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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.048 de 10 de Setembro de 2019

EMENTA N.° 12.048
Disciplinar. Servidor condenado criminalmente. Tráfico de droga privilegiado. Afastamento da caracterização de crime hediondo. Jurisprudência do STF e do STJ. Impossibilidade de demissão a bem do serviço público (artigo 189, inciso II, da Lei 8.989/79). Possibilidade de demissão. Procedimento irregular de natureza grave (artigo 188, inciso III, da Lei 8.989/79). Dever do servidor de proceder particularmente de forma que dignifique a função pública (artigo 178, inciso XII, da Lei 8.989/79). Proibição de ação ou omissão capaz de comprometer a dignidade e o decoro da função pública (artigo 179, "caput", da Lei 8.989/79). Subsistência do parecer contido na Informação 1.533/2018-PGM.AJC, aplicável à hipótese prevista no artigo 189, inciso I, da Lei 8.989/79 (ato de incontinência pública e escandalosa).

Processo nº 2011-0.210.333-7

INTERESSADO: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ASSUNTO: Inquérito administrativo especial. Prisão em flagrante por tráfico de drogas. Servidor condenado. Trânsito em julgado. Proposta da CPP de absolvição. Discordância. Proposta de demissão.

Informação n° 1.385/2019-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhor Procurador Assessor Chefe

Trata-se de inquérito administrativo especial instaurado em face do servidor interessado, preso em flagrante na posse de pedras de crack e posteriormente condenado em ação penal, transitada em julgado, pelo crime de tráfico de drogas.

Encerrada a instrução, a Comissão Processante apresentou o relatório de fls. 750/756, com proposta de absolvição do servidor, por compreender que a conduta que ensejou a condenação criminal em nada se relaciona com a função pública exercida perante a Municipalidade, o que afastaria a possibilidade de aplicação da pena de demissão. O entendimento baseia-se no parecer expedido por esta Procuradoria Geral do Município (Informação 1.533/2018-PGM.AJC - encartado a fls. 740/747).

A Diretoria do PROCED, contudo, pondera a fls. 757/758 que o precedente que embasou a sugestão de absolvição não se assemelha às circunstâncias que permeiam o caso ora analisado, que gerou escândalo público apto a manchar a imagem da Administração. Aponta que "a conduta imputada ao servidor configura ilícito tipificado na Lei Nacional 11.343/2006 (Lei de Drogas) e, em razão de sua gravidade e notáveis impactos negativos à sociedade, é equiparada aos crimes hediondos por força do artigo 2º da Lei Nacional 8.072/1990, devendo receber no ordenamento jurídico o mesmo tratamento dispensado àqueles". Nesse sentido, foi proposta a pena de demissão a bem do serviço público.

É o relatório do quanto necessário.

A conclusão alcançada pela Diretoria do PROCED defende a incidência da hipótese prevista no artigo 189, inciso II, da Lei 8.989/79, referente à prática de crime hediondo. Nesse sentido, o delito penal pelo qual o indiciado fora condenado submete-se ao regime dos crimes hediondos, "em razão de sua gravidade e notáveis impactos negativos à sociedade". A Comissão Processante, porém, entende de modo contrário, porquanto "o crime pelo qual o indiciado foi condenado não figura dentre os elencados no artigo 189, inciso II, da Lei 8.989/79".

É preciso ressaltar que a condenação criminal do interessado deu-se com a inclusão do privilégio do artigo 33, §4°, da Lei de Drogas1 Trata-se de benesse concedida a sujeito primário, de bons antecedentes e que não se dedique às atividades criminosas, nem integre organização criminosa. É o que se denomina tráfico privilegiado.

Ocorre que a jurisprudência firmou entendimento segundo a qual o "tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo". A tese foi firmada pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no ano de 2016 em razão do julgamento do Tema 600 dos recursos repetitivos, gerando, inclusive, o cancelamento da Súmula 512 do STJ.

No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal, conforme o julgado abaixo do ano de 2016 (HC 118.533/MS, Pleno, Re. Min. Cármen Lúcia, DJe 16/09/2016):

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA LEI N. 8.072/90 AO TRÁFICO DE ENTORPECENTES PRIVILEGIADO: INVIABILIDADE. HEDIONDEZ NÃO CARACTERIZADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.313/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos. 2. O tratamento penal dirigido ao delito cometido sob o manto do privilégio apresenta contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa. 3. Há evidente constrangimento ilegal ao se estipular ao tráfico de entorpecentes privilegiado os rigores da Lei n. 8.072/90. 4. Ordem concedida.

Conclui-se, logo, à luz da jurisprudência dominante nos Tribunais Superiores, que inexiste in casu a condenação a crime hediondo, motivo pelo qual resta afastada a incidência do artigo 189, inciso II, da Lei 8.989/79.

A conclusão não elide, porém, a conclusão do PROCED acerca da incidência do artigo 178, inciso XII, da Lei 8.989/79, que impõe o dever do servidor de "proceder, pública e particularmente, de forma que dignifique a função pública", assim também do artigo 179, "caput", do mesmo diploma, que proíbe "toda ação ou omissão capaz de comprometer a dignidade e o decoro da função pública".

Nesse sentido, convém averiguar a questão da conduta particular do agente público à luz do comprometimento da dignidade da função pública e a repercussão no regime disciplinar.

Parte-se da premissa de que o próprio ordenamento municipal estipulou um tipo infracional expresso dissociado de atos estritamente desempenhados no exercício funcional. Trata-se do já aludido artigo 178, inciso XII, que impõe um dever de proceder particularmente de modo a dignificar a função pública.

A doutrina especializada enaltece a correlação, apontando que o regime disciplinar também "busca preservar a imagem, decoro e credibilidade que devem merecer perante a sociedade os que titularizam cargos e funções públicas"2. Assim, "o procedimento irregular do servidor em sua vida privada pode se enquadrar no âmbito da responsabilidade disciplinar, em virtude do fato de a moralidade e seriedade da Administração Pública eventualmente caírem no descrédito diante dos administrados"3. O mesmo autor exemplifica:

"Não se pode admitir, portanto, que um policial civil, por exemplo, seja conhecido explorador de prostituição infantil, agiota, estelionatário condenado, integrante de quadrilhas, autor de extorsão ou tráfico de drogas, ainda que consume essas condutas reprovadas e criminosas fora do desempenho do cargo (...)'4.

Ivan Barbosa Rigolin entende de modo similar: "Nenhum cidadão consciente pode admitir contribuir com seu trabalho e seu dinheiro para manter o vencimento de um servidor sequestrador, estuprador, envenenador de água potável ou praticante de latrocínio, e por isso condenado. A simples ideia é repugnante, e por todos os títulos inadmissível"5.

Por outro lado, diante da garantia da intimidade e da privacidade, assegurada pela Constituição Federal, "a vida íntima do servidor, seus momentos de privacidade ou de contato social, ainda que não lhe confiram o título de cidadão-modelo, não podem ser devassados para fins de punição disciplinar, desde que inexista repercussão sobre a função pública"6.

Nesse sentido, entende-se que, como regra, a responsabilidade disciplinar decorre de atos desconformes cometidos no exercício da função pública, cabendo de modo excepcional a punição por condutas da vida privada, quando reverberam direta ou indiretamente de modo deletério sobre a Administração Pública.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça paulista vem corroborando esse entendimento, a exemplo do julgado a seguir, envolvendo a prática de crime pelo então servidor estadual, com base em tipo infracional semelhante ao disposto no Estatuto Municipal7:

Dispõe a Lei estadual n. 10.261/68, em seu artigo 241, que são deveres do funcionário público estadual estar em dia com as leis, regulamentos, regimentos, instruções e ordens de serviço que digam respeito às suas funções e proceder na vida pública e privada na forma que dignifique a função pública (incisos XIII e XIV).

Entendeu a comissão processante que o ora demandante, com a sua conduta, que, ao contrário do que alega, restou demonstrada tanto no processo administrativo disciplinar quanto na investigação criminal, conforme analisado acima, praticou procedimento irregular, de natureza grave, ao qual se aplica, nos termos do artigo 256, inciso II, da lei estadual em análise, a pena de demissão.

Assim, deveria mesmo o servidor ser demitido, sem que se possa falar em ilegalidade da atuação da demandada a determinar a reintegração do autor ao seu antigo cargo.

(Apelação 0039477-51.2012.8.26.0053, 7ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Moacir Peres, julg. 05/08/2013).

Em outra decisão, envolvendo servidor do Município de São Paulo condenado em razão da aplicação da então vigente Lei de Drogas, restou decidido:

"Consoante depreende-se dos autos o ex-servidor xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx (...) foi preso em flagrante e processado por infração ao artigo 16 da Lei 6368/76, sendo ao final condenado. Depreende-se das datas, assim, que o fato ensejador da demissão não foi anterior à assunção do cargo público.

A demissão ocorreu porque o ex-servidor praticou fato criminoso, o que configura causa suficiente para a cessação do vínculo funcional nos termos do artigo 188 da Lei 8989/79, por consistir violação aos artigos 178, inciso XII e 179, 'caput', da Lei 8989/79:

Artigo 178 - São deveres do funcionário:

(...)

XII - proceder, pública e particularmente, de forma que dignifique a função pública.

Artigo 179 - É proibida ao funcionário toda ação ou omissão capaz de comprometer a dignidade e o decoro da função pública, ferir a disciplina e a hierarquia, prejudicar a eficiência do serviço ou causar dano à Administração Pública, (...).

(...)

Havendo previsão legal para a punição aplicada, adequação dela ao fato e regular processo administrativo para a imposição, não há como questionar o ato demissionário."

(Apelação 40.997-5/0, 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. José Raul Gavião de Almeira, julg. 08/02/2000).

Diante dessas posições doutrinárias e jurisprudenciais, conclui-se que há fundamento para a demissão do ora indiciado, sobre o qual recaiu condenação criminal. O fato de ter sido condenado a tráfico privilegiado, o que afasta a configuração de crime hediondo, não elide a possibilidade de caracterização de procedimento irregular de natureza grave. É notório o escândalo público apto a manchar a imagem da Administração.

Também convém apontar alguns fatos aludidos nos testemunhos prestados, a exemplo daqueles constante a fls. 683, "em que a Polícia apareceu no hospital com o indiciado e a depoente soube que ele daria dado seu celular em troca de 20 pedras de crack e como o traficando não entregou o produto o próprio indiciado chamou a Polícia". No testemunho de fls. 684, foi afirmado que o indiciado teria reconhecido o fato de não poder trabalhar próximo a medicamentos.

Diante da conjugação desses aspectos, entende-se cabível a cominação da pena disciplinar máxima.

A conclusão ora alcançada não afasta a manutenção do entendimento vertido na Informação 1.533/2018-PGM.AJC, que subsiste. A análise realizada na ocasião debruçou-se sobre o art. 189, inciso I, da Lei 8.989/79, referente à prática de ato de incontinência pública e escandalosa, adstrita, nos termos do entendimento da PGM, a comportamento que tenha relação com as atribuições do cargo.

Diante do exposto, por incidir a hipótese prevista no artigo 188, inciso III, da Lei 8.989/79, propõe-se a DEMISSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO do indiciado xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, por violação aos artigos 178, inciso XII e 179, "caput", da Lei 8.989/79.

À consideração superior.

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São Paulo, 10 de setembro de 2019.

RODRIGO BORDALO RODRIGUES

Procurador do Município

OAB/SP n° 183.508

PGM/AJC

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De acordo.

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São Paulo, 11/09/2019.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE

OAB/SP 175.186

PGM/AJC

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1 Chama a atenção, porém, a circunstância de que o Relator do Acórdão de fls. 721/734 entendeu restar afastado o privilégio do art. 33, §4°, concedido pelo juízo de primeira instância. No entanto, como o Ministério Público não recorreu da sentença, restou mantida a benesse. É o que se extrai da seguinte passagem do Acórdão: "Em seguida, houve [pelo juízo sentenciante] a redução de metade, dada a minorante do §4° do art. 33 da Lei Especial, sopesadas a primariedade e a ausência de provas de dedicação às atividades criminosas, quedando-se inerte a acusação. Ao ver desta relatoria, com a devida vênia, nem era caso de conceder privilégio. As circunstâncias da prisão (em notório ponto de tráfico), além da natureza altamente viciante do entorpecente apreendido, gerados de sério problema de saúde pública, indicam que ele é profissional do tráfico, ainda que primário e de bons antecedentes. (...) Conformou-se a acusação, todavia".

2 Antônio Carlos Alencar Carvalho, Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância, p. 158.

3 Idem, ibidem.

4 Idem, p. 159.

5 Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis, 2007, p. 293.

6 Antônio Carlos Alencar Carvalho, Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância. p. 166. Destaca-se a seguinte passagem da obra: "As sanções cabíveis para os supracitados atos censuráveis serão de ordem cível, moral, multas de trânsito, multas de condomínio, perda sentimental com o distanciamento do convívio com os filhos de que não cuidou, ruptura matrimonial por relacionamentos extraconjugais contínuos, dentre outras consequências sociais adversas, como repulsa da vizinhança, ser objeto de comentários jocosos por parte dos conhecidos, etc. Mas não haverá ensejo a que se fale de demissão por condutas inteiramente alheias à função pública, as quais também não projetam efeitos diretos negativos sobre o exercício funcional ou a qualidade de funcionário" (ob. cit., p. 167).

7 Tratava-se de servidor estadual que se envolveu em briga durante uma festa e, em seguida, "ateou fogo ao veículo do pai de seu contendor, o que caracterizou o delito de incêndio"

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Processo nº 2011-0.210.333-7

INTERESSADO: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ASSUNTO: Inquérito administrativo especial. Prisão em flagrante por tráfico de drogas. Servidor condenado. Trânsito em julgado. Proposta da CPP de absolvição. Discordância. Proposta de demissão.

Cont. da Informação n° 1.385/2019 - PGM-AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhora Procuradora Geral

Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente.

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São Paulo, 24/09/2019.

TIAGO ROSSI

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo nº 2011-0.210.333-7

INTERESSADO: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ASSUNTO: Inquérito administrativo especial. Prisão em flagrante por tráfico de drogas. Servidor condenado. Trânsito em julgado. Proposta da CPP de absolvição. Discordância. Proposta de demissão.

Cont. da Informação n° 1.385/2019 - PGM-AJC

AUTARQUIA HOSPITALAR MUNICIPAL

Senhor Superintendente

Encaminho o presente, nos termos do artigo 12, inciso V, da Lei n.° 13.271/02, conforme a manifestação retro da Coordenadoria Geral do Consultivo, que endosso, com proposta de aplicação da pena de DEMISSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL ao indiciado xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, por incurso no artigo 188, inciso III, da Lei municipal 8.989/1979, em razão da violação aos artigos 178, inciso XII e 179, "caput", ambos da Lei 8.989/79.

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São Paulo, 27/09/2019.

MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ

PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP nº 169.314

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo