Processo nº 6021.2019/0047572-4
INTERESSADO: DEPARTAMENTO DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DO PATRIMÔNIO
ASSUNTO: Aplicação do art. 3°, inc. I, da Lei federal n° 13.874/19. Licença de funcionamento. Compatibilidade com a legislação municipal existente.
Informação n° 1.848/2019 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Coordenadoria Geral do Consultivo
Senhor Coordenador Geral
O Departamento de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio - DEMAP solicita manifestação desta Procuradoria acerca da questão tratada no parecer de SMSP/ATAJ encartado no SEI 023527822. Referida questão diz respeito à aplicação do art. 3°, inc. I, da Lei federal n° 13.874/19 no âmbito municipal e a sua compatibilidade com a legislação municipal pré-existente (eis que, depois da edição da lei federal, não sobreveio novo diploma legal sobre a questão).
SMSP/ATAJ concluiu que a legislação municipal é compatível com a nova legislação federal, uma vez que dispõe, no Decreto municipal n° 57.298/16, sobre as atividades consideradas de 'baixo risco'. E, no que eventualmente poderia não ser compatível com a legislação federal (exercício de atividade de baixo risco em edificações regulares), prevaleceria o disposto nas normas municipais, considerando que se trataria de matéria de interesse local - de competência legislativa municipal, portanto. Consequentemente, não seria aplicável, no Município, a Resolução n° 51/2019 do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM), mencionado no §1°, inc. II, do art. 3° da Lei federal n° 13.874/19.
Parece-nos, de fato, que, inobstante a duvidosa constitucionalidade e evidente atecnicidade do art. 3°, inc. I, da Lei federal n° 13.874/19, a legislação municipal é compatível com o disposto em tal diploma legal. Porém, com as devidas vênias ao entendimento manifestado por ATAJ, acreditamos que as razões da compatibilidade são outras.
Reprisemos o disposto no art. 3°, inc. I e §1°, da lei federal sobrecitada:
Art. 3° São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:
I - desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica;
(...)
§ 1° Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo:
I - ato do Poder Executivo federal disporá sobre a classificação de atividades de baixo risco a ser observada na ausência de legislação estadual, distrital ou municipal específica;
II - na hipótese de ausência de ato do Poder Executivo federal de que trata o inciso I deste parágrafo, será aplicada resolução do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM), independentemente da aderência do ente federativo à Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim); e
III - na hipótese de existência de legislação estadual, distrital ou municipal sobre a classificação de atividades de baixo risco, o ente federativo que editar ou tiver editado norma específica encaminhará notificação ao Ministério da Economia sobre a edição de sua norma.
Apesar do inc. I supra referir-se à 'liberação da atividade econômica', sua leitura em conjunto com o §1° evidencia que a intenção do legislador foi mais ampla, ingressando nas competências legislativas dos demais entes federativos. Isto porque, nos termos do parágrafo único do art. 170 da Constituição, a atividade econômica é, em regra, livre. São poucas as atividades econômicas que dependem de ato de autorização do Poder Público: a criação e funcionamento de instituições financeiras (que dependem de autorização do BACEN), a criação e funcionamento de cursos de educação superior (que dependem de autorização do MEC), a criação e funcionamento de empresas de taxi aéreo (que dependem de autorização da ANAC), etc. Em todos estes casos, há lei (geralmente de competência legislativa da União) prevendo a necessidade de 'ato público de liberação' para o ingresso do agente privado no setor econômico. Daí porque, se a União entende que algumas destas atividades são de baixo risco, o mais indicado seria extirpar, das leis específicas que as regulam, a necessidade do ato de liberação governamental.
Lendo o disposto no §1° do mesmo artigo, contudo, vislumbra-se que, ao aludir à atividade econômica, intento do legislador foi mais amplo, eis que o dispositivo legal faz referência à prevalência da legislação estadual, distrital ou municipal específica no que diz respeito à classificação das atividades de baixo risco. Parece, portanto, que pretendeu abranger licenças, autorizações, ou outros atos de consentimento públicos voltados a ações específicas que podem, nos termos das legislações estaduais, distritais ou municipais, demandar tais atos de consentimento para que sejam regularmente exercidas.
Tomemos o exemplo da licença de funcionamento, objeto do debate. Ela não se destina a liberar o exercício de uma atividade econômica em si, e sim a 'liberar' o exercício desta atividade em determinado local. Trata-se de uma anuência para a instalação de um estabelecimento. Igualmente, licenças ambientais, quando necessárias, 'liberam' determinados empreendimentos específicos em certas localidades, e não o exercício de uma atividade econômica em si.
Para além da atecnicidade da disposição legal, na medida em que ela se imiscui em matérias inseridas da competência legislativa de outros entes federativos, sua constitucionalidade se torna, no mínimo, duvidosa. Isso porque determina que os entes federativos, no âmbito de matérias da sua competência, disponham sobre empreendimentos para os quais não será necessário ato estatal de 'liberação'. Mais que isso, prevê que, na ausência desta disciplina, prevalecerá o disposto num ato do Poder Executivo federal, como se o Executivo federal pudesse se arvorar sobre as competências legislativas dos entes subnacionais (relativas ao controle do uso e ocupação do solo, por exemplo) distribuídas pela Constituição da República.
De toda forma, por amor à argumentação (ou, no âmbito de um processo judicial, por eventual estratégia processual), admitamos a constitucionalidade da disposição da lei federal. Seu intento, conforme mencionamos, parece ser obrigar que os entes federativos prevejam as atividades que seriam consideradas de 'baixo risco' para efeitos de não demandar ato de liberação.
No âmbito municipal, no que diz respeito à licença de funcionamento, a regra é a sua exigência para qualquer atividade não residencial, nos termos do caput do art. 136 da Lei municipal n° 16.402/16, verbis:
Art. 136. Nenhuma atividade não residencial - nR poderá ser instalada sem prévia emissão, pela Prefeitura, da licença correspondente, sem a qual será considerada em situação irregular.
A própria lei municipal, porém, abre relevantes exceções nos §§ 3°, 4° e 5°. São casos de atividade econômica em que não é exigível a licença de funcionamento:
§ 3° Nas unidades habitacionais situadas em qualquer zona, exceto nas ZER, é facultado aos respectivos moradores o exercício de suas profissões, com o emprego de no máximo 1 (um) auxiliar ou funcionário, observados os parâmetros de incomodidade definidos para a zona ou via, dispensada a licença a que se refere o "caput" deste artigo.
§ 4° Nas unidades habitacionais situadas em ZER, é facultado aos respectivos moradores o exercício de atividades intelectuais, sem receber clientes e sem utilizar auxiliares ou funcionários, observados os parâmetros de incomodidade definidos para as ZER, dispensada a licença a que se refere o "caput" deste artigo.
§ 5° Ficam mantidas as disposições da Lei n° 15.031, de 13 de novembro de 2009.
A Lei municipal n° 15.031/09, referida no §5° supratranscrito, dispensa da licença de funcionamento o exercício das atividades não residenciais para o Microempreendedor Individual - MEI, ressalvadas algumas hipóteses específicas mencionadas em tal lei.
A legislação municipal, portanto, prevê diversas situações em que é dispensável a licença de funcionamento e que, portanto, nos termos e para os efeitos do art. 3°, inc. I, da Lei federal n° 13.874/19, seriam consideradas como de 'baixo risco'. Por tal razão é que, segundo nos parece, não se aplica a Resolução federal do CGSIM - afinal, nos termos do §1°, inc. I, do art. 3° da lei federal, as normas federais só se aplicarão na ausência de norma municipal dispondo sobre a questão objeto do inc. I do art. 3°. Havendo norma municipal específica dispondo sobre situações em que seria dispensável a licença de funcionamento (ainda que a norma municipal não adote a nomenclatura de atividades de 'baixo risco'), não há lacuna normativa sobre a matéria no Município.
É verdade que, como atentou SMSP/ATAJ, o Decreto municipal n° 57.298/16 (alterado pelo Decreto n° 58.419/18) prevê um rol de atividades que identifica como de 'baixo risco'. Mas elas serão consideradas como tal apenas para os efeitos dos arts. 127 e 133 da Lei municipal n° 16.402/16, conforme expresso no próprio Decreto:
Art. 1° Este decreto dispõe sobre os empreendimentos considerados de baixo risco para fins de aplicação dos artigos 127 e 133 da Lei n° 16.402, de 22 de março de 2016.
Dispõem, por sua vez, os arts. 127 e 133 da Lei municipal n° 16.402/16:
Art. 127. Os empreendimentos considerados de baixo risco e os locais de culto enquadrados nas subcategorias de uso nR1 e nR2 serão isentos do atendimento da largura mínima de via estabelecida no Quadro 4A desta lei.
Art. 133. Nos casos dos empreendimentos considerados de baixo risco referidos no art. 127 desta lei, o uso poderá ser instalado em edificação não regular de acordo com as definições da legislação edilícia, desde que asseguradas as condições de higiene, segurança de uso, estabilidade, habitabilidade da edificação, assim como as condições de instalação e os parâmetros de incomodidade.
Vislumbra-se, portanto, que as atividades previstas como de 'baixo risco' no Decreto n° 57.298/16, não dispensam a licença de funcionamento, embora tenham facilitada a sua emissão, tanto em razão da possibilidade de instalação em edificações não regulares (nos termos do art. 133 supra), como em razão do procedimento simplificado para a emissão do documento previsto no Decreto n° 57.299/16 (alterado pelo Decreto n° 57.681/17), que 'regulamenta o procedimento eletrônico e simplificado para abertura, registro e alteração de empresas no Município de São Paulo'.
Vale ressaltar que, para tais atividades, o Decreto n° 57.299/16 prevê um procedimento bastante simples e expedito, com a emissão quase instantânea da licença de funcionamento, baseada especialmente em autodeclarações do interessado1. Não a dispensa, contudo.
Portanto, o vocábulo 'baixo risco' empregado por tais decretos municipais é utilizado para fins diversos do mesmo vocábulo empregado na Lei federal n° 13.874/19 - o que é perfeitamente compreensível, dada a plurissignificatividade da expressão. Para os efeitos do inc. I do art. 3° da lei federal, serão consideradas de baixo risco as atividades mencionadas nos §§ 3°, 4° e 5° do art. 136 da Lei municipal n° 16.402/16.
Por fim, convém reprisar uma nota já feita por ATAJ: se adotássemos a regulamentação federal no Município, haveria uma potencial restrição (e não liberação) do exercício de atividades em certos locais, eis que a resolução federal afasta a possibilidade de instalação dos estabelecimentos em edificações não regulares, enquanto a legislação municipal a faculta, observadas certas condições.
Ademais, não poderíamos deixar de ressaltar a miopia da lei federal quando adota o pressuposto de que a extirpação de atos públicos de consentimento promove a atividade econômica. Os atos públicos de consentimento funcionam como mecanismos de segurança jurídica e de estabilidade (ou pelo menos para a proteção de situações individuais em face da imprevisibilidade) para os agentes econômicos, na medida em que antecipam juízos estatais sobre a regularidade de uma dada atividade, orientam os agentes quanto à eventuais pontos de atrito com a lei e, muitas vezes, os protegem contra mudanças repentinas na legislação. Na ausência de atos de consentimento, e diante de uma multiplicidade de normas que deve observar, o agente privado (principalmente o de menor porte) não estará seguro quanto à regularidade do seu empreendimento e, portanto, permanecerá sujeito à ações sancionatórias. Daí porque o Decreto municipal n° 57.299/16, ao promover a integração entre diversos sistemas informatizados (inclusive dos demais entes federativos) e a emissão da licença por meio de processo digital e simplificado, andou muitíssimo melhor do que a Lei federal n° 13.874/19 e do que a Resolução n° 51/2019 do CGSIM.
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São Paulo, 15/01/2020
RODRIGO BRACET MIRAGAYA
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP n° 227.775
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 15/01/2020
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Assessora Chefe - AJC
OAB/SP 175.186
PGM
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1 Art. 11. O processo de obtenção do Auto de Licença de Funcionamento para empreendimentos considerados de baixo risco ocorrerá por meio de Sistema Integrado informatizado.
§ 1° Os empreendimentos considerados de baixo risco estão disciplinados em ato próprio, conforme previsto no artigo 127, § 1°, da Lei n° 16.402, de 2016.(Redação dada pelo Decreto n° 57.681/2017)
§ 2° O Auto de Licença de Funcionamento expedido na forma do "caput" deste artigo atende, para todos os fins, a exigência prevista no artigo 136 da Lei n° 16.402, de 2016." (NR)(Redação dada pelo Decreto n° 57.681/2017)
Art. 12. O enquadramento do empreendimento como de baixo risco permite a obtenção do licenciamento da atividade mediante:
I - o fornecimento de dados requeridos no âmbito do Sistema Integrador;
II - a apresentação de declarações de responsabilidade do usuário, em substituição à comprovação prévia do cumprimento da legislação, inclusive no que tange ao atendimento às condições de segurança, acessibilidade, habitabilidade e salubridade; e
III - a apresentação de cópia digitalizada de Anotação de Responsabilidade Técnica - ART ou Registro de Responsabilidade Técnica - RRT juntamente com as declarações do usuário em substituição à subscrição das declarações do usuário por profissional habilitado.
§ 1° A apresentação de declarações de responsabilidade de que trata o inciso II do "caput" deste artigo poderá ser realizada mediante utilização de assinatura digital ou a partir de imagens digitalizadas da declaração física assinada.
§ 2° A Anotação de Responsabilidade Técnica - ART ou Registro de Responsabilidade Técnica - RRT, bem como a cópia da carteira do responsável técnico no Conselho de Classe deverão estar disponíveis no local do estabelecimento, para apresentação à fiscalização a qualquer momento.
Art. 13. Nos casos em que o empreendimento for considerado de baixo risco e a Consulta de Viabilidade apontar resultado indisponível, conforme disposto no artigo 6°, § 2°, inciso III deste decreto, deverá ser assegurada ao usuário a possibilidade de obtenção do Auto de Licença de Funcionamento de forma eletrônica, mediante declaração de responsabilidade do usuário de que atende todos os requisitos legais e de que a instalação prevista está em conformidade com as exigências pertinentes.
§ 1° A licença de funcionamento de que trata o "caput" deste artigo perderá sua eficácia a qualquer tempo caso haja violação à legislação vigente, ficando o titular ou responsável legal da empresa sujeito às penalidades cabíveis por fornecimento de informações incorretas.
§ 2° A emissão do Auto de Licença de Funcionamento nas condições do "caput" deste artigo somente se aplica quando realizada por meio eletrônico por intermédio de Sistema Integrador.
Art. 14. A dispensa da comprovação prévia do cumprimento de exigências para os empreendimentos considerados de baixo risco não exime o interessado de observar as condições necessárias para a instalação e funcionamento das atividades, bem como obter e manter disponíveis para fiscalização os respectivos documentos.
Art. 15. Nos casos em que o licenciamento dos empreendimentos considerados de baixo risco identificar que a atividade a ser licenciada requer a obtenção de um Alvará de Funcionamento para Local de Reunião, o procedimento eletrônico será interrompido e a análise da licença prosseguirá em conformidade com o disposto na legislação municipal pertinente.
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Processo nº 6021.2019/0047572-4
INTERESSADO: DEPARTAMENTO DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DO PATRIMÔNIO
ASSUNTO: Aplicação do art. 3°, inc. I, da Lei federal n° 13.874/19. Licença de funcionamento. Compatibilidade com a legislação municipal existente.
Cont. da Informação n° 1.848/2019 - PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho a Vossa Senhoria a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acompanho, no sentido de que, inobstante a duvidosa constitucionalidade do disposto no art. 3°, inc. I e §1°, da Lei federal n° 13.874/19, diante das hipóteses de dispensa da licença de funcionamento contempladas nos §§ 3°, 4° e 5° do art. 136 da Lei municipal n° 16.402/16 (PDE), não se aplica, no Município, para os fins de dispensa de tal licença, o eventual ato do Poder Executivo federal ou a Resolução do CGSIM referidos nos incisos I e II do §1° do art. 3° da Lei federal n° 13.874/19.
No mais, considerando que este processo é documental de ação judicial proposta em face do Município, lembro que o procurador oficiante poderá empregar, em juízo, todos os argumentos que, em sua análise, melhor escudem a ação municipal, consideradas as alegações da impetrante, observada, obviamente, a tese ementada por esta Procuradoria.
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São Paulo, 16/01/2020
TIAGO ROSSI
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP 195.910
PGM
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Processo nº 6021.2019/0047572-4
INTERESSADO: DEPARTAMENTO DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DO PATRIMÔNIO
ASSUNTO: Aplicação do art. 3°, inc. I, da Lei federal n° 13.874/19. Licença de funcionamento. Compatibilidade com a legislação municipal existente.
Cont. da Informação n° 1.848/2019 - PGM.AJC
DEMAP
Senhor Diretor
Encaminho o presente com o parecer da Coordenadoria Geral do Consultivo desta PGM (023726705 e 023726893), que acolho.
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São Paulo, 16/01/2020
RACHEL MENDES FREIRE DE OLIVEIRA
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO SUBSTITUTA
OAB/SP 169.314
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo