N/A; Data de Registro: 22/05/2007.

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processo n° 2017-0.154.845-0 

INTERESSADO: CARLOS DOS SANTOS MARTINS.

ASSUNTO: Regularização de área remanescente de desapropriação situada na rua Mestre José Antônio, 63, mediante permissão de uso onerosa.

Cont. da Informação n° 42/2020-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM

Senhora Procuradora Geral

Com o entendimento da Assessoria Jurídico Consultiva desta Coordenadoria, que acolho, no sentido da inexistência de vedação à outorga da permissão de uso ou à alienação do bem pela existência de débitos pelo seu uso pretérito, proponho o retorno à CGPATRI para adoção das providências que julgar pertinentes

Mantido o acompanhante.

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São Paulo, 19/02/2020.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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processo n° 2017-0.154.845-0 

INTERESSADO: LEROY MERLIN COMPANHIA BRASILEIRA DE BRICOLAGEM.

ASSUNTO: Doação de área da Avenida Magalhães de Castro, 12.000, Morumbi, Butantã, São Paulo, CEP 05502-000.

Cont. da Informação n° 18/2020-PGM.AJC

COORDENADORIA DE GESTÃO DO PATRIMONIO - CGPATRI

Senhora Coordenadora

Restituo estes autos com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, no sentido da inexistência de vedação à outorga da permissão de uso ou à alienação do bem pela existência de débitos pelo seu uso pretérito.

Mantido o acompanhante.

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São Paulo, / /2020.

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP n° 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo