Processo n° 2001-0.215.751-7
INTERESSADA: ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL
ASSUNTO: Lei municipal n.° 13.646/2003. Legislação arbórea nos logradouros públicos. Consulta sobre a revogação tática do diploma.
Informação n° 0758/2019-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhora Procuradora Assessora Chefe
Trata o presente da Lei municipal n.° 13.646/2003, que dispõe sobre a arborização nos logradouros públicos do Município de São Paulo (fls. 29/30).
Sobrevieram - no âmbito do procedimento visando a sua regulamentação - considerações referentes a óbices técnicos (cf. manifestação da SVMA a fls. 33/34, expedida no ano de 2007) e jurídicos (cf. parecer da SGM/ATL a fls. 40/43), tendo sido cogitada a ocorrência, por esta última unidade, da revogação tácita do diploma, notadamente diante da superveniência das Leis n.° 14.676/08, 15.428/11 e 16.050/14 (PDE). Por conta deste aspecto, a SGM/ATL formula consulta a esta PGM.
Previamente a um pronunciamento conclusivo, foi instada a manifestação a respeito da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) e da então Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), haja vista a interface com as respectivas atribuições.
A primeira Pasta endossou o entendimento da SGM/ATL, nos termos das manifestações de fls. 49/50.
Já a segunda Secretaria manifestou-se a fls. 51/53, considerando "plausível a aventada hipótese da revogação tácita da restrição contida no art. 1º da Lei 13.646/2003, pelas normas supervenientes do PDE". Quanto aos demais comandos do mesmo diploma, entendeu conveniente investigar junto à SVMA se existem outros diplomas que tratam do tema.
É o breve relatório.
O instituto da revogação encontra disciplina na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657/1942), nos termos de seu artigo 2º:
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
De acordo com a doutrina, a revogação assume três tipos1:
(i) expressa;
(ii) tácita;
(iii) por assimilação.
A primeira decorre de textual declaração normativa da extinção de diploma legal pretérito (contida na expressão "quando expressamente o declare" do aludido preceito). A tácita decorre de uma incompatibilidade internormativa. Já a revogação por assimilação resulta de uma inteira regulação da matéria.
Diante de tal cenário, convém verificar se houve a revogação da Lei municipal 13.646/2003 em razão da superveniência de outras leis.
A Lei municipal 13.646/2003, que dispõe sobre a "arborização dos logradouros públicos do Município de São Paulo", impõe, em suma, quatro ordens de prescrições:
1ª) As espécies vegetais a serem utilizadas para arborização e ajardinamento dos logradouros públicos devem ser da "mata nativa de São Paulo, ou seja, a Mata Atlântica";
2ª) Proibi-se o plantio de espécies vegetais tóxicas em locais públicos, sendo que as já existentes devem ser retiradas pelo Poder Público;
3ª) Proibi-se o plantio de espécies vetais espinhosas, ainda que nativas, sendo que as já existentes devem ser retiradas pelo Poder Público.
4ª) Para além disso, permite-se o emprego da monocultura apenas em projetos paisagísticos e em casos específicos.
Por fim, o diploma impõe a aplicação das "Normas para Projeto e Implantação de Arborização em Vias Públicas", elaboradas pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente.
Ocorre que sobrevieram as Leis n.° 14.676/08, 15.428/11 e 16.050/14 (PDE), que teriam, no entender da SGM/ATL, revogado tacitamente o diploma de 2003.
Não se vislumbra incompatibilidade deôntica entre a Lei 13.646/2003 e a Lei 14.676/2008, que cria o "calendário anual para o plantio de árvores em vias e logradouros públicos". O cotejo entre as respectivas prescrições não evidencia uma incongruência suficiente para caracterizar a revogação da primeira pela segunda.
Já em relação à Lei 15.428/2011, que institui o "Programa de Requalificação Arbórea e Ambiental" a ser implementada nas ruas, avenidas, praças e parques da cidade, evidencia-se, de fato, uma potencial antinomia, conforme se extrai de seus artigos 2º e 4º, in verbis:
Art. 2º No Programa de Requalificação Arbóreo e Ambiental serão utilizadas espécies arbóreas que, conforme estudos técnicos e científicos, contribuem para a melhoria da qualidade ambiental, no aspecto da umidificação do ar e melhora da sensação de conforto térmico da população.
Art. 4º A definição das espécies arbóreas, bem como dos logradouros públicos onde serão plantadas, será estabelecida pelo órgão competente do Poder Executivo, tendo em vista o porte máximo que a espécie arbórea atinge em sua fase de pleno desenvolvimento.
Da conjugação de tais preceitos dessume-se que a lei atribuiu ao Executivo, por meio de seus órgãos técnicos, a atribuição in genere para definir as espécies arbóreas adequadas a serem inseridas na arborização urbana. Embora alguns critérios tenham sido elencados legalmente, a definição específica integra a órbita da atribuição das unidades com expertise para tanto.
Convém acentuar que a mesma diretriz foi incorporada no Plano Diretor Estratégico (Lei 16.050/2014), nos termos do artigo 286, inciso IV, assim redigido (destaque nosso):
Art. 286. O Plano Municipal de Arborização Urbana será o instrumento para definir o planejamento, implantação e manejo da arborização urbana no Município, devendo atender aos objetivos e diretrizes contidos nos arts. 267 e 268 e conter, no mínimo:
(...)
IV - classificação e indicação das espécies ou conjunto de espécies mais adequadas ao plantio, preferencialmente nativas
Perceba-se que o Parlamento atribuiu ao Executivo a competência para a indicação das espécies adequadas ao plantio. Tanto assim que, no exercício do múnus, em razão do Grupo de Trabalho constituído pela Portaria Intersecretarial 001/2011/SVMA/SMSP, foi aprovado o Manual Técnico de Arborização Urbana (cf. Portaria Intersecretarial 003/2015-SVMA/SMSP), que elenca em seus anexos as listas de árvores indicadas para arborização.
Demais, o Plano Diretor Estratégico indica no mesmo artigo 286, inciso IV, uma preferência - não uma exclusividade - para o plantio de exemplares nativos, evidenciando uma inequívoca incompatibilidade com o artigo 1º da Lei 13.646/2006, que a impõe. A propósito, o mesmo diploma reforça esta condição no artigo 268, inciso XVIII:
Art. 268. São diretrizes do Sistema de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres:
XVIII - priorizar o uso de espécies nativas e úteis à avifauna na arborização urbana
Verifica-se, portanto, um amálgama entre a revogação tácita e a revogação por assimilação, permitindo concluir pela ab-rogação da Lei 13.646/2003. No tocante ao seu artigo 1º, a incompatibilidade com o Plano Diretor Estratégico é patente. Já em relação aos seus artigos 2º, 3º e 5º, verifica-se que a Lei 15.428/2011 passou a disciplinar inteiramente a matéria da arborização urbana. Conquanto o diploma de 2011 não verse especificamente sobre o plantio de espécimes tóxicas e espinhosas, bem como sobre a monocultura, o trato ulterior da matéria, aliada à conferência da respectiva atribuição ao Executivo, permite extrair a retirada de tais dispositivos do ordenamento jurídico. Vale ressaltar a precisa observação da revogação por assimilação: "quando o legislador publica material jurídico que disciplina inteiramente matéria já regulada anteriormente, diz-se que o material jurídico anterior foi revogado. (...) Note-se que não se exige, neste caso, incompatibilidade ponto por ponto entre os documentos normativos envolvidos, apenas se requer que esteja claro que ambos tratam da mesma matéria." (nosso o grifo)2.
Diante de todo o exposto, conclui-se pela verificação da ab-rogação da Lei municipal 13.646, de 11 de setembro de 2003.
À consideração superior.
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São Paulo, 30 de maio de 2019.
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
PROCURADOR ASSESSOR - AJC
OAB/SP 183.508
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 04/06/2019.
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE
OAB/SP 175.186
PGM / AJC
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1 SGARUI. Adrian. Revogação. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilonuo. Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo. Alvaro de Azevedo Gonzaga. André l.uiz Freire (coord. de tomo). I. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2017. Disponível em: http://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/127/edicao-l/revogacao
2 SGARBI. Adrian. Ob. cit.
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Processo n° 2001-0.215.751-7
INTERESSADA: ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL
ASSUNTO: Lei municipal n.° 13.646/2003. Legislação arbórea nos logradouros públicos. Consulta sobre a revogação tática do diploma.
Cont. da Informação n° 0758/2019-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral
Encaminho a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acolho integralmente.
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São Paulo, 13/06/2019.
TIAGO ROSSI
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
OAB/SP 195.910
PGM
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Processo n° 2001-0.215.751-7
INTERESSADA: ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL
ASSUNTO: Lei municipal n.° 13.646/2003. Legislação arbórea nos logradouros públicos. Consulta sobre a revogação tática do diploma.
Cont. da Informação n° 0758/2019-PGM.AJC
SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL
Senhora Chefe da ATL
Encaminho o presente com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente, no sentido da ab-rogação da Lei municipal 13.646, de 11 de setembro de 2003.
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São Paulo, 03/07/2019.
GUILHERME BUENO DE CAMARGO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 188.975
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo